sexta-feira, 21 de junho de 2024

185 anos de Machado de Assis: confira as melhores edições dos livros do gênio literário - via O Estadão



Praticamente dois séculos: se estivesse vivo (caso fosse possível!) no dia 21 de junho, Machado de Assis completaria 185 anos de idade em junho de 2024. O escritor é considerado o maior da literatura brasileira e um dos principais da literatura em língua portuguesa, sendo respeitado mundialmente.

Suas obras já estão todas em domínio público há muito tempo. Por isso, é possível encontrar livros dele em diferentes editoras, às vezes com republicações pelo mesmo selo. O Estadão Recomenda selecionou algumas edições que se destacam para fazer parte da sua coleção. 

Obra-prima: a Trilogia Realista

Entre os críticos literários, não existe um livro que seja considerado o superior da bibliografia de Machado de Assis. Mas é quase consenso que a tríade formada por Memória póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba e Dom Casmurro, publicadas em sequência, sejam suas melhores obras. 

Apesar de não ser uma trilogia formulada oficialmente pelo autor, esses três livros passaram a ser chamados de Trilogia Realista. Eles são constantemente estudados nas escolas como o que há de melhor do autor.

As edições da Ateliê Editorial se propõem a revisitar a obra adicionando comentários de críticos especializados na obra machadiana ao longo da leitura. Os livros ainda vêm com ilustrações e é finalizado em formato 18×12, um pouco maior que as edições de bolso. Aliado às páginas em tom bege, esse tamanho permite um bom conforto durante a leitura.

Todos os romances

Ao longo de sua vida, Machado de Assis publicou um total de nove romances. Eles são divididos em duas fases: romântica (de Ressureição a Iaiá Garcia) e realista (de Memórias póstumas de Brás Cubas a Memorial de Aires). Cada fase está ligada à escola literária correspondente.

Contudo, em 1943, “surgiu” um décimo romance em sua bibliografia: Casa velha. Graças aos esforços da crítica literária Lúcia Miguel Pereira, a obra foi transformada em um livro. Na época de Machado, ela tinha sido divulgada como um folhetim para a revista A Estação, a mesma que divulgou Quincas Borba. Apesar do ano de publicação, traz mais elementos inspirados no Romantismo que no Realismo.

O box Todos os romances e contos consagrados, da editora Nova Fronteira, reúne nove dos dez romances de Machado de Assis. No primeiro volume estão Ressurreição, A mão e a luva, Helena e Iaiá Garcia. O segundo apresenta a Trilogia Realista, com as três obras já citadas neste texto. Já o último é formado por Esaú e Jacó, Memorial de Aires e alguns contos selecionados.

Contos

Além de romancista e folhetinista, como já citado, Machado de Assis também foi contista, poeta, cronista, dramaturgo, jornalista e crítico literário. Após os grandes romances, talvez suas obras mais conhecidas sejam os contos, como A cartomante e O alienista. Este último, inclusive, gera debates até hoje sobre seu gênero, se de fato é um conto ou uma novela.


terça-feira, 11 de junho de 2024

Portugal, Tão Diferente de seu Ser Primeiro - Camões

Portugal celebra este ano os 500 anos do nascimento de Luís Vaz de Camões. Esse dia (10 de junho) é emblemático: é dia de Camões, de Portugal e do Anjo de Portugal, aparecido aos pequenos pastores em Fátima.


Os reinos e os impérios poderosos,

Que em grandeza no mundo mais cresceram,

Ou por valor de esforço floresceram,

Ou por varões nas letras espantosos.


Teve Grécia Temístocles; famosos,

Os Cipiões a Roma engrandeceram;

Doze Pares a França glória deram;

Cides a Espanha, e Laras belicosos.


Ao nosso Portugal, que agora vemos

Tão diferente de seu ser primeiro,

Os vossos deram honra e liberdade.


E em vós, grão sucessor e novo herdeiro

Do Braganção estado, há mil extremos

Iguais ao sangue e mores que a idade.


Camões na gruta de Macau
Camões na gruta de Macau

segunda-feira, 3 de junho de 2024

100 anos da morte de Franz Kafka - via O Antagonista


Quando morreu de tuberculose, no dia 3 de junho de 1924, num sanatório nos arredores de Viena, Franz Kafka, um judeu de Praga, nascido nos derradeiros anos do império Austro-húngaro

Quando morreu de tuberculose, no dia 3 de junho de 1924, num sanatório nos arredores de Viena, Franz Kafka, um judeu de Praga, nascido nos derradeiros anos do império Austro-húngaro, com uma terrível consciência “do horror da vida” deixava publicada uma inquietante novela intitulada A Metamorfose, alguns contos e fragmentos que receberam do público pouco mais que uma fria indiferença.

Por um lado, a qualidade das obras que Kafka publicou em vida —como “O Veredito”, “Na Colônia Penal”, “A Metamorfose”, “Um Médico Rural” e, especialmente, “Um Artista da Fome”— já nos parece mais que suficiente para garantir seu nome na história da literatura. Por outro, sabemos que ele morreu como um ilustre desconhecido: nenhuma dessas obras foi recebida ou celebrada como um trabalho de gênio.

Morto há cem anos, Franz Kafka só se tornou um ícone da literatura mundial porque seu melhor amigo, Max Brod, desrespeitou o pedido do escritor e publicou, após a morte dele, textos inacabados, como “O Castelo” e “O Processo”.

Leitura obrigatória

Por motivos ideológicos e raciais, o regime nacional-socialista da Alemanha baniu e mandou queimar todas as obras do escritor judeu. Assim, ele acabou primeiro ficando mais conhecido no exterior, embora hoje seus livros sejam leitura obrigatória nas escolas alemãs.

Autores como Clarice Lispector e Jorge Luis Borges reconheceram a influência de Kafka, de forma direta ou implícita. O Nobel da Literatura colombiano Gabriel García Márquez (1927-2014) revelou ter sido a leitura de A metamorfose que o inspirou a escrever textos literários.

Kafkiano, kafkaesque, kafkaesk, kafkovský, kafkavari: o termo existe em praticamente todos os idiomas, do português, espanhol, italiano, francês, inglês, alemão ao tcheco, turco, russo, japonês, coreano e outros.

Burocracia

Ainda assim defini-lo precisamente não é tão simples: ele indica algo inexplicavelmente ameaçador, absurdo, bizarro, muitas vezes burocraticamente labiríntico; uma paranoia possivelmente justificada.

Um dos temas centrais do funcionário-escritor Kafka é a burocracia, o confronto com as autoridades e, mais ainda, a sensação de impotência perante elas.

Os sentimentos que Kafka explora poeticamente – de estar perdido, ser só e indefeso num cosmos indiferente – valem tanto para os seres humanos de 100 anos atrás como para os de hoje, independente de contextos culturais ou estruturas políticas. Ele é ao mesmo tempo enigmático e imediatamente compreensível.

Um século após sua morte, Franz Kafka (1883-1924) continua sendo uma fonte inesgotável de fascínio, inspiração e também perplexidade para leitoras e leitores de todo o mundo. Seja pelo aspecto irreal e de pesadelo de seus cenários, pela sensação de ameaça que se percebe em muitas de suas obras, pela presença de formas de humor bastante peculiares em suas histórias ou em função de alguns aspectos de sua vida privada, Kafka, além de ser um “clássico” da literatura, parece ser um de nossos contemporâneos.

