Eu gosto do conto (História da Sua Vida), na verdade, acho que ele é infinitamente melhor que o filme.
O filme é aquela coisa, como todo filme hollywoodiano, que precisa se tornar mais palatável no final. Eles acabam "embrutecendo" um conto que é muito melhor do que o filme foi feito. Mas, apesar disso, eu gosto muito de "A Chegada", o conto, e considero o filme uma adaptação tolerável da beleza da história original.
A ideia central do conto é trabalhar com as últimas consequências do determinismo linguístico. O ponto é que, uma vez que você aprende aquela "língua alienígena", você consegue entender todo o caminho de uma vida inteira.
Dando um spoiler de um filme de 250 anos atrás, e de um conto ainda mais antigo, o conto de "A Chegada" começa com a morte da filha da mulher que traduziu a língua. Em seguida, a história recompõe toda a vida dela. No final, descobrimos que, ao aprender a língua, ela soube que teria uma filha, que o casamento não daria certo e que a filha morreria cedo. Mesmo assim, ela achou que tudo valia a pena, que as experiências vividas eram importantes.
Então, é esse o determinismo linguístico que o conto explora. É uma das correntes da linguística que pensa: "Até que ponto somos moldados pela língua que falamos? Ou até que ponto a língua pode ser uma barreira para o nosso pensamento?". Há toda uma corrente que defende que, no momento em que eu falo uma determinada língua, fico preso a certos padrões ou concepções de pensamento.
Vou dar um exemplo: no grego antigo, havia um modo verbal inteiro, com todos os seus tempos, só para a narrativa. Os gregos gostavam de contar histórias porque eles tinham o aoristo, ou eles criaram o aoristo porque gostavam de contar histórias? Existe uma corrente na linguística que diz que o aoristo surge e, a partir desse momento, os gregos se tornam um povo de contadores de histórias, de aedos e de rapsodos.
"A Chegada" brinca muito com essa questão do determinismo linguístico. É um conto maravilhosamente bem escrito, exatamente pela forma como ele se desenvolve. Não tem "água com açúcar" no final. Não tem aquele momento em que sete pessoas no mesmo lugar do mundo conversam sobre o mesmo tema. O conto tem quase que uma viagem temporal, com a protagonista sabendo o que vai acontecer. E aí você pensa: "Mas dois minutos atrás ela sabia a porcaria da língua, e agora ela não sabe o que está fazendo?".
Esse final hollywoodiano do filme é brutalmente desnecessário. Apesar disso, é um conto muito bom. E por que estamos falando sobre isso? Porque eu lancei recentemente um vídeo no canal onde eu falo de exobiologia e de genolinguística e estipulo algumas coisas, porque eu gosto muito de ficção científica. No início desse vídeo, eu me peguei pensando: "Onde ele está chegando? Não tem lógica isso aqui". Mas tem uma lógica. Quando você começa a falar de pressão, a pessoa se pergunta: "Imagine você num planeta que a pressão é tal...". Eu não consigo imaginar, João. E é exatamente isso! Aquilo tudo era para chegar, no final, à impossibilidade do desejo pela penetração anal de um alienígena de uma zona não temperada de planetas. Se ele for um alienígena de uma zona de proximidade solar ou polar maior do que a nossa, a tendência é que ele não tenha desejo por penetração anal para viajar o cosmo atrás de "comer um fazendeiro do Kansas", que foi a pergunta que me fizeram.
Então, eu pensei: "Isso aqui é um canal de ciência, vamos estudar isso aqui para a gente chegar à conclusão". Ironicamente, quando vemos "A Chegada", estamos falando de seres de simetria radial. Não sei se vocês notaram isso nos alienígenas, o Abbott e o Costello. Eles são seres de simetria radial, e maiores do que a gente. Isso é muito controverso. Até que ponto seres com um exoesqueleto tão duro, que se alimentam de forma tão lenta — ou seja, têm uma abertura no exoesqueleto para se alimentar —, teriam a capacidade de ter um tamanho tão grande? Eles deveriam ser menores por causa da pressão do planeta deles. Esse tipo de bobagem não tem no conto.
Eu fico bravo com essas coisas. Mas, apesar disso, "A Chegada" é uma adaptação tolerável. É tolerável. É uma porcaria falar "tolerável"? Não, mas é porque o conto é muito melhor.
Qualquer livro que você lê vai ser melhor? Não, nem sempre. Vou dar um exemplo de outro filme hollywoodiano que não é exatamente de ficção científica, "Perdido em Marte", com o Matt Damon. Qual a grande diferença do livro para o filme? Uma cena, a cena final dele dando aula na faculdade, aquela cena "esses garotos, esses jovens", que é 100% desnecessária e não existe no livro. O livro termina com ele sendo salvo, fedendo, a galera mandando ele tomar um banho e é isso. Ninguém sabe o que acontece depois. É um final muito mais justo para tudo que ele passou.
O que o Cuarón faz em "Gravidade", por exemplo? Só ela cair na Terra, colocar a mão na terra, conseguir chegar e pronto. O filme acaba ali.
Então, eu gosto mais quando isso não acontece. Às vezes, a galera tem essa necessidade. Quando o roteirista se resume a fazer isso só no fim, eu ainda tolero. Mas quando ele começa a desmontar a estrutura narrativa do conto, que era toda baseada no determinismo, e a graça estava nisso, para colocar outras coisas e, no final, ter um momento de resolução tão "burro" que você não consegue lembrar se a pessoa sabe ou não o que ela sabe... aí para mim é doloroso.
A minha relação com "A Chegada" é o oposto da minha com "Death Note", que eu acho a adaptação muito melhor que aquele mangá chato para caramba.
Mas isso é uma questão. Eu não vejo problema em adaptar uma obra ignorando o original. Não sou purista ao ponto de dizer que você deve adaptar a obra exatamente como é o original. Você tem todo o direito de ter a liberdade de adaptação, desde que ela faça sentido lógico para uma criança de seis anos. Esse é o meu ponto.
No caso de "Perdido em Marte", ele optou por ser fiel e, no final, resolveu fazer aquela cena, e estragou. Estragou porque escolheu fazer aquilo no final. Mas eu nem acho que estragou tanto, porque é óbvio que ele não conseguiria recontar o livro inteiro. Ele teria que optar por um momento em detrimento do outro, passar mais rápido por algo que no livro era maior. Faz sentido. No final, algum executivo chegou e falou: "Sabe o que seria massa?". É uma necessidade hollywoodiana de finalizar.
Para mim, quando o filme termina e o cara bota essa cena depois, pelo menos eu aprendi em aula de roteiro que a história do cara termina quando ele é resgatado. O que você conta depois é chamado de coda, que é só para "fazer um carinho" no fã: "Olha como a vida dele continua, ele vira um professor de faculdade". Mas isso nem me incomoda tanto. Me incomoda muito mais quando os caras tentam ser mais inteligentes que o autor e falham miseravelmente.
Porque existe uma lógica de pensar nesse "Perdido em Marte", por exemplo. É uma coisa bem estadunidense de mostrar o sucesso, o mérito, a família. Inclusive, o próximo livro dele, "Projeto Hail Mary", está para ser adaptado no próximo ano, e o livro é espetacular. Eles não vão conseguir colocar uma coisa bonita no final.