domingo, 24 de fevereiro de 2019

A Balada do Black Tom e O Horror em Red Hook - Victor LaValle e H.P. Lovecraft

Nick Hayes
As pessoas que se mudam para Nova Yorque sempre cometem o mesmo erro. Não conseguem enxergar o lugar. Essa é a verdade para Manhattan, mas também para bairros mais distantes, seja Flushing Meadows, no Queens, ou Red Hook, no Brooklyn. Elas vêm em busca de magia, seja boa ou má, e nada vai convencê-lo a de que a tal magia não está aqui. Porém, isso não era de todo ruim. Alguns nova-iorquinos aprenderam como ganhar a vida com essa ideia equivocada. Charles Thomas Tester, por exemplo. - Victor LaValle

Se a modernidade é uma declaração de guerra contra a tradição, isso é claro. Todo o resultado de uma paranoia mistificada se instala nos modernos como um cancro que se espalha para todos os cantos. Os escritores sempre foram vinculados a uma espécie de tradição, mas parece que se esqueceram disso. Criaram guetos intelectuais, e mesmo suspirando por ela - a tradição - detesta qualquer sinal verdadeiro da mesma.

A tradição vem do hábito. De escolher coisas boas, seleciona-lás em detrimento de coisas ruins. E a obra que a Editora Morro Branco traz vai totalmente nesse sentido. O livro de LaValle é totalmente diferente das demais porque segue a risca esse método. Seria o que podemos chamar de a verdadeira "resistência" encontrada nos Cthulhu Mytos. Essa resistência pega ou é aceita porque é filiada a um conceito banal: todos tem medo do que desconhecem e do que pensam.

Victor LaValle e H.P. Lovecraft

Com um cenário o Harlem da década de 20, somos apresentados a Charles Thomas Tester, um malandro que sobrevive de golpes e furtos. Filho de um pedreiro e uma doméstica, viu no pai Otis a inspiração de continuar batalhando, mas não herdou seu talento -  era um péssimo instrumentista. A relação da música afro-americana com o sobrenatural e o mal remonta às suas origens. Ante mesmo do surgimento do blues, o jazz chegou a carregar este rótulo. Na década em que se passa o livro, o jazz tomava conta das rádios norte-americanas com grande força.

Tudo muda quando encontra dois personagens da obra de outro autor. Robert Suydam, um milionário excêntrico e Malone, um policial branco que não se mostra racista (e, até certo ponto tem compaixão de Thomas, ou Tommy, como era conhecido). São personagens retirados originalmente do conto O Horror em Red Hook de H.P. Lovecraft. Foi através dessa narrativa e de outras histórias, que conseguiu extravasar a raiva que tinha contra imigrantes. Sua ex-mulher Sonia Greene conta que, quando ela e seus colegas de imprensa amadores andavam por Nova York com Lovecraft, ele ficava furioso com os imigrantes que via. 


The Rats in the Walls da Zest Magazine de 1956

O nome do personagem é um pouco peculiar. Talvez seja em referência a Zest Magazine, volume n° 1, de Janeiro de 1956. Publicado originalmente em 1923, The Rats in the Walls (Os Ratos nas Paredes) trazia o gato do protagonista com o nome de Nigger Man - nigger é algo ofensivo, um adjetivo pejorativo para pessoa uma pessoa negra norte-americana. Quando a história foi reimpressa na revista Zest (década de 1950), esse nome foi mudado para Black Tom.

Lovecraft caiu em desgraça nos últimos anos, coincidindo com um foco intenso em seu racismo, anti-semitismo e desprezo pela religião ao ponto de que o troféu World Fantasy Award não ter mais o busto do autor como prêmio. Ele era dado desde a sua criação em 1975, desenhado pelo cartunista Gahan Wilson. A nova estatua com o novo design - vencedor de um concurso em 2016 - vem do escultor e artista Vincent Villafranca, (imagens abaixo).

A esquerda, o design de Gahan Wilson. A direita, o de Vicent Villafranca

LaVelle consegue criar uma narrativa onde o racismo, a xenofobia e toda violência cotidiana que o protagonista sofre culmina no encaldamento sangrento entre o autor e Lovecraft, onde Tommy vira Black Tom. Se assemelha bastante a Carrie, a Estranha de Stephen King: a origem do ódio e o ressentimento culminados com a destruição sangrenta de todo o ambiente repressivo.