No centenário de sua morte, a imagem de Franz Kafka pulula nas redes sociais como meme, assim como uma de suas criações mais icônicas: o inseto em que Gregor Samsa, o protagonista de A metamorfose, acorda uma bela manhã transformado.

domingo, 2 de junho de 2024

Desgraçados entre milhões - 80 anos do livro "Cascalho", de Herberto Sales

O céu escuro, com a armação que houve de uma hora para outra, as águas caíram de uma vez nas cabeceiras distantes. E inundando talhados, catas e grunas, carregaram pela noite adentro os paióis de cascalho. No povoado da Passagem, à margem do Rio Paraguaçu agora de monte a monte, rajadas de vento cortavam de alto a baixo as ruas ermas, quando os garimpeiros, em lúgubre vozerio, irromperam pela praça alagada com enxurradas descendo para o areão. Vinham encharcados de chuva, transportando como destroços suas bateias, seus carumbés, suas enxadas, seus frincheiros, suas alavancas, seus ralos, suas brocas  —  suas ferramentas de trabalho, no ombro e na cabeça. Na frente deles caminhava o velho Justino, empunhando a candeia de azeite que o vento ameaçava apagar. Foi quando de novo desabou a chuva. - Herberto Sales

Livro de 1944, Cascalho de Herberto Sales, hoje presente no catálogo da Editora É Realizações (que possuí uma coleção só com o nome do autor) é um retrato fiel de seu tempo, transcendendo-o. O autor contava com 27 anos na época, apresenta vocábulos regionalistas com uma história de animalização do homem e embrutecimento das relações humanas por meio da violência e pobreza.

O cenário desse atrito é a Chapada Diamantina (sendo mais preciso, as cidades de Andaraí, Piranhas e as águas cruéis do rio Paraguaçu), a lapidação de diamantes e a geografia de suas lavras. Tocas e ranchos dos primórdios convivem com grandes casarões coloniais habitados por barões do diamante em sua fase de decadência. Livro tardio pertencente as grandes obras do que foi nomeado como "ciclo nordestino", seu enredo só não é mais curioso do que o ato de sua publicação.

Vamos a ela.

Herberto, morando em Andaraí, se correspondia com Marques Rebelo (autor de Marafa), mas nunca falou que estava escrevendo Cascalho. Ao concluir o romance fez duas cópias, enviou uma ao concurso literário onde Aurélio Buarque de Holanda era secretário e ficou com a outra. Obcecado em regionalismos afim de relacioná-los para um futuro dicionário, Aurélio surpreendeu-se com a qualidade do texto, além de encontrar nele o que tanto procurava. Sendo vizinho de Marques Rebelo, Aurélio comentou a obra que estava lendo e ficou admirado ao saber que o Rebelo conhecia o autor. Frustrado com o resultado do concurso literário, Herberto juntou gravetos, rasgou a cópia restante e a queimou.

Quando Herberto escreveu a Rebelo, dissecando suas decepções, comunicou que queimara a cópia única do livro. Qual foi sua surpresa ao saber que o volume original do concurso ainda existia com Aurélio, que sabendo que o calhamaço de mais de 600 páginas seria jogado fora, decidiu ficar com ele. Não foi difícil publicar o petardo no mercado editorial da época, que ganhou mais uma camada geográfica: o cenário nordestino retratado não era mais o litoral ou os engenhos, mas sim a mineração diamantina, inaugurando tal ciclo temático.

A lenda dos diamantes abundantes, encontrados até nas moelas das galinhas, contrasta com a realidade material de extrema pobreza, relações permeadas pela violência, onde todos se tornam algozes e vítimas. Em uma Sociedade Garimpeira construída pela tribalidade, qualquer um que não se adeque permanece no decadente e excluído (ou se excluindo voluntariamente para não se misturar a toda aquela corrupção). O promotor dr. Oscar do Soure, o telegrafista Nascimento e o retirante garimpeiro Silvério compõem um mosaico de personagens superiormente morais e que são esmagados pelo sistema existente, com uma sequência de humilhações. Assumindo o discurso de contestação, ambos estão presos a uma base limitada: o promotor a reclamar com seu superior na capital, o telegrafista se recusa a conviver e conversar com o povo da cidade, e o sertanejo que só pensa somente em voltar para a sua terra e na família que deixou para trás.

“Em meio da miséria em que vivia no sertão, Silvério fora seduzido por aquela maravilhosa visão de um Andaraí com garimpos enriquecendo os homens da noite para o dia, com serras escancarando veios e grunas como cofres — com a fortuna se oferecendo a todos num mundo de oportunidades espantosas”

O autor afirma categoricamente com esses personagens que ninguém de caráter fica em Andaraí. O promotor foge após ter uma de suas cartas apreendidas pelos coronéis locais, o telegrafista é movido de seu cargo por colaborar com a fuga do promotor e o sertanejo, depois de ponderar sobre seu tempo de trabalho, resolve voltar para sua família. A tragédia de Cascalho, é que não há espaço para a honestidade diante de um poder imoral, seja no campo das ideias, seja no campo das ações, seja no campo da materialidade. Ali impera a lei do mais forte.

O Brasil, para todos os efeitos, continuea a ser uma colônia, eta é que é a verdade.

A despeito de sua obra consagrada, traduzida para inúmeras línguas e tendo o seu romance de estreia adaptado para diversas mídias, Herberto isolou-se da vida literária. Retirou-se para São Pedro da Aldeia, no litoral fluminense, onde plantou mangueiras e flores muito sua terra natal (ele nunca mais voltou a Andaraí após a publicação do livro, uma ironia fina, dado os personagens mencionados e que seu nome batizou a biblioteca publica municipal), cumprindo a sina de seus personagens.

Cascalho nos mostra que, em um jogo de enganos, o que é verdadeiro não são as fortunas simuladas mas o interior das pessoas de caráter, que, ao contrário do mercado diamantífero e dos homens violentos, não se esvai diante das menores mudanças do mundo exterior.


PARA SABER MAIS DO LIVRO:

Revistando a obra de Herberto Sales por Carlos Heitor Cony

O romance Cascalho, de Herberto Sales: um retrato do garimpoda Chapada Diamantina por Everaldo Augusto da Silva

Cascalho de Herberto Sales por Narlan Matos

Os “sinais particulares” de Herberto Sales: CASCALHO, 70 anos

Textos escolhidos de Herberto Sales

segunda-feira, 27 de maio de 2024

O português de Portugal está ficando mais brasileiro? As expressões ouvidas com cada vez mais frequência no país - via BBC


"Grama", "geladeira", "dica". Essas e outras palavras e expressões 'brasileiras' têm se tornado cada vez mais comuns no vocabulário dos portugueses, segundo linguistas e estudiosos do tema.

Elas são usadas principalmente por crianças e adolescentes, que seguem com assiduidade influencers e youtubers do Brasil nas redes sociais.

Mas os portugueses mais velhos também são pegos cada vez mais cometendo 'brasileirismos', em uma tendência que começou na década de 1970 com a influência das novelas importadas do Brasil para Portugal e foi potencializada nos útlimos anos por conteúdos nas redes sociais.

A BBC Brasil consultou linguistas e especialistas no tema que, por meio da observação, ajudaram a elaborar uma pequena lista de expressões e construções brasileiras que aos poucos estão sendo introduzidas no léxico dos portugueses.

Fernando Venâncio, linguista português que estuda o tema há décadas, identificou algumas dessas palavras em seu livro O Português à Descoberta do Brasileiro.

Muitas delas, segundo ele, já são usadas em Portugal há algumas décadas. "Um brasileiro, por exemplo, anuncia a pergunta que vai fazer com 'será que'. Isto não existia no português de Portugal nesta modalidade", diz.

"Um brasileirismo que eu mesmo uso e acho que foi um ganho é 'dica'. Não conhecíamos essa palavra em Portugal usávamos 'sugestão' ou algo assim. Mas a palavra brasileira é mais prática e curta."

A professora Teresa de Gruyter dá aulas de inglês para adolescentes em uma escola de línguas em Cascais. Ela afirma aprender com certa frequência novas palavras brasileiras com seus alunos.

"Há pouco tempo alguém me disse que 'estava p*ta da vida'. Eu percebi que ela queria dizer que estava furiosa com a vida, mas para nós a palavra p*ta significa prostituta", conta.

