terça-feira, 14 de junho de 2016

Era uma vez na Suíça - Frankenstein ou o Prometeu Moderno (Mary Shelley) [ATUALIZADO]


FOI NUMA MONÓTONA noite de novembro que vi a consumação de meus esforços. Com uma ansiedade que beirava a agonia, reuni ao meu redor os instrumentos de vida que poderiam infundir uma centelha de ser na coisa inanimada que jazia a meus pés. Já era uma da manhã; a chuva tamborilava lugubremente contra as vidraças, e minha vela já estava quase consumida, quando, pelo fraco clarão da luz quase extinta, vi abrirem-se os fundos olhos amarelados da criatura; ele respirou fundo e um movimento convulsivo agitou-lhe os membros. - Mary Shelley
Continua sendo um ground. Entrecortado por poemas de Samuel Taylor Coleridge (1772-1834), John Milton (1608-1674) e Percy Shelley (1792-1822)Mary Wollstonecraft Shelley (1797-1851) desenvolve Frankenstein, um clássico, porque você pode fechar o livro, mas ele nunca termina de dizer o que tinha para dizer.

Em uma noite de terror na Suíça, cinco pessoas em uma casa resolveram escrever histórias de fantasmas. Liderados por Lord Byron (1788-1824) o mais famoso poeta romântico da literatura britânica, seu médico, John William Polidori (1795-1821), o poeta Percy Shelly, Mary Shelly (sua namorada na época) e Claire Clairmont (1798-1879) meia-irmã de Mary, cada um ficou responsável por criar uma história. A proposta de Byron não foi muito longe. O nobre autor começou uma história, e publicou um fragmento no fim de Mazeppa. Já John Polidori escreveu um caso de uma mulher que espia por um buraco de fechadura e tem a cabeça transformada em caveira. Percy Shelley redigiu o Fragmento de uma História de Fantasma, pouco conhecido hoje. Obcecada, Mary começou com um conto, que expandiu graças aos pedidos do já então marido Percy Shelly - na época eles eram namorados, e antes disso, Mary foi amante de Percy, que era casado com Harriet, até ela morrer afogada - a versão oficial, ainda hoje bastante questionada, é a de que ela se suicidou em um lago do Hyde Park, em Londres.

Frankenstein tem uma margem filosófica muito profunda. Romântica, não há como não sentir a mão do filósofo Rousseau (1712-1778) quando o demônio (é assim que a criatura é chamada pelo criador no livro) no capitulo 10 travando um longo dialogo afirma que era bom, mas as desgraças que aconteceram em seus percalços o tornaram mal e rancoroso:

''Crê-me, Frankenstein, eu era bom; minha alma estava cheia de amor pela humanidade; mas não estou só, miseravelmente só? Tu, meu criador, me odeias; que esperança posso ter junto aos teus semelhantes, que nada me devem? Eles me rejeitam e me odeiam. As montanhas desertas e as geleiras lúgubres são o meu refúgio. Tenho perambulado por aqui há muitos dias; as cavernas geladas, que só eu não temo, me servem de morada, a única que o homem não inveja.''

Esse rancor (principalmente pelo seu criador) se mostra mais visível na fala:

''Maldito o dia em que me foi dada a vida!'', exclamei em agonia. ''Maldito seja meu criador! Por que criar este monstro tão hediondo que sou, do qual até tu desvias o olhar repugnado? Deus, que é piedoso, fez o homem belo e atraente, à Sua imagem. Minha forma, porém é uma versão impura da tua, ainda mais horrenda pela própria semelhança. Satã tinha seus comparsas, seus demônios-irmãos para admirá-lo e incentivá-lo; eu, no entanto, sou solitário e abominado.''

Com dor e remorso pelas tragédias que causou: a morte do irmão, da mulher e de seu melhor amigo pelas mãos da criatura. Em uma caçada mortal, ele avança pelo norte buscando a morte daquele ser repugnante.

A ciência na medida que nos deu poderes de discernimento, abriu fronteiras e quebrou paradigmas, alterando o que se é normal: a condição da morte, da vida e até da ressurreição (tema do post da semana passada sobre H.P. Lovecraft) nos empurra para um abismo moral e ficamos sem saber o que fazer no final.