terça-feira, 9 de julho de 2019

"O que me inspira escrever é a necessidade de responder perguntas" - Entrevista com o Rodrigo Ortiz Vinholo


1 - Rodrigo, para o público que não o conhece, como você se apresentaria?
Oi! Eu sou Rodrigo Ortiz Vinholo, publicitário, jornalista, escritor e pessoa estranha. Gosto de um pouco de tudo e de saber de tudo um pouco. Sou movido a livros, café e pimenta. Na literatura, leio o que cair nas minhas mãos, tendendo a ficção, em especial literatura fantástica em todas suas vertentes. Na hora da escrita, também sigo essa mesma lógica, escrevendo de tudo um pouco, mas ao menos no universo de contos, tendo a me dar melhor com horror/terror.

2 - Qual foi seu primeiro contato com a literatura?
Essa é difícil: eu "lia" desde antes de realmente começar a ler. Eu era aquele tipo de criança que os pais incentivaram a leitura desde cedo, então liam para mim e me davam livros de ilustrações e gibis, os quais eu imaginava uma história mesmo que não entendesse as palavras. Quando comecei a ler por conta própria, me lembro de já pegar cedo clássicos como "O Pequeno Príncipe" e muitas coleções infanto-juvenis e juvenis, como as séries "Arquivo Z", "Goosebumps" e "Rua do Medo". Na época de "Harry Potter" e derivados eu já era leitor assíduo.


3 - Como você vê atualmente o mercado literário, sobretudo para os novos escritores?
Eu diria que acho ele "complicado". Estamos em um momento de transição que tem uma geração extremamente prolífica de novos escritores, mas esses estão separados de outros escritores já estabelecidos e dos consumidores por inúmeras barreiras. O mercado brasileiro sempre teve suas complicações e barreiras de entrada, e em vários sentidos elas continuam por aí e se complicam, no sentido que em momentos de crise editoras em média preferem apostas mais certas - é bem mais fácil lucrar com um autor que já vende ou alguém que, mesmo que seja novato, já tenha um público. Some a isso os problemas de livrarias e modelos de consignação e as complicações só aumentam.

Ao mesmo tempo, temos fenômenos como o WattPad, o financiamento coletivo e as redes sociais que estão reconstruindo o cenário como um todo, tanto a experiência dos escritores quanto a dos leitores, e o formato de todo o mercado. Muita gente está se dando muito bem com essas novidades, fazendo fama de modo que os tradicionais não conseguiram e não conseguem. Só que muita gente tem o vício - e posso dizer que até eu o tenho, mesmo sabendo que não é verdade - de pensar que esses novos formatos não são "literatura de verdade", e que "esse não é o mercado". E isso complica as coisas.

Por um lado, é fato que há um consumidor de hábito tradicional que só será afetado pelas publicações de editoras tradicionais e em lojas físicas, mas por outro esse mercado que está crescendo - e seu consumidor, cada vez mais envolvido e exigente - não deve ser ignorado. A transição de todo o formato para o que o digital e o mercado descentralizado estão gerando parece ser o futuro, e os autores novatos e/ou independentes ganham uma bela dianteira se já crescerem nesse meio.

4 - Como autor, de modo geral, o que te inspira a escrever?
Eu diria que experimentação e a necessidade de responder perguntas. E também uma vontade muito insistente e até egocêntrica de explicar as coisas para as pessoas e fazer com que elas pensem e também questionem. Boa parte das minhas histórias nasce da necessidade de responder um "E se...?" ou da necessidade de explorar um tópico específico, expondo algum exemplo.

Minha obra "O Corpo", finalista do Prêmio ABERST 2018, por exemplo, é um dos melhores exemplos dessa minha dinâmica. Ele nasceu depois que eu li sobre o Paradoxo do Navio de Teseu. Em linhas gerais, esse paradoxo descreve um navio do herói Teseu, contando que ele foi sendo restaurado com o passar dos anos, peça por peça. A pergunta que restava era: se ele fosse inteiro restaurado, com todas as partes trocadas, ele seria o mesmo navio? Pensei nisso e sobre a restauração do corpo humano, imaginando a mesma lógica: se substituíssemos todas as partes de um corpo, seria a mesma pessoa, ou não?

Nem sempre a pergunta ou a lição que quero dar estão explícitas, porque por vezes foi apenas um experimento pessoal de formato, mas essa lógica quase sempre surge em algum momento do processo criativo.



5 - Seus atuais trabalhos nesse ano, estão Os dias em que Rubia viveu no futuro 33. Será que pode falar sobre eles: suas similaridades, suas diferenças?
Os dois tem bastante coisa em comum! Pra começar, os dois são livros focados em relacionamentos. Até dá pra dizer que são romances, ainda que não nos moldes que outros livros trabalham romances.