"Algo parecido acontece com a expressão 'isso é foda'. Nós diríamos 'isso aqui é giro', pois em Portugal foda é o ato sexual e nada mais."

O linguista e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Xoán Lagares, nota ainda a influência da variante brasileira na omissão do artigo em determinados contextos e em certas questões de colocação pronominal.

O especialista explica que na variante europeia a omissão do artigo com possessivo só é possível em poucos contextos, segundo a tradição normativa local. O comum, portanto, seria dizer coisas como "a minha casa", "vou-te dar o meu endereço" ou "a minha vida".

Já no português brasileiro, o uso é mais variável, e expressões "minha casa", "vou te dar meu endereço" e "minha vida" são aceitas.

Mas recentemente, o formato usado no Brasil tem sido observado também em Portugal.

O linguista e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Xoán Lagares, nota ainda a influência da variante brasileira na omissão do artigo em determinados contextos e em certas questões de colocação pronominal.

O especialista explica que na variante europeia a omissão do artigo com possessivo só é possível em poucos contextos, segundo a tradição normativa local. O comum, portanto, seria dizer coisas como "a minha casa", "vou-te dar o meu endereço" ou "a minha vida".

Já no português brasileiro, o uso é mais variável, e expressões "minha casa", "vou te dar meu endereço" e "minha vida" são aceitas.

Mas recentemente, o formato usado no Brasil tem sido observado também em Portugal.

Segundo os especialistas consultados pela BBC Brasil, dois aspectos muito apontados como 'brasileirismos' na variante portuguesa, na verdade, já existiam na língua de Camões.

Um deles é o uso o constante do gerúndio.

"O gerúndio é uma forma mais antiga. Até o século 19 ninguém dizia 'estou a passear', como dizemos hoje, diziam 'estou passeando'", afirma a professora catedrática de Linguística da Universidade de Coimbra, Graça Rio-Torto.

"Por uma razão que eu não sei explicar, no século 19 isso mudou, mas a sul do Rio Tejo, portanto a sul de Lisboa, sobretudo no Alentejo, no Algarve, nas Ilhas da Madeira e nos Açores, o gerúndio é construção dominante."

E ao contrário do que muita gente acredita no Brasil, o uso da palavra 'você' também já era muito comum em Portugal.

Segundo Rio-Torto, a palavra, especialmente no singular, ocupa dois extremos. Ao mesmo tempo em que é muito usada por portugueses menos escolarizados e de zonas mais rurais do país, também está presente entre a classe alta.

Alguns linguistas também classificam a expressão como "um meio-termo" entre 'o senhor' ou 'a senhora' e o 'tu', em termos de formalidade.

Mas para algumas pessoas, seu uso por portugueses ainda pode ser considerado rude ou uma forma de inferiorizar alguém. "Pode ser uma marca um bocadinho desrespeitosa por parte de um falante culto. Eu, por exemplo, nunca me dirigiria a um aluno com 'você'", diz a professora da Universidade de Coimbra.

Para Fernando Venâncio, o uso da palavra não se trata de uma influência brasileira. "No máximo a habituação pode ser ter sido tal que para nós tratar outra pessoa por você se torna mais normal, mais aceitável, menos problemático", diz.

O fenômeno dos jovens portugueses que só leem livros em inglês - via O Antagonista

O fenômeno dos jovens portugueses que só leem livros em inglês

Além da diminuição das vendas das edições em português, este fenômeno pode pôr em causa a viabilidade de muitos projetos editoriais e levar a uma desvalorização da língua portuguesa.




O jornal português Público publicou uma curiosa matéria acerca dos jovens portugueses que só leem livros em inglês.

Segundo o jornal, esse fenômeno está crescendo em Portugal e ele tem diferentes causas: primeiro, a maioria dos jovens portugueses domina totalmente a língua inglesa (por vezes quase ao nível de um nativo); impacientes como costumam ser todos os jovens, não querem esperar pelas edições portuguesas, pois sequer sabem se determinada obra do seu agrado será ou não alguma vez traduzida; por fim, simplesmente preferem ler no original. Mas há um último fator decisivo: o preço.

A Associação Portuguesa de Editores e Livreiros estima que o livro em inglês valha entre 5% e 8% do valor total do mercado português. Em linha com a Europa, esta tendência verifica-se sobretudo na categoria de ficção. Além da diminuição das vendas das edições em português, este fenômeno pode pôr em causa “a viabilidade de muitos projetos editoriais” e levar a uma “desvalorização da língua portuguesa”.

A preocupação com o crescimento desta tendência, principalmente entre os mais jovens, é transversal a todas as editoras. O aparecimento dos e-readers, como o Kobo ou o Kindle (que permitem adquirir e começar a ler determinado livro em menos de cinco minutos) e o acesso facilitado a plataformas que potencializam a compra imediata após a descoberta do livro nas redes sociais só vieram agravar o problema.

Se é verdade que a geração mais jovem, muito dinamizada pelo Instagram e pelo TikTok, tem feito aumentar as vendas de livros, é também verdade que muitos destes leitores leem em inglês, já que acompanham nas páginas internacionais os fenômenos literários, e não esperam pela tradução. Em séries com mais do que um título, mesmo que leiam o primeiro volume em português, acabam por ler os restantes em inglês.

“Uma edição nacional implica custos de aquisição de direitos, capa, tradução, revisão, marketing, o que resulta num preço de venda ao público mais elevado, já que as tiragens médias são muito pequenas. As tiragens em inglês são gigantes, muitas vezes impressas na China, e são uma concorrência absolutamente desleal. Não há outra forma de ver a coisa: cada livro vendido em inglês é menos um livro vendido em português”, desabafa diz Luís Corte Real, da editora Saída de Emergência.

Há jovens que só leem livros em inglês — e isso preocupa as editoras
Se este fenômeno for uma “tendência geracional”, com “potencial para se acentuar nas gerações seguintes”, Teresa Matos, diretora editorial da Clube do Autor, refere que poderemos mesmo estar perante “um declínio imparável da importância da língua portuguesa na literatura.”Ana Gaspar Pinto, da editora Infinito Particular, refere mesmo que, em inúmeras ocasiões, a editora é abordada por jovens para perguntar se determinado livro existe em inglês “enquanto apontam para a edição portuguesa”.

quinta-feira, 9 de maio de 2024

A FORMAÇÃO DO IMAGINÁRIO



Dura realidade para os políticos fanfarrões:

Enquanto eles se deixam conduzir pelas ambições mais frívolas disponíveis, por urgências mais pobres e transitórias que seus partidos ou propostas…

Tanto a realidade quanto quaisquer de seus retratos e expressões honestas por meio de beleza e forma (o que costumamos chamar de arte) são incomparavelmente mais duráveis.

Vislumbrar ambos os exemplos no mesmo plano parece até covardia. Mas é daquele tipo inevitável, satisfatório e essencial:

Humilhar os habitantes do subsolo e expor suas miudezas é trabalho prestado à grandeza, é compensar tanta honra indevidamente negada às coisas altas, que gozam de merecimento.

A memória de prefeitos, deputados e presidentes já terá se desmanchado nas dobraduras do tempo, sobressaltadas diante das firmes feições de Machado de Assis, de Villa Lobos, ou mesmo de Cartola.

É por isso que eu insisto: não se apeguem à política do dia, dando-lhe mais tempo do que à cultura perene.

Algumas coisas só deixarão em vocês confusão, instabilidade e contrariedades. E não te formarão como pessoa.

Outras, no entanto, darão clareza, sustento e remédio aos intempéries. E te ajudarão a conhecer o verdadeiro sucesso que pode o ser humano alcançar.

