segunda-feira, 26 de março de 2018

Especial Círculo das Ideias: Sonhos Elétricos de Philip K. Dick #1: "Peça de Exposição"

— Que terno estranho você está usando - observou o robô-motorista do transporte público. Ele deslizou a porta para trás e fez sua parada no meio-fio. - O que são essas coisinhas redondas? - Philip K. Dick
Publicado originalmente em 1954, o conto "Exhibit Piece" mostra  George Miller, um historiador de um mundo futurista, especialista na história do Século XX. Ele mergulha tão fundo em sua pesquisa sobre o jeito e os costumes do passado que passa a viver nele... literalmente. O personagem, após ouvir um barulho no meio da exposição e segui-lo, começa a duvidar da realidade.

Na verdade, duvidar não, mas indagar sobre o que exatamente é realidade. A transição entre os mundos, o jeito que se comporta e até mesmo sua pronuncia, nos deixam uma ambiguidade estranha: o homem pode ter viajado através do tempo através de um portal ou simplesmente enlouqueceu. A confiança é tamanha, a ponto de zombar dos seus superiores, que anunciam que a exposição que Miller era curador vai ser desfeita. Confiante de que não podem viajar pelo "portal do tempo" para pegá-lo e que a destruição da exposição simplesmente vai fechar a passagem, ele retorna para o passado apenas para ler no jornal que a Rússia criou uma bomba que resultar na destruição do mundo.

Na construção para a série de TV Electric Dreams o enredo foi mudado consideravelmente. O episódio "Real Life" apresenta uma linha narrativa principal que vai se dissolvendo ao longo do tempo  (linhas cronológicas para ser maio exato) em meio à confusão dos personagens. Após um trauma, a policial Sarah (Anna Paquin) ganha da esposa (Rachelle Lefevre) um dispositivo de realidade virtual para tirar férias de sua vida durante algumas horas por noite. Do outro lado, ela é George (Terrence Howard), um empresário que lida com o luto da perda da mulher (também vivida por Rachelle).

Ao longo do episódio Sarah e George entram em simulações, onde vivem vidas diferentes. Para se curarem de seus traumas, eles apelam a uma viagem ao subconsciente. É uma punição pelos próprios pecados. Nenhum deles realmente acha que merece a felicidade, por isso cria maneiras de se punir: sabotando relacionamentos saudáveis ​​ou buscar repetidamente relacionamentos não saudáveis. Misture isso com ficção científica e teremos belos momentos de reflexão e entretenimento.

Anna Paquin no episódio 'Real Life', da série 'Electric Dreams' (//Divulgação)

SOBRE O AUTOR
Considerado por Ursula K. Le Guin como Jorge Luis Borges norte-americano, Philip Kindred Dick nasceu na cidade de Chicago em 1928. De 1955, ano de seu primeiro livro, até 1982, Dick publicou 44 romances e 121 contos, uma média de um romance a cada sete meses e um conto a cada 81 dias, sem parar, por 27 anos. Entre eles Valis, Ubik, Os Três Estigmas de Palmer Eldritch e os premiados O Homem do Castelo Alto (que dedicou para sua mulher Anne, que o desprezava dizendo que era um miserável e empalideceu ao descobrir os termos da dedicatória: Para Anne, minha mulher, de quem sem o silêncio eu não teria escrito esse livro) e Fluam, Minhas Lágrimas, Disse o Policial. O ritmo visivelmente frenético foi mantido à base de muita anfetamina – apesar dos boatos que sempre circularam à sua volta, Dick passou mais ou menos batido pelo LSD, a droga da moda na sua época, tendo apenas uma bad trip em toda sua vida (um boato divertido é que a revelação religiosa - ele foi durante a maior parte de sua vida adulta um católico convertido - que lhe ocorreu mais tarde seria um flashback dessa única viagem). Com dificuldades em ficar sozinho, teve cinco casamentos, um período de alguns meses em que sua casa se transformou num ponto de uso e tráfico de drogas, uma temporada voluntária numa clínica de reabilitação e até um par de semanas no apartamento de um casal de desconhecidos no Canadá. Morreu em 1982, aos 53 anos, em Santa Ana decorrência de um acidente vascular cerebral. Outros livros de sua autoria ainda seriam publicados postumamente, como Realidades Adaptadas, e é provável que ainda existam alguns por publicar (tipo, Sonhos Elétricos).