domingo, 9 de abril de 2017

Sinclair Lewis no Brasil - editoras disputam romance que previu Donald Trump


O romance de 1935 que prenunciou a ascensão de Donald Trump – The Guardian

Nunca as distopias estiveram tão em voga no mundo e no Brasil. Se a Ecclesiae nos trás o O Napoleão de Notting Hill de Chesterton, a Aleph aposta nesse ano em Nós do russo Evgueny Zamiatin e Despossuídos da Ursula K. Le Guin. A Rocco pretende lançar uma nova edição de O conto da Aia da canadense Margaret Atwood enquanto 1984, de George Orwell (atualmente no catálogo da Companhia das Letras) teve um aumento de dez por cento das vendas nacionais em relação ao ano passado enquanto Admirável Mundo Novo de Adous Huxley vem chamando a atenção do mercado (alguns anos atrás Houellebecq chocava o público com Submissão) e Ray Bradbury recebeu uma pequena homenagem na criação do Erro 451 (que aparece quando a página foi censurada), mas todos ignoraram o autor que chegou em sua distopia mais perto da realidade.

As campanhas presidências em torno do mundo (não só no EUA, mas na França e também no Brasil) transmitem um sabor de irrealidade, provavelmente é porque tudo não passa de uma ficção, uma distopia, um sonho mal. Em 1935 um homem ruivo, alto e desengonçado, originário das planícies setentrionais da America do Norte, resolveu escrever sobre a radicalização política e agitação social que assolava os Estados Unidos durante a Grande Depressão. Depois de mergulhar durante quatro meses em um trabalho árduo e constante, Sinclar Lewis emergiu It Can't Happen Here (traduzindo: Isso não pode acontecer aqui), um best-seller que mesmo em tempos de crise econômica vendeu mais de 300.000 cópias.

O ganhador do Nobel de 1930, que recusou o Pulitzer em 1926, se assustava com o mundo em que vivia: a ascensão do fascismo, do nazismo e do stalinismo, e via uma pátria inconsciente aos acontecimentos que estavam em sua volta. Uma sátira política afiada, chamada muitas vezes de "uma mensagem aos americanos pensantes", conta a ascensão assustadoramente realista de Berzelius "Buzz" Windrip, um presidente populista que se torna um modelo genuíno de ditador. Apoiado na insatisfação do povo, Windrip sobe com um slogan clássico: devolver o poder para o povo.

Nacionalmente, Guilherme Fiuza na Editora Planeta nos trás O império do oprimido, que não é uma distopia em si, mas dialoga com a juventude voltada a esquerda idealista que nasce no pós-ditadura. Já Giordano Mochel Netto em Condão nos mostra um mundo futurista (prevendo até a lente de contato desenvolvida pelo Google) onde homens e máquinas se digladiam.

Em um Brasil que vive em um clima onde a classe política está desmoralizada, onde as instituições não funcionam (ou se funcionam, são em condições mínimas) que recentemente redescobriu a Guerra Fria, Sinclar é a fuga racional de um universo em transição, onde o medo nos cerca da volta a tempos sombrios. Ele nos lembra que uma ditadura pode se originar de mecanismos institucionais, representando um desejo populacional.

Duas editoras brasileiras disputaram o livro. Durante o leilão, a que ganhou ofereceu o triplo do preço. Estaremos no aguardo, o mercado nacional está realmente precisando de um livro como esse. O universo de Sinclair nos apresenta algo, onde a escolha é clara: ou fazemos o simples ou escolhemos o mais fácil.