Escolha!

sábado, 20 de abril de 2024

140 anos de Augusto dos Anjos: memorial preserva obra e legado do poeta paraibano - via Bruna Couto, g1 PB


Augusto dos Anjos, poeta paraibano e um dos grandes nomes da literatura brasileira, nascia há exatos 140 anos, em 20 de abril de 1884. A obra e o legado dele seguem sendo preservados em um memorial instalado num casarão, localizado em Sapé, Zona da Mata paraibana.

O Memorial Augusto dos Anjos foi inaugurado em maio de 2006 e fica a cerca de 50 km da capital paraibana João Pessoa. Quem visita o lugar encontra todos os bens culturais de Augusto dos Anjos. Livros, fotos e documentos dele introduzem o universo literário retratado pelo autor.

O que o visitante conhece também são alguns lugares que estão presentes na escrita de Augusto. Um desses símbolos é o pé de Tamarindo, que assim como o casarão, foi preservado ao longo dos anos.

Segundo a organização do local, a propriedade é o único bem material da família de Augusto dos Anjos na região, onde ele nasceu e viveu.

Todo o acervo existente no lugar foi formado a partir de pesquisas feitas após a doação do material exposto, que até então pertencia ao neto do poeta, Ricardo dos Anjos.

O espaço é dividido em três partes: um salão com auditório, onde fica o acervo do poeta e onde os visitantes se agrupam; uma biblioteca, com os livros disponíveis; e uma copa.

Paraibano do Século: Augusto dos Anjos completaria neste sábado (20), 140 anos.

De acordo com o diretor do memorial, José Aderaldo, somando os últimos três anos, mais de 10 mil pessoas passaram pelo Memorial Augusto dos Anjos. Somente em 2023, cerca de quatro mil pessoas visitaram o espaço.

Entre os visitantes estão crianças de escolas, cujos professores agendam previamente turnos inteiros para que os estudantes conheçam a vida e a obra do escritor.

Para José Aderaldo, não haveria um lugar mais adequado para preservar a memória de Augusto dos Anjos do que o casarão de sua família, lugar onde ele viveu e que foi retratado em tantos momentos de sua obra.

"Sem sombra de dúvidas não haveria um local mais adequado para ser transformado em um memorial do poeta Augusto dos Anjos do que a casa onde viveu a sua ama de leite. Além disso a casa é o único imóvel, o único bem material que existe na região da família dele", explica Aderaldo.

Ainda de acordo com o responsável pelo memorial, ao transformar o casarão em memorial, a Paraíba e o Brasil ganham um equipamento cultural rico para a preservação da literatura brasileira como um todo.

O Memorial Augusto dos Anjos é aberto a visitação gratuita, de segunda a sexta-feira, das 8h às 12h. O lugar também possui venda de peças em artesanato como fonte de renda para sua manutenção.

terça-feira, 9 de abril de 2024

A resposta histórica de 1924 do clube Real Vasco da Gama - via Vasco da Gama


Depois de atropelar os adversários no ano anterior, em 1924 o Vasco já era o inimigo número 1 das demais torcidas cariocas. Um rival a ser batido, de qualquer maneira. E já que era difícil batê-lo em campo, os dirigentes dos clubes rivais resolveram investigar as atividades profissionais e sociais dos camisas negras, uma vez que o futebol ainda era amador e os jogadores não podiam receber salário por praticarem o esporte. Um verdadeiro golpe para tirar o Vasco das disputas.

Na verdade, o que não agradava os adversários era a origem daqueles jogadores: um time formado por negros, mulatos e operários, arrebanhados nas áreas pobres da cidade do Rio de Janeiro.

Depois de esgotadas todas as possibilidades de retirar o Vasco da disputa, por intermédio do regulamento da Liga Metropolitana, os adversários apelaram para a criação de uma nova entidade, a Associação Metropolitana de Esportes Athléticos (AMEA) e recusaram a inscrição dos vascaínos. Segundo os dirigentes adversários, o time cruzmaltino era formado por atletas de profissão duvidosa e o clube não contava com um estádio em boas condições.

Nesse contexto, a AMEA solicitou ao Vasco que excluísse doze de seus jogadores da competição que, não por coincidência, eram todos negros e operários. O Club de Regatas Vasco da Gama recusou a proposta prontamente. E através de uma carta histórica de José Augusto Prestes, então presidente cruzmaltino, o Gigante da Colina mostrou sua total indignação à discriminação racial: “Estamos certos de que Vossa Excelência será o primeiro a reconhecer que seria um ato pouco digno de nossa parte sacrificar, ao desejo de filiar-se à Amea, alguns dos que lutaram para que tivéssemos, entre outras vitórias, a do Campeonato de Futebol da Cidade do Rio de Janeiro de 1923 (…) Nestes termos, sentimos ter de comunicar a Vossa Excelência que desistimos de fazer parte da AMEA”. Vítima do racismo de seus adversários, restou ao Vasco disputar, com outros times de menor expressão, o campeonato da abandonada Liga Metropolitana de Desportos Terrestres.

Nesse dia histórico, o futebol brasileiro começou a ser do povo. Começou a forjar a tolerância, traço fundamental da cultura brasileira, que possibilitou a diversidade e a riqueza racial e cultural que vivenciamos hoje. No ano de 1923 começou a ser possível conhecermos Pelé, Garrincha, Didi, Barbosa, Romário e tantos e tantos outros talentos inigualáveis do nosso esporte. E o Vasco deu o seu mais importante passo para ser o gigante no qual ele se tornou.

O ingresso do Vasco na AMEA foi aprovado em tempo para o campeonato de 1925, com os mesmos direitos que os clubes fundadores. Os “camisas negras” obtiveram a terceira colocação na volta ao convívio com os principais clubes do Rio de Janeiro, em 1925, e conquistaram o vice-campeonato no ano seguinte.

Confira na íntegra a Resposta Histórica:


Rio de Janeiro, 7 de Abril de 1924.

Officio No 261

Exmo. Snr. Dr. Arnaldo Guinle, M. D. Presidente da Associação Metropolitana de Esportes Athleticos.

As resoluções divulgadas hoje pela Imprensa, tomadas em reunião de hontem pelos altos poderes da Associação a que V. Exa. tão dignamente preside, collocam o Club de Regatas Vasco da Gama numa tal situação de inferioridade, que absolutamente não pode ser justificada, nem pelas defficiencias do nosso campo, nem pela simplicidade da nossa séde, nem pela condição modesta de grande numero dos nossos associados.

Os previlegios concedidos aos cinco clubs fundadores da A.M.E.A., e a forma porque será exercido o direito de discussão a voto, e feitas as futuras classificações, obrigam-nos a lavrar o nosso protesto contra as citadas resoluções.

Quanto á condição de eliminarmos doze dos nossos jogadores das nossas equipes, resolveu por unanimidade a Directoria do C.R. Vasco da Gama não a dever acceitar, por não se conformar com o processo porque foi feita a investigação das posições sociaes desses nossos consocios, investigação levada a um tribunal onde não tiveram nem representação nem defesa.

Estamos certos que V. Exa. será o primeiro a reconhecer que seria um acto pouco digno da nossa parte, sacrificar ao desejo de fazer parte da A.M.E.A., alguns dos que luctaram para que tivessemos entre outras victorias, a do Campeonato de Foot-Ball da Cidade do Rio de Janeiro de 1923.

São esses doze jogadores, jovens, quasi todos brasileiros, no começo de sua carreira, e o acto publico que os pode macular, nunca será praticado com a solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu, nem sob o pavilhão que elles com tanta galhardia cobriram de glorias.

Nestes termos, sentimos ter que comunicar a V. Exa. que desistimos de fazer parte da A.M.E.A.

Queira V. Exa. acceitar os protestos da maior consideração estima de quem tem a honra de subscrever

De V. Exa. Atto Vnr., Obrigado.

