FOI NUMA MONÓTONA noite de novembro que vi a consumação de meus esforços. Com uma ansiedade que beirava a agonia, reuni ao meu redor os instrumentos de vida que poderiam infundir uma centelha de ser na coisa inanimada que jazia a meus pés. Já era uma da manhã; a chuva tamborilava lugubremente contra as vidraças, e minha vela já estava quase consumida, quando, pelo fraco clarão da luz quase extinta, vi abrirem-se os fundos olhos amarelados da criatura; ele respirou fundo e um movimento convulsivo agitou-lhe os membros. - Mary Shelley
Continua sendo um ground. Entrecortado por poemas de Samuel Taylor Coleridge (1772-1834), John Milton (1608-1674) e Percy Shelley (1792-1822), Mary Wollstonecraft Shelley (1797-1851) desenvolve Frankenstein, um clássico, porque você pode fechar o livro, mas ele nunca termina de dizer o que tinha para dizer.
''Crê-me, Frankenstein, eu era bom; minha alma estava cheia de amor pela humanidade; mas não estou só, miseravelmente só? Tu, meu criador, me odeias; que esperança posso ter junto aos teus semelhantes, que nada me devem? Eles me rejeitam e me odeiam. As montanhas desertas e as geleiras lúgubres são o meu refúgio. Tenho perambulado por aqui há muitos dias; as cavernas geladas, que só eu não temo, me servem de morada, a única que o homem não inveja.''
Esse rancor (principalmente pelo seu criador) se mostra mais visível na fala:
''Maldito o dia em que me foi dada a vida!'', exclamei em agonia. ''Maldito seja meu criador! Por que criar este monstro tão hediondo que sou, do qual até tu desvias o olhar repugnado? Deus, que é piedoso, fez o homem belo e atraente, à Sua imagem. Minha forma, porém é uma versão impura da tua, ainda mais horrenda pela própria semelhança. Satã tinha seus comparsas, seus demônios-irmãos para admirá-lo e incentivá-lo; eu, no entanto, sou solitário e abominado.''
A ciência na medida que nos deu poderes de discernimento, abriu fronteiras e quebrou paradigmas, alterando o que se é normal: a condição da morte, da vida e até da ressurreição (tema do post da semana passada sobre H.P. Lovecraft) nos empurra para um abismo moral e ficamos sem saber o que fazer no final.