domingo, 28 de setembro de 2025

Odisseia de Homero: canto 9 em que o herói Odisseu se denomina "Ninguém" - Trajano Vieira

"Odisseu na caverna de Polifemo", pintura do artista flamengo Jacob Jordaens, feita por volta de 1635

Uma questão interessante sobre os heróis gregos diz respeito ao perfil de Odisseu. Melhor dizendo, por que Homero imagina um único herói com esse perfil caracterizado sobretudo pela astúcia? Esta é uma questão que me parece interessante. Poderíamos imaginar alguns outros heróis, não é, eh dotados eh desta capacidade eh de improvisar, de eh superar os os percalços por uma uma inteligência astuciosa.

No entanto, nós temos um personagem e esse personagem é o Odisseu. É, os demais, todos eles, de um modo ou de outro, se qualificam pela bravura, como vocês sabem, pelo destemor, pelo respeito ao código militar de maneira inflexível. E o exemplo evidente maior disso é Aquiles.

A questão é interessante porque ela nos abre a possibilidade de imaginarmos esse personagem como um personagem que coloca questões culturais e de fundamento até filosófico que tem a ver com eh aspectos que eh terão grandes consequências ao longo da tradição grega. É um herói problemático pelo que ele tem de inventivo. A invenção é um traço de Odisseu e a invenção sem limite.

Ele se coloca diante das situações justamente para testar a sua capacidade de reimaginar e de se reimaginar em cada uma daquelas cenas, não é, que nós conhecemos. E a uma das mais importantes para a caracterização do herói me parece ser justamente o encontro dele com Polifemo, a cena em que ele se denomina justamente ninguém. Ao se chamar de ninguém, ele efetivamente eh abre uma possibilidade de imaginarmos este personagem como uma catálise do anonimato, o sentido da não da não denominação.

E eu leio apenas esses breves versos da Odisseia para que vocês entendam o que eu quero dizer. Eu me refiro ao encontro eh famoso, encontro de Odisseu com Polifemo no canto em que ele justamente para se manter incógnito se denomina ninguém. E ele diz o seguinte, os versos mais ou menos 367 seguintes do canto nono:

Ninguém me denomino,

minha mãe, meu pai, sócios.

Não há quem não me chame de ninguém.

Realmente é prodigioso se vocês fizerem uma uma análise, digamos, de caráter psicanalítico, o sentido de alguém se denominar, não alguém. Eh, e toda essa questão também filosófica e implicada neste neste tema, não é, da rasura do sujeito de vocês, eh, construírem uma persona incógnita diante da ação. É evidente que toda uma temática, toda uma tradição de pensamento ocidental se constrói a partir de cenas como esta que vocês têm no canto nono da Odisseia.