José Augusto Prestes

Presidente”


domingo, 31 de março de 2024

Trecho do Sermão do Quarto Domingo do Advento (Sermam da Quarta Dominga do Advento) - Pe. Antônio Vieira


Muito melhor me conheço diante da imagem de um pecado que diante da imagem de um Cristo crucificado. Quando estou diante da imagem de Cristo crucificado, parece que tenho razões de me ensoberbecer, porque vejo o preço, porque Deus me comprou; mas quando me ponho diante da imagem de um pecado, não tenho senão razões de me humilhar, porque vejo o preço, porque eu me vendi. Quando vejo, que Deus me compra com todo o Teu sangue, não posso deixar de cuidar, que sou muito; mas quando vejo, que eu me vendo pelos nadas do mudo, não posso deixar de crer que sou nada. Eis aqui a que se reduz, & como se desengana o juizo de si mesmo, quando se vê como em espelho na imagem de seus pecados: & assim o muda, assim o emeda o juizo da penitencia.

sábado, 23 de março de 2024

Sabia que Dostoiévski admirava Edgar Allan Poe? - Clube de Literatura Clássica


Em 1861, ainda extasiado após a leitura de dois contos de Edgar Allan Poe, Dostoiévski escreveu um texto, publicado no periódico Vremia.

No texto, o russo se refere a Poe como “um escritor particularmente estranho, embora de grande talento”, e ainda enfatiza o quanto ficou impressionado com a forma como o autor utilizava elementos sobrenaturais, sempre manifestados sobre uma base realista.

Segundo o escritor de “Crime e Castigo”, Poe tomava a realidade mais extraordinária, punha seu herói na situação mais anormal e, com perspicácia e precisão, relatava o estado de alma dessa pessoa.

Dostoiévski ainda destaca a riqueza de detalhes presente na imaginação de Poe e a habilidade do contista na construção de suas histórias, que sempre refletiam a realidade e a humanidade.

Agora conta pra gente: se o próprio Dostoiévski era fã, quem somos nós para não nos encantarmos com os contos de Poe?

quarta-feira, 20 de março de 2024

Livros da série Cyberpunk 2020 parte 6: Aventuras e Campanhas - via Saia da Masmorra

O numero de livros com aventuras prontas para Cyberpunk 2020 é grande, pelo menos para um sistema que teve uma vida útil de fama e fortuna relativamente curta.

Muitas destas aventuras podem ser adaptadas de um modo ou de outro para cenários de espionagem, Gurps (sobretudo Cyberpunk) ou mesmo Shadowrun. Se forem escolher uma, escolham conhecer "Cabin Fever".

Vou tentar resumir os livros sem ser cansativo, aqui:

As aventuras de terror (sobretudo da Ianus) vou comentar em outra postagem mais para a frente.

All Fall Down: Após um incidente na lua, uma substância capaz de dominar a mente das pessoas é descoberta. A droga é usada como testeentre membros de gangue, e cabe aos jogadores desvendar o mistério envolvido. Tem dois bons NPCs ao final da aventura. Sugiro que seja mesclada com "The Osiris Chip".

The Osiris Chip: Tem uma premissa básica similar a de "All Fall Down", envolvendo controle da mente (desta vez com implantes" e briga de gangues. Um pouco melhor trabalhada que "All Fall Down", e com potenciais para reviravoltas mais interessantes.


Chasing The Dragon: Os personagens tem de enfrentar uma série de lutas entre gangues enquanto procura desvendar o mistério envolvendo "The Dragon", uma figura enigmática nas ruas da cidade. Disputa por território de venda de drogas, corporações e luta territorial.

Greenwar: Uma minicampanha interessante: Permite que os jogadores se envolvam em uma verdadeira guerra corporativa dentro da Browning Group (uma empresa de investimentos) atacando rivais em operações secretas, chantagem, roubo e assassinato. É legal porque permite aos jogadores a experiência de estarem um pouco do lado "de quem manda".

Chrome Berets: Pode ser jogada como minicampanha ou como aventura solo. Pessoalmente acho interessante porque coloca os jogadores como verdadeiros mercenários envolvidos em uma guerra civil em uma ilhota perdida no meio do oceano. O suplemento apresenta regras para gerenciamento de pequenos exércitos, e pode ser uma forma diferente de se experimentar um RPG (se bem que Wargames existem para isso). Seja como for dá uma possibilidade extra, como a de dar maiores subsídios para adaptar clássicos como "Cães de Aluguel", ou mesmo a bomba despretenciosa "Mercenários". Vale como leitura, mas seu uso em mesa não é para muitos.

Cabin Fever: Um de meus favoritos. Coloca os jogadores presos em um bar enquanto uma nuvem tóxica cobre o bairro. O jogo (one shot) favorece a tensão entre os jogadores e demais "reféns" dentro do local a espera de salvamento ou de uma chance de escaparem dali ao longo de uma magrugada.

Eurotour: Campanha para apresentar os jogadores a um cenário europeu, ao mesmo tempo que favorece o uso de personagens menos porradeiros no processo. Cada uma das aventuras são um ponto de chegada e os dias em torno do show naquele país. Máfias, fãs, terroristas e afins são o mote de cada sessão.

Firestorm I e II (Shockwave e Stormfront): São os dois suplementos mais importantes para o background oficial de Cyber 2020. Eles eram inicialmente três (o terceiro foi "absorvido pelo Cyberpunk V3, com resultados duvidosos). No primeiro volume os personagens agem defendendo uma companhia de pesquisa marítima contra tentativas de sabotagem e em uma guerra corporativa em pequena escala. O segundo volume torna a guerra uma briga de peixe grande: De um lado a malífica "Arasaka", do outro a só um pouco menos pior "Militech". O legal destes suplementos é fornecer, além de quilos de plots possíveis, uma renca de armas e veiculos extras, o que sempre é bom na hora de metralhar personagens, atropelá-los ou afogá-los. O terceiro volume trataria da vida pós guerra, mas acabou sendo um projeto meia boca, apedsar de algumas idéias decentes no meio disso tudo.

Night City Stories: um dos poucos que não li de verdade. Traz algumas aventuras e idéias, e sugiro se tudo o mais falhar.

Streetfighting: Traz sete historietas. Mesmo caso do suplemento acima, exceto que não li nem por cima este.

Arasaka Brainworm: Uma aventura longa, que pode ser jogada em duas sessões sem problemas. A aventura envolve espionagem industrial.; O problema: O alvo é uma base da Arasaka, a pior das corporações de Cyber 2020. Alguns talvez conheçam a Arasaka por caus ado joguinho "The Arasaka´s Plot" (vide imagem animada abaixo):


The Northwest Passage: O legal aqui é que esta aventura dá base para aventuras na neve ou em locais muito frios. Além de ser uma campanha difícil, dá algumas regras para sobrevivencia em condições extremas, e um mapa muito utilizável de cidades no Alaska (mas que podem ser utilizadas até em aventuras na antartica sem grandes dificuldades).

Tales from the Forlorn Hope: trata-se de mais um suplemento com idpeias para aventuras, desta vez localizando os personagens em um (o tal Forlon Hope). O legal aqui são temáticas esquisitas, envolvendo até lobisomens (ou pessoas com implantes peludos), um pouco de exagero e alguma diversão. O jogo ainda traz alguns mapas em hexagonos que podem ser utilizados por amantes de Gurps e afins.

The Bonin Horse: Ao lado da aventura de terror "Sub-Atica" e dos livros da série "Firestorm", fornece bom material para aventuras passadas em oceanos. Aqui um submarino com uma carga sigilosa afunda e a aventura (bastante mortal) gira em torno do jopgo de gato e rato entre corporações para alcançar a carga, ou pelo menos sair dali com vida.

