segunda-feira, 19 de novembro de 2018

A concha, a pintura e os óculos - O Senhor Das Moscas (William Golding)

O menino de cabelo claro desceu os últimos metros pelas pedras e começou a caminhar na direção da laguna. Embora tivesse tirado o paletó do uniforme, que agora segurava numa das mãos e deixava arrastar pela terra, sua camisa cinza estava grudada no corpo e seu cabelo colado na testa. À sua volta, a grande ferida aberta na mata era um banho de calor. Seguia avançando com dificuldade em meio às plantas rasteiras e aos troncos caídos quando um passarinho, uma visão de vermelho e amarelo, lançou-se pelo céu com um canto que parecia um grito de bruxa, e foi ecoado por outro. - William Golding

Ludwig von Mises declarou uma vez que: Liberdade significa realmente liberdade para errar(Economic Policy: Thoughts for Today and Tomorrow). Em tempos de liberalismo, nada melhor do que observar essa frase, porque errar é humano, mas determinados erros são imperdoáveis. É isso que fala William Golding em sua obra.

Com elementos inspirados no clássico juvenil de R.M. Ballantyne, The Coral Island (1858) e publicado originalmente em 1954, O Senhor das Moscas pode ser considerado o reverso The Coral IslandA história de Golding, ganhador do Nobel de Literatura de 1983, narra um grupo de meninos britânicos que sobrevivem a um ataque contra o avião em que viajavam e ficam isolados em uma ilha remota, sem a supervisão de adultos, buscando sobreviver enquanto aguardam um possível resgate.

A formação de um Estado é um dos primeiros acontecimentos após a queda do avião. As crianças, que foram educadas formalmente e tem noção no que diz respeito ao processo civilizatório, começam a se organizar, mas com o passar de algum tempo na ilha, o grupo se entrega a selvageria, se dividindo em duas lideranças naturais: Ralph que sempre está preocupado em deixar uma fogueira sempre acesa, para que possam ser, um dia, salvos, e possui o comando das reuniões através do som que emite da concha que sopra e Jack que sempre está preocupado em caçar, matar os porcos selvagens que existem na ilha, que pinta o rosto com ferocidade. Com o passar do tempo, Ralph deseja voltar para a civilização, enquanto Jack rompe completamente seus laços com ela, abraçando a barbárie.

Em um plano de fundo, como Eminência Parda, existe a figura de Porquinho, o intelectual que possui os óculos que acendem o fogo e mesmo com o passar do tempo, não deixa de ser civilizado, possuindo um bom senso e inteligência que não encontra eco em suas ideias, a não ser em Ralph, que acata mesmo dando o braço a torcer. Ele é dedicado ao ideal da civilização e constantemente repreende os outros meninos por se comportarem como selvagens. A situação se torna ainda mais difícil quando aparece um "Monstro" para aterrorizá-los.

Escrito durante a Guerra Fria, a história alude ao conflito da Guerra Fria entre a Democracia Liberal em sua apresentação de Ralph, enquanto Jack é o comunismo totalitário. Observando pelo aspecto marxista, a obra não pode ser um objeto estético a ser experimentado por seu próprio valor intrínseco, mas como um produto dos aspectos socioeconômicos. A filosofia de Sir Golding e o "inconsciente histórico" da Guerra Fria se materializaram alegoricamente como o mal do humano, o extremo da bagulhificação humana.

"E no meio deles, com o corpo imundo, o cabelo emaranhado e o nariz precisando ser assoado, Ralph chorava o fim da inocência, as trevas do coração humano, e a queda no abismo do amigo sincero e ajuizado chamado Porquinho."