sexta-feira, 20 de abril de 2018

Especial Círculo das Ideias: Sonhos Elétricos de Philip K. Dick #2: "Autofab"

Uma tensão pairava sobre aqueles três homens que esperavam. Eles fumavam, andavam para a frente e para trás, chutavam a esmo os matos que cresciam ao lado da estrada. O sol quente do meio-dia luzia nos campos marrons, e havia fileiras arrumadas de casas de plástico, além de uma linha distante de montanhas a oeste. - Philip K. Dick
Publicado na revista Galaxy em novembro 1955, Autofab mostra homens dispostos a lutar para retomar suas vidas após o fim do apocalipse. Com o objetivo de convencer o sistema de fábricas automatizadas que eles não querem mais os bens que são fornecidos, Perine, Morrison e O'Neill começam uma revolta contra o sistema da Autofab, mas começam a notar que não se pode parar o sistema, apenas atrasa-lo.

Vale lembrar que o sistema foi criado antes de uma guerra para ser  totalmente automatizado, mas se não puder ser parado, ele continuará a consumir todos os recursos do planeta. Os homens sofrem nas mãos de sua criação. Uma versão sistematizada de um Prometeu Moderno, que, invés de centralizado em um ser único, Philip K. Dick distribui entre uma malha fechada.

Arquivo da Galaxy Magazine (Novembro de 1955)

Em relação ao episódio "Real Life", "Autofac" não foi mudado, foi atualizado. Do mesmo jeito que o conto, a narrativa tem ação rápida que gira em torno de algumas (e boas!) reviravoltas. As alterações do escritor Travis Beacham na história de Dick adicionam novas camadas. E seus temas originais ainda são depreciativamente relevantes para o nosso tempo. Travis usa de alguns clichês do sci-fi cinematográfico e trás referencias a Blade Runner.

Vale um adendo: no conto, PKD usa a palavra "pizzled", para confundir um robô que continua distribuindo leite indesejado. Como não há nada errado com o leite, o robô não vai parar de entregá-lo, mesmo que os humanos não o queiram. Uma palavra sem sentido que, desde então, entrou no vocabulário da tecnologia moderna para descrever um produto que é insatisfatório de uma maneira inespecífica.


Janelle Monáe na série 'Electric Dreams' (Amazon/Divulgação)

SOBRE O AUTOR
Considerado por Ursula K. Le Guin como Jorge Luis Borges norte-americano, Philip Kindred Dick nasceu na cidade de Chicago em 1928. De 1955, ano de seu primeiro livro, até 1982, Dick publicou 44 romances e 121 contos, uma média de um romance a cada sete meses e um conto a cada 81 dias, sem parar, por 27 anos. Entre eles Valis, Ubik, Os Três Estigmas de Palmer Eldritch e os premiados O Homem do Castelo Alto (que dedicou para sua mulher Anne, que o desprezava dizendo que era um miserável e empalideceu ao descobrir os termos da dedicatória: Para Anne, minha mulher, de quem sem o silêncio eu não teria escrito esse livro) e Fluam, Minhas Lágrimas, Disse o Policial. O ritmo visivelmente frenético foi mantido à base de muita anfetamina – apesar dos boatos que sempre circularam à sua volta, Dick passou mais ou menos batido pelo LSD, a droga da moda na sua época, tendo apenas uma bad trip em toda sua vida (um boato divertido é que a revelação religiosa - ele foi durante a maior parte de sua vida adulta um católico convertido - que lhe ocorreu mais tarde seria um flashback dessa única viagem). Com dificuldades em ficar sozinho, teve cinco casamentos, um período de alguns meses em que sua casa se transformou num ponto de uso e tráfico de drogas, uma temporada voluntária numa clínica de reabilitação e até um par de semanas no apartamento de um casal de desconhecidos no Canadá. Morreu em 1982, aos 53 anos, em Santa Ana decorrência de um acidente vascular cerebral. Outros livros de sua autoria ainda seriam publicados postumamente, como Realidades Adaptadas, e é provável que ainda existam alguns por publicar (tipo, Sonhos Elétricos).