When The Chips Are Down: Aventura especialmente difícil de se conseguir, pois vinha dentro do Kit do escudo do mestre. Uma boa aventura para introduzir novos jogadores ao sistema, coloca os personagens na pele de um grupo pé-de-chinelo que topa com uma gigantesca oportunidade, ao envolvê-los em uma disputa por um projeto de nave espacial entre grandes corporações. Parcialmente passado na Austrália (e com um desenrolar que pode levar os personagens em órbita), traz alguns dos meus personagens iniciais preferidos.

Land of The Free: É a contraparte do livro-cenário "Home Of The Brave" (que descreve os EUA em 2020). É uma campanha de algumas aventuras que traz elementos interessantes como dirigíveis, biotecnologia, quadrilhas aéreas, corridas contra o tempo, uma igreja de Elvis (sim, tem até isso) e caçadores de recompensa impiedosos. Outra coisa legal é que a capa deste livro se "encaixa" na capa de "Home of the Brave (vide abaixo as duas juntas). "Home of the Brave, Land of The Free" é uma expressão comum para citar os EUA entre os americanos.

domingo, 18 de fevereiro de 2024

Aquiles e Príamo: duas gerações, dois lados de uma guerra, uma só fé - Diego Galvão


Quando o chefe dos Mermídones, Aquiles, venceu e matou Heitor fora das muralhas de Troia, nada o dissuadia de ultrajar o corpo do vencido todos os dias. A morte de Pátroclo, seu fiel amigo, pelas mãos do príncipe troiano, inflamava a raiva do herói! Mas, dentro das muralhas da cidade, uma dor excruciante tomava conta do pai do falecido marido de Andrômaca: Príamo não comia, não falava e sequer tomava banho, sujo inclusive de esterco. Cada qual com seus lamentos, uma única força foi capaz de mover estas duas personagens - uma em direção à outra - e levá-los a um mútuo entendimento: a fé!

Foi Zeus quem mandou Íris a Príamo com a ordem de este ir a Aquiles levando um pagamento pelo resgate do corpo de Heitor. Ao mesmo tempo, Zeus mandou Tétis ao seu filho com a ordem de aceitar a oferta de resgate que lhe seria oferecida. Só um poder divino poderia influir na concórdia de dois corações chagados por questões opostas atribuídas ao mesmo defunto: o do executante e o do pai do executado; o do que odiava o morto e do que o amava; o do que não cessava de ultrajar os restos do príncipe troiano e o do que lhe queria prestar as honras dos ritos fúnebres.

Já na tenda de Aquiles, o rei troiano, de joelhos, apela para que o inimigo se lembre de seu próprio pai, Peleu, distante, na esperança de vê-lo retornar da guerra que já durava nove anos. A saudade do pai leva o herói às lágrimas. Seus pensamentos ora se dirigem a Peleu, ora a Pátroclo. Urra em lamento, de um lado, Aquiles de rápidos pés; urra em lamento, de outro, Príamo rei. Um acontecimento que, no fundo, só pode ser explicado pela profunda reverência que os gregos devem aos pais em virtude da religião: é esta quem lhes diz desde cedo para honrá-los e lhes explica o porquê.

Estamos diante de uma cena única, e o leitor atento percebe que ela é profundamente pagã, mas também profundamente judaica, profundamente cristã... É a fé a pedra de toque que fornece o fundamento da moral aos homens: se não há Deus, não há o Bem; se não há o Bem, não há o dever da honra, que, em sendo assim, não se distingue da desonra.

Os gregos tinham essa noção: a de que toda honra, todo amor, todo Bem está fundamentado na Transcendência; do contrário, é meramente humano, é meramente pó, é meramente nada...

A concórdia daqueles dois corações só podia ser dada pela Tendência, representada no poema pela vontade de Zeus. É assim que Príamo leva o filho e Aquiles aceita a oferta pelo resgate. A Ilíada não termina com o Cavalo e a queda de Tróia. Encerra com o funeral de Heitor, o domador de cavalos, no Canto XXIV, que constitui um dos capítulos mais emocionantes da literatura universal. Ela termina em um rito religioso, numa pausa de onze dias durante a guerra, numa clara mensagem de Homero que já dura quase três milênios: só as realidades que existem acima dos homens são capazes de estabelecer a paz entre eles.


quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

Guimarães Rosa e Graciliano Ramos: um desencontro - Via Clube de Literatura Clássica


No ano de 1938, aconteceu o concurso da Livraria e Editora José Olympio, que dedicava ao melhor escritor o Prêmio Humberto de Campos. Naquele ano, os autores que se destacaram foram Guimarães Rosa, com um livro de contos que, posteriormente, se tornaria “Sagarana”, e Luís Jardim, com “Maria Perigosa”.

Para a definição do vencedor, os jurados ficaram horas debatendo e analisando os livros concorrentes. Graciliano, que se posicionou contra a obra de Rosa, argumentou que o concurso era de literatura de ficção e não deveria ter envolvimento com o Instituto Butantã — fazendo alusão às temáticas dos contos e à construção das narrativas “regionalistas” de Guimarães Rosa.

Diversos jurados contrariaram Graciliano e espumaram de raiva, mas não teve jeito. “Maria Perigosa” foi a grande vencedora e os contos de Guimarães Rosa tiveram de se contentar com a medalha de prata (tudo por causa do alagoano).

Graciliano contou a história completa da premiação em seu livro de crônicas “Linhas Tortas”, lançado logo depois da publicação final de “Sagarana”, que desta vez recebeu diversos elogios. Lá ele comenta que a obra de Rosa ainda não estava madura, continha um excesso de contos com alguns pontos muito altos e outros muito baixos e não merecia, de fato, o primeiro lugar.

O autor finalizou seu texto com uma afirmação que se revelou profética: “Certamente ele fará um romance, romance que não lerei, pois, se for começado agora, estará pronto em 1956, quando os meus ossos começarem a esfarelar-se”.

Falecido em 1953, Graciliano não pode conhecer Guimarães Rosa na plenitude do ”Corpo de baile" e do ”Grande sertão: veredas”, publicados em 1956 — mas certamente não o colocaria em segundo lugar mais uma vez! 

quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

Herdeiros de Graciliano Ramos acatam lei e obras do alagoano entram em domínio público - via Cada Minuto



Ícone literário de Alagoas, o escritor Graciliano Ramos tem sua obra prestes a entrar em domínio público em 2024. Os herdeiros do alagoano, esforçaram-se para evitar que suas criações perdessem o controle autoral a partir de 2024. Em 2018, renovaram o contrato com a Record até 2029, buscando manter o domínio da publicação.

Entretanto, após diversos trâmites legais, consultas jurídicas e negociações, a aceitação tornou-se inevitável. A partir de 1º de janeiro, qualquer editora terá a liberdade de publicar e explorar comercialmente as obras de Graciliano Ramos como "Vidas Secas", "Angústia" e "São Bernardo", sem a necessidade de autorização ou pagamento aos herdeiros.  

Esta mudança levanta preocupações entre os familiares do autor, como expressado por Ricardo Ramos Filho, neto de Graciliano e filho de Ricardo Ramos (1929-1992). Ele salienta que não se opõe ao acesso gratuito à obra de um autor após 70 anos de sua morte, como prevê a lei de direitos autorais, mas questiona a exploração comercial dessa liberdade, destacando que Graciliano Ramos nunca foi ausente das prateleiras, especialmente através da editora Record, responsável pela publicação de sua obra desde 1975.

“Aceitar eu não aceito, mas é a lei e tem que cumprir. Uma lei absurda”, disse ele ao Estadão.

A obra icônica "Vidas Secas", com quase dois milhões de exemplares vendidos, estará entre os lançamentos iniciais que chegarão às livrarias no início do ano. Esta transição para o domínio público promete ser um desafio para as editoras, exigindo esforços para diferenciar e enriquecer suas edições diante da concorrência. 

domingo, 24 de dezembro de 2023

O maior escritor do Brasil... - via A Formação do Imaginário

 


O maior escritor do Brasil era preto, doente e pobre.