"Rubia" conta a história de um cara que namora uma viajante no tempo. Ela, sem motivo claro, tem que viajar por um mês, e no lugar dela chega... ela mesma! Uma versão mais jovem dela! Apesar da viagem no tempo é uma obra de ficção urbana, e não de ficção científica propriamente dita. Na minha lógica de inspiração baseada em perguntas e problemas a resolver, "Rubia" nasceu da minha vontade de brincar com viagem no tempo, mas acima de tudo de responder questões de identidade como "Nós somos pessoas diferentes em diferentes pontos de nossas vidas?"

Já "33" conta a história de um casal de namoradas que são pessoais completamente normais, tendo problemas de pessoas normais, no dia de aniversário de uma delas. Ju e Clarinha, durante um dia na cidade, enfrentam muito mais seus problemas, dúvidas e dificuldades de encontrar lugar e entender o mundo do que qualquer outro problema palpável. Aqui, o desafio foi muito mais de produzir uma história que eu gostaria de ler: um romance que acontece depois do "feliz para sempre", em que as dificuldades não vem do próprio relacionamento, mas de tudo mais.

Os dois livros conversam muito bem, apesar de todas as diferenças de proposta. Os dois falam de identidade, os dois falam de encontrar o próprio lugar, e os dois são histórias de amor que oscilam em alguns elementos por vezes levemente absurdos, mas no fim das contas reais demais: a ideia de que amor pode acabar, ou não ser o que esperamos, e que pode nem sempre ser bonito, mas que sempre é um aprendizado muito grande.

Ah, um segredo que até agora eu não tinha mencionado pra ninguém: as duas histórias se passam na mesma cidade, e inclusive existe um parque que aparece nos dois livros, com easter eggs de referência de um no outro.

"33" está com campanha de Catarse no ar, e dá pra pegar uma cópia de "Rubia" e de outras obras também! É só clicar aqui.

6 - Você é conhecido como "O senhor das Antologias" e deve receber várias perguntas sobre escrita. Neil Gaiman diz que os escritores de fantasia tendem a chafurdar em sulcos escavados por J.R.R. Tolkien ou Robert E. Howard. Como evitar clichês ou subvertê-los?
Hahaha, eu sempre acho engraçado e me sinto lisonjeado com esse título.

Sobre clichês: eu não sei se eles devem ser necessariamente evitados. Veja, existem frentes diferentes do trabalho de clichês. Alguns clichês são bons, se trabalharmos eles como parte de uma linguagem de histórias.

Eu colocar um mago em uma história, ou um cavaleiro, ou um rei herói, todos são clichês de fantasia medieval, por exemplo, e não tem problema eles existirem e serem trabalhados como tais. Eles são fundações para contarmos histórias maiores. O problema é quando a história começa neles e termina neles, ou quando esses clichês básicos são abordados como se fossem novidades. Nesses casos, acaba sendo até insultivo ao leitor.

Usando minhas obras como exemplo, "Rubia" usa o clichê da viagem no tempo como pano de fundo para que o narrador possa encontrar uma versão passada de sua namorada. A ideia vai além do clichê e foca em uma consequência dele.

"33", por outro lado, depende de toda uma coleção de clichês dos quais estamos acostumados. Exemplo: eu propositalmente evitei abordar profundamente as histórias de como as protagonistas se conheceram ou começaram a namorar, e ainda que existam flashbacks que falem desses e outros pontos do relacionamento, todos os grandes dilemas de romances não estão na narrativa, e é a ausência quase consciente deles que fortalece a história. Do mesmo modo, os elementos e referências "Alice no País das Maravilhas" que surgem na trama são outra cutucada discreta ao clichê de forma "alicesca" que a história trabalha.

Agora, subverter eu entendo que possa ser feito de várias maneiras. Algumas podem nascer das fórmulas acima - o desenvolvimento posterior, a "ausência consciente" -, mas entendo que a melhor de todas é a subversão contextual. Me lembro da obra "Orgulho, Preconceito e Zumbis", que juntou a obra de Jane Austen e adicionou zumbis e luta. São as inúmeras subversões contextuais que tornam a obra amada por tanta gente: subvertem-se os dilemas e romances austenianos, e subverte-se a expectativa de uma história de zumbi ao colocá-la no passado, sem qualquer contexto que nos seja familiar.

7 - Porque Os dias em que Rubia viveu no futuro não é ficção científica?
Apesar da viagem no tempo, realmente não gosto de falar que seja ficção científica.

Para começar, porque não é "científica". Ainda que exista certa lógica que é explicada sobre a mecânica da viagem temporal (linhas temporais, um órgão responsável por evitar certas pontas soltas etc.), o mecanismo em si propositalmente não é trabalhado. Geralmente, a ficção científica se preocupa com ao menos abordar alguma lógica que permitiria entender a ciência por trás de tudo.

