sábado, 17 de junho de 2017

“Não existe uma revolução final. As revoluções são infinitas” - Nós - Evgueny Zamiatin


Enquanto escrevo isto, sinto minha face arder. Sim: integrar a grandiosa equação do universo. Sim: dissolver a curva selvagem, corrigindo-a numa tangente, numa assíntota, numa reta. Porque a linha do Estado Único é a reta. A reta é grande, divina precisa e sábia, mas sábia das linhas... - Zamiatin
Século XXVI. O mundo foi reduzido a 0,2% uma população após uma Guerra de 200 anos. Ergue-se em torno de um muro de vidro verde o Estado Único, um regime ditatorial personificado na figura do Benfeitor, onde todos vigiam todos com suas casas de vidro, todos trabalham ordenadamente com todos, dita os horários de trabalho, de lazer, de refeições e até de sexo.

Descendente de uma das tradições literárias mais ricas do último século, Zamiatin nos apresenta o narrador D-503, um engenheiro que trabalha na construção de uma espaçonave destinada à exploração de Marte e encontrar civilizações alienígenas e submetê-las ao "jugo benéfico da razão".

A narrativa é formada por um conjunto de anotações do narrador que será enviada dentro da espaçonave; um diário que mostra sua sociedade com olhos matemáticos, até a chegada de uma mulher que vira seu mundo de cabeça para baixo. Publicado pela Editora Aleph, ele trás dois extras: uma resenha de George Orwell e uma carta de Zamiatin para Stálin, solicitando seu autoexílio.


É impressionante ver como em sua resenha, George Orwell da algumas alfinetadas em Huxley e em seu Admirável Mundo Novo, dizendo que o mesmo demonstra menos consciência política que o outro e que a sociedade seria mesma, o que é uma mentira. A sociedade que Aldous nos apresenta é a aplicação pura de Mill e todas as suas teorias elevadas ao seu ponto estremo, enquanto, mesmo que involuntariamente, Zamiatin nos apresentou o pensamento de Marx elevado ao extremo.

Claro, ambas trabalham com o pensamento coletivista, mas Huxley nos apresenta o uso de drogas, condicionamento, onde todas as pessoas são programadas para serem o que são, fazendo tudo o que fazem automaticamente e que não se incomodam, e nem sentem vontade de se revoltar. Zamiatin nos mostra um mundo mais duro, onde o governo diz o que é bom e mau, e controla seus horários: de trabalho, de lazer, de refeições e até de sexo.




Outra coisa que os diferencia monstruosamente é uma coisa que Huxley nos diz no prefácio de seu livro: seus personagens não tem a possibilidade de sanidade de espirito, enquanto Zamiatin nos dá esperança como facadas e nos deixa morrer na sangria.

Leitores mais atentos podem notar a presença de elementos narrativos do conto O Nariz (1836) de Gogol e um estilo narrativo de Dostoiévski que começaria em O Duplo (1846), tem seu ápice em Crime e Castigo (1866) e se encerra nos Os Irmãos Karamazov (1880) - quando o personagem se vê como um membro desviado e faz um julgamento moral de suas ações, quando começa a ganhar "uma alma".

Em sua carta para Stálin conhecemos um pouco o regime soviético e a ligação do autor com ele. Zamiatin foi um bolchevique (filiado ao partido entre os anos de 1908 e 1909), e mesmo tendo seus textos publicados em revistas marxistas, teve sua obra proibida durante todo o período que durou o regime soviético – ela foi contrabandeada para os EUA pela mulher do autor durante uma viagem e acabou publicado primeiramente em inglês, em 1924. Perseguido de todas as formas, ele se exila voluntariamente, pedindo permissão para isso para o então líder da então União Soviética. Faleceu em Paris, em 1937.

ESSE POST NÃO SERIA POSSÍVEL SEM A COLABORAÇÃO DE BRUNO GUEDES.