Machado de Assis é um milagre para o nosso país.

Ele jamais conseguiria pagar por seus estudos. Mas um padre amigo da família o alfabetizou.

Perdeu a mãe e a irmã muito cedo. Perdeu o pai pouco depois. Ficou só com a madrasta.

Tinha de trabalhar.

Começou a vender doces na porta de um colégio para garotas. As freiras, olhando aquele menino que tentava espionar pela janela, não o repreenderam, mas deixaram que esse aluno inesperado pegasse o que podia daquelas aulas.

Pouco depois, conhece um dono de padaria que tinha muito afeto pelo garoto. O dono da padoca era francês. E o que ele faz? Ensina francês ao garoto pobre, que depois viria a traduzir Os Trabalhadores do Mar, do escritor francês Victor Hugo.

Machado lia na barca de volta para casa os livros que conseguia pegar emprestado. Na adolescência, costuma ficar na vitrine de uma livraria admirando os livros e os intelectuais cariocas que ali se reuniam.

O dono da livraria? Francisco de Paula Brito. Ele o convida a entrar na livraria. Oferece-lhe um trabalho na tipografia.

Acredito que Machado de Assis, um cético, foi formado pela Providência Divina e pela generosidade de um povo.

O bem feito por esses desconhecidos não ajudou apenas o jovem Machado. Ajuda eu e você, hoje, mais de 100 anos depois.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

A Lenda da Carimbamba - via Vento Nordeste



Amanhã eu vou, amanhã eu vou, amanhã eu vou, amanhã eu vou...

Quando criança cantei muito essa música, composta por Beduíno e Luiz Gonzaga e imortalizada na voz do Rei do Baião. Mas confesso que só há bem pouco tempo, quando pesquisava sobre os mitos e lendas do folclore nordestino,  é que me dei conta de que a letra falava de uma lenda cearense. Eis a letra:

Era uma certa vez
Um lago mal assombrado
À noite sempre se ouvia carimbamba
Cantando assim

Amanhã eu vou, amanhã eu vou
Amanhã eu vou, amanhã eu vou
Amanhã eu vou, amanhã eu vou
Amanhã eu vou, amanhã eu vou

A carimbamba, ave da noite
Cantava triste lá na taboa
Amanhã eu vou, amanhã eu vou

E Rosabela, linda donzela
Ouviu seu canto e foi pra lagoa
E Rosabela, linda donzela
Ouviu seu canto e foi pra lagoa

A taboa laçou a donzela
Caboclo d'água ela levou
A carimbamba vive cantando
Mas Rosabela nunca mais voltou

Amanhã eu vou, amanhã eu vou
Amanhã eu vou, amanhã eu vou
Amanhã eu vou, amanhã eu vou
Amanhã eu vou, amanhã eu vou

Segundo a Professora Lourdes Macena, da CEFET/CE, a lenda pertence ao povo da lagoa de Opaia  localizada  no bairro Aeroporto na cidade de Fortaleza. Durante muito tempo essa lagoa era utilizada para lavagem de roupas e banhos de animais. Com uma área de 159.379 m² e uma profundidade média de1,7m, a lagoa de Opaia é hoje utilizada para lazer e pesca, muito embora se encontre bastante poluída. Hoje em dia se a Rosabela, fosse entrar na lagoa, com certeza não sumiria laçada nas taboas, mas se afogaria em meios aos detritos!

A taboa laçou a donzela: A "taboa" (Typha domengensis) de que fala a música é uma planta  típica dos brejos, manguezais, várzeas e outros espelhos d'água. A sua fibra durável e resistente, é utilizada como matéria prima para papel, pastas, cestas, bolsas e outros itens de artesanato. É uma depuradora de águas poluídas, absorvendo metais pesados.

A carimbamba, ave da noite: De acordo com a crença popular a "Carimbamba" é uma ave de rapina, provavelmente uma coruja, que hipnotiza as pessoas com seu canto noturno. Segundo comentário aqui no Vento Nordeste, de uma pessoa que não se identificou em 20/06/2013, a Carimbamba é uma ave de hábitos noturnos encontrada em quase todo o país, principalmente na região nordeste conhecida como "Bacurau" (Nyctidromus albicollis). Essa ave tem no canto, uma onomatopeia que diz assim: amanhã eu vou, amanhã eu vou...

carimbamba e a músicaPopularizada na voz de Luiz Gonzaga, depois da gravação em 1951 e regravada mais recentemente por Elba Ramalho e Zé Ramalho, a Lenda da Carimbamba foi transformada em livro Infantil com o texto de Elvira Drummond e ilustração de Nice Firmeza.

A carimbamba e a lenda (extraído do livro de Elvira Drummond):
    Conta na lenda da carimbamba, que toda lua cheia à meia noite um pássaro ia até a lagoa cantar:
    "- Amanhã eu vou, amanhã eu vou, amanhã eu vou..."
    Perto dessa lagoa morava uma menina muito bonita chamada Rosabela; acontece que Rosabela acordava toda noite para ouvir o canto triste da carimbamba.
    A sua família já estava preocupada com a filha e mandou passar uns dias na casa de sua tia, perto do mar. Quando voltou para casa, Rosabela conseguia dormir a noite inteira. Mas um dia teve um sonho muito agitado e saiu de casa como uma sonambula em direção a lagoa.
    E foi caminhando até sumir dentro da lagoa, até hoje ninguém ouviu falar de Rosabela. Mas dizem que nas noites de lua cheia, ouvem-se sua voz cantando:
    "- Amanhã eu vou, amanhã eu vou, amanhã eu vou..."

FONTES:

Elvira Drummont- A lenda da Carimbamba - Editora Demócrito Rocha - Fortaleza -2006
Pesquisa Google: Site Wikipédia
Pesquisas Google: Site: Meu Espaço de Rodrigo Silva
FOTOS:
Imagens Google
Edição de fotos: Site Pic-Monkey
VÍDEO:
Música: Amanhã eu vou - Gravação de Luiz Gonzaga - Monumento Nordestino -Volume 3 - Enviada ao You Tube por "Forrobodologia2 - em 01/06/2012.

Postado originalmente por Vento Nordeste

quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Gerador de Aventura: Contratos para jogos cyberpunk - Via Guilda dos Mestres


Acha que a vida no futuro é fácil? Errou!

Jogadores em ambientações cyberpunk devem estar sempre a procura de novos contratos para manter o estilo de vida em dia.

Se você é um mestre e precisa de uma luz para as próximas desventuras na sua ambientação futurística favorita, é só rolar alguns dados nas tabelas abaixo e um novo horizonte de probabilidades surgirá.

Role 5d10 para determinar:

1 – Empregador

  1. I.A.
  2. Banda de Rock
  3. Hacker
  4. Membro do governo
  5. Grupo Paramilitar
  6. Jornalista
  7. Gangue
  8. Detetive
  9. Mega Corporação
  10. Presidiário

2 – Tipo de Contrato

  1. Proteger
  2. Adquirir informação
  3. Extermínio
  4. Roubo
  5. Resgate de uma ou mais pessoas
  6. Comprar/Vender
  7. Capturar
  8. Esconder
  9. Recuperar um item físico
  10. Invasão

3 – Alvo

  1. Nas ruas
  2. QG de uma Mega Corporação
  3. Nos esgotos
  4. Em um clube
  5. Em uma fábrica
  6. Em um local público
  7. Fora do ambiente urbano
  8. Estação espacial
  9. Centro de pesquisa
  10. Entidade governamental

4 – Ameaça

  1. Uma I.A. de nova geração
  2. Uma gangue de cybermotociclistas
  3. Drones patrulheiros
  4. Assassino de aluguel
  5. Militar com grande experiência de campo
  6. CEO de uma megacorp
  7. Uma ameaça biotecnológica
  8. Cybermutante fruto de engenharia genética
  9. O líder de um país com políticas rivais a nação do jogo
  10. Anarquista que deseja reformar o mundo

6 – Recompensas

  1. Informação sigilosa
  2. Um item específico de alta tecnologia
  3. A planta de um local altamente vigiado
  4. Dinheiro
  5. Armamento
  6. Um estabelecimento
  7. Aliado poderoso
  8. Reputação
  9. Traição
  10. Morte

Como podem ver, a gama de possibilidades é enorme!