E mesmo que fora do hard sci-fi ainda possamos passar mais batido nas explicações, também gosto de reforçar que o foco de "Rubia" não é propriamente a viagem, mas as consequências dela. É conhecermos uma versão diferente da mesma pessoa e ela entrar em conflito com a descoberta de que já esteve lá.

Nesse sentido, ele é um livro muito mais filosófico na abordagem da viagem no tempo, focando na existência ou não de destino, na causalidade e em alguns outros pontos, com um espaço ainda maior para o elemento humano, em especial no foco em relacionamentos românticos e amizades.

8 - Segundo suas declarações a entrevista dada a Lendari para a divulgação de 33, os Millennials estão perdidos, mas por que? Não estão sabendo o que fazer no mundo atual?
Bem, eu acredito que estamos em uma crise tanto de significado quanto de estilo de vida.

Nossas referências geracionais anteriores, em sua grande maioria, eram de pessoas que, mesmo em circunstâncias por vezes piores, tinham maior estabilidade, e estavam em um mundo que, com certas fórmulas e certo esforço, poderia-se construir uma vida firme. Note que eu falei "estabilidade" e "vida firme" no sentido em que mesmo que fosse uma vida ruim, era uma vida em que havia alguma perspectiva de futuro. Ela podia ser estável em sua ruindade. Agora, a sensação que temos - como mostram os números de inadimplência no Brasil e dívidas estudantis nos EUA, só como exemplos passageiros - é de uma insegurança constante. Nós podemos sentir que estamos mal, e que sempre haverá um buraco mais fundo em frente.

Esses modelos de sucesso (ou "sucesso") do passado, bem como essas capacidades de previsão, estão ruindo. Mas o nosso imaginário social amplo, ao meu ver, ainda está fixo no que acontecia antes e constantemente nos surpreendemos com isso. Quando os modelos antigos não funcionam mais, ficamos perdidos e ansiosos. Não é por nada que somos aparentemente a geração mais depressiva de todas.




Some a isso um mundo extremamente conectado, com livre fluxo de informação e de aumento de expectativas, e a bagunça é certa. Veja: nossos pais, avós, bisavós, mesmo os que viviam vidas cosmopolitas, tinham como meio de comparação principal e constante apenas as pessoas que os cercavam. Hoje, nós não só podemos, como somos incentivados a nos compararmos com todas as pessoas do mundo, em todos os cenários socioeconômicos possíveis. E pior: nós geralmente competimos com o que percebemos que eles são, ou seja, as imagens de sucesso.

Nesse cenário em que todo mundo se conecta e todo mundo ganha uma voz, vivemos o dilema também de querermos ser ouvidos, ao mesmo tempo que nos horrorizamos com as vozes diversas que surgem, e o policiamento que acompanha os dois lados desse aspecto. Perdemos empatia, perdemos significado, e só aumentamos o caos que nos cerca.

"33" entra bastante em méritos desse tipo. Para as personagens, por vezes é como se algo estranho tivesse possuído as outras pessoas, e elas mesmas tem que lidar com essa incerteza constantemente.

9 - Quais autores te influenciaram e se você tem alguma dica para autores iniciantes.
Parece clichê, mas minha maior influência, quem começou tudo, foi Machado de Assis. Jovens, sei que trabalho de escola não é legal, mas prestem atenção no Machado que esse cara sabe das coisas.

Além dele, meus favoritos, e que mais me influenciaram, são Kurt Vonnegut, Neil Gaiman, Lovecraft e Poe. Tenho que citar J. K. Rowling, e se quisermos ir para quadrinhos, Angeli, Laerte, Glauco, Mauricio de Sousa, mais todo um mundo de Marvel e DC (especialmente os autores do selo Vertigo).

E dicas: leia muito. Leia mesmo, leia bastante. E conforme lê, ou depois que terminar de ler, olhe para uma obra e se pergunte: "por que é que isso foi feito assim?" Pode ser que você erre completamente a resposta, mas o exercício de tentar entender o que se passava por trás da cabeça de cada autor é algo que te ajudará seu raciocínio a estruturar histórias e escrita.

Ah, e se você encontrar ideias, clichês, fórmulas, ou qualquer fragmento que acha que pode colocar no seu texto... coloque! Mas tenha consciência ao fazê-lo, e deixe que esse elemento se transforme e tome forma própria organicamente no seu texto, em vez de ser um pedaço enxertado. Quando você reaproveita algo mas não transforma, esse elemento geralmente é o que mais se destacará e marcará seu texto negativamente. Pense que não é porque as pessoas gostam de Harry Potter que elas querem ler a mesma coisa que a Rowling escreveu, só que feito pelas mãos de outra pessoa.