Exemplos:

Um senador pode contratar o grupo para invadir uma instalação de tecnologia e roubar um algoritmo de previsão para vencer as eleições para presidente no ano que vem…mas a morte aguarda o grupo ao final, virando uma queima de arquivo.

Uma banda de rock com muito dinheiro pra gastar se engaja na missão de salvar um grupo de mineiros que está refém de uma megacorporação e o governo não quer a interferência de agentes externos.

Role, analise as possibilidades e parta para o brainstorm!

Mais uma postagem do seu não tão amigo Cérebro no Jarro.

Link da matéria original: http://guildadosmestres.com.br/2018/01/12/gerador-de-aventura-3-contratos-para-ambientacoes-cyberpunk/


terça-feira, 6 de junho de 2023

Bons dias! por Machado de Assis


Eu pertenço a uma família de profetas après coup, post factum, depois do gato morto, ou como melhor nome tenha em holandês. Por isso digo, e juro se necessário fôr, que tôda a história desta lei de 13 de maio estava por mim prevista, tanto que na segunda-feira, antes mesmo dos debates, tratei de alforriar um molecote que tinha, pessoa de seus dezoito anos, mais ou menos. Alforriá-lo era nada; entendi que, perdido por mil, perdido por mil e quinhentos, e dei um jantar.

Neste jantar, a que meus amigos deram o nome de banquete, em falta de outro melhor, reuni umas cinco pessoas, conquanto as notícias dissessem trinta e três (anos de Cristo), no intuito de lhe dar um aspecto simbólico.

No golpe do meio (coup du milieu, mas eu prefiro falar a minha língua), levantei-me eu com a taça de champanha e declarei que acompanhando as idéias pregadas por Cristo, há dezoito séculos, restituía a liberdade ao meu escravo Pancrácio; que entendia que a nação inteira devia acompanhar as mesmas idéias e imitar o meu exemplo; finalmente, que a liberdade era um dom de Deus, que os homens não podiam roubar sem pecado.

Pancrácio, que estava à espreita, entrou na sala, como um furacão, e veio abraçar-me os pés. Um dos meus amigos (creio que é ainda meu sobrinho) pegou de outra taça, e pediu à ilustre assembléia que correspondesse ao ato que acabava de publicar, brindando ao primeiro dos cariocas. Ouvi cabisbaixo; fiz outro discurso agradecendo, e entreguei a carta ao molecote. Todos os lenços comovidos apanharam as lágrimas de admiração. Caí na cadeira e não vi mais nada. De noite, recebi muitos cartões. Creio que estão pintando o meu retrato, e suponho que a óleo.

No dia seguinte, chamei o Pancrácio e disse-lhe com rara franqueza:

– Tu és livre, podes ir para onde quiseres. Aqui tens casa amiga, já conhecida e tens mais um ordenado, um ordenado que…

– Oh! meu senhô! fico.

– …Um ordenado pequeno, mas que há de crescer. Tudo cresce neste mundo; tu cresceste imensamente. Quando nasceste, eras um pirralho dêste tamanho; hoje estás mais alto que eu. Deixa ver; olha, és mais alto quatro dedos…

– Artura não qué dizê nada, não, senhô…

– Pequeno ordenado, repito, uns seis mil-réis; mas é de grão em grão que a galinha enche o seu papo. Tu vales muito mais que uma galinha.

– Justamente. Pois seis mil-réis. No fim de um ano, se andares bem, conta com oito. Oito ou sete.

Pancrácio aceitou tudo; aceitou até um peteleco que lhe dei no dia seguinte, por me não escovar bem as botas; efeitos da liberdade. Mas eu expliquei-lhe que o peteleco, sendo um impulso natural, não podia anular o direito civil adquirido por um título que lhe dei. Êle continuava livre, eu de mau humor; eram dois estados naturais, quase divinos.

Tudo compreendeu o meu bom Pancrácio; daí pra cá, tenho-lhe despedido alguns pontapés, um ou outro puxão de orelhas, e chamo-lhe bêsta quando lhe não chamo filho do diabo; cousas tôdas que êle recebe humildemente, e (Deus me perdoe!) creio que até alegre.

O meu plano está feito; quero ser deputado, e, na circular que mandarei aos meus eleitores, direi que, antes, muito antes da abolição legal, já eu, em casa, na modéstia da família, libertava um escravo, ato que comoveu a tôda a gente que dêle teve notícia; que êsse escravo tendo aprendido a ler, escrever e contar, (simples suposições) é então professor de filosofia no Rio das Cobras; que os homens puros, grandes e verdadeiramente políticos, não são os que obedecem à lei, mas os que se antecipam a ela, dizendo ao escravo: és livre, antes que o digam os poderes públicos, sempre retardatários, trôpegos e incapazes de restaurar a justiça na terra, para satisfação do céu.

Boas noites.

quarta-feira, 31 de maio de 2023

Gabriel Fauré por Enxergue Música


Gabriel Fauré (1845-1924) demorou mais de duas décadas para terminar seu Réquiem em ré menor Op. 48, uma de suas obras mais famosas. Segundo o compositor, dedicou-se ao projeto “pelo prazer de fazê-lo”, não — como ainda no presente erroneamente se afirma — pela morte dos pais em 1885 e 1887. A obra, hoje se sabe, abarca um período que se estende de 1877 a 1900.

Além de a tonalidade tornar difícil não pensar no Réquiem (1791) de Mozart (1756-1791), cabe ver em “Um Réquiem Alemão” Op. 45 (1868) de Brahms (1833-1897) certo prenúncio do esquema geral de Fauré: sete movimentos marcados pelo solo de barítono no segundo e no sexto movimentos. A simetria em Fauré, entretanto, precisaria ser um pouco mais bem detalhada. Pode-se perceber um eixo em “Pie Jesu” — com o solo de soprano no coração do Réquiem. Trata-se do movimento ao lado do qual se encontram dois grupos de três movimentos, um anterior (movimentos 1-3), outro posterior (5-7). Nos centros de cada um desses grupos, há, justamente, os solos de barítono.

A adição de “Libera me” e “In Paradisum” e a ausência de “Dies irae” e “Benedictus” podem surpreender aqueles acostumados à estrutura típica desse tipo de obra. Nesse sentido, Fauré busca certa leveza para a obra, ou pelo menos uma diluição do peso que sua tradição carrega. Talvez não por acaso, ainda no XIX, e isso prossegue no XX, notam-se vozes que afastam a obra de sua natureza declarada. Em 1898, Georges Servières (1858-1937) considera a composição quase pagã. Em 1906, Pierre Lalo (1866-1943), crítico feroz de Ravel (mas que o defende no ano anterior quando de novo perde ao participar de um concurso musical), retorna à ideia do caráter pagão da obra. Em 1907, Camille Bellaigue alerta o leitor quanto a encontrar-se visão mais violenta da morte nas canções de Fauré.

Cabe, então, observar a imagem que o compositor reservava para seu Réquiem, como atesta uma declaração sua de 1902, que esclarece muito:

“Disseram que meu Réquiem não expressava o horror da morte: alguém o chamou de ‘Acalanto da Morte’. Entretanto, é desse modo que percebo a morte, como uma alegre libertação, uma aspiração à felicidade do além, não uma passagem aflitiva.”