domingo, 7 de maio de 2017

"Quero conseguir escrever histórias que falam de nós, das pessoas" - Entrevista com Gustavo Ávila


Gustavo Ávila não poderia estar mais feliz. Com o livro sendo publicado pela Verus Editora, com os direitos da obra vendidos para a Globo Filmes, ele comenta: Não há nada de mal em tentarmos entender o mundo, o problema é a obsessãoEle fala para o Golem sobre literatura, educação e trabalhos em desenvolvimento.

Como você desenvolveu a terrível cena de tortura na abertura do livro?
A ideia do estudo proposto por David (o assassino) é feito em cima de uma família com os pais e um filho ou filha, então, essa cena teria que envolver essas três pessoas. O desenvolvimento dela foi feito em cima de algo que é revelado mais pra frente, por isso não posso falar muito aqui já que isso revelaria um spoiler sobre a história (risos). Mas a forma de contar essa cena, eu tentei escrever de uma maneira que fosse possível sentir as coisas que acontecem lá, como se tudo aquilo estivesse acontecendo ali, bem na frente do leitor. O objetivo é fazer o próprio leitor sentir a dor daqueles personagens, física e psicológica. Colocar quem está lendo no lugar da criança que está assistindo seus pais sendo mortos, justamente para que, mais pra frente, o leitor também consiga se colocar no lugar de quem está fazendo determinadas escolhas. Porque é muito fácil julgar algo que não aconteceu com a gente. Mas quando você sente a dor do outro, sua percepção sobre aqueles fatos mudam. Você muda. E quando isso acontece você vê que não é tão simples classificar alguém como uma pessoa boa ou uma pessoa má. Há muita coisa envolvida nisso.

É possível justificar um ato de crueldade quando, por trás dele, há a intenção de fazer o bem?
Essa é a grande pergunta do livro. Essa questão guia toda a história. Sinceramente, eu não tenho uma resposta pra ela. Por isso eu deixo para que cada leitor, depois de conhecer tudo o que acontece, responda para si mesmo. E está sendo muito bacana conversar com os leitores sobre essa questão, porque, realmente, tenho visto que muitos acham que sim, muitos outros acham que não, alguns ficam em cima do muro, no talvez, no cada caso é um caso. Acredito que essa pergunta seja o que há de melhor do livro. A pergunta que fica martelando depois do ponto final.


A esquerda a capa antiga. A sombra negra, a fonte e o comentário de Raphael Montes fazem parte da nova capa, a esquerda

O Sorriso da Hiena traz questões morais que parecem cada vez mais atormentar o homem, como se vale a pena o avanço científico às custas do sofrimento alheio. Você acha que o ser humano vai ser empurrado pela ciência para um abismo moral?
Não acho que é a ciência que empurra o ser humano para o abismo, quem faz isso é o próprio ser humano. A ciência é apenas uma ferramenta. Uma forma de realizar conquistas, de tentar domar questões que não estão e talvez nem deveriam mesmo estar sob o nosso controle. O ser humano é movido por obsessões. Uma delas é a de tentar entender tudo, desvendar tudo. O ser humano não pode ver um mistério. E algumas coisas não foram feitas para serem desvendadas. Alguns mistérios deveriam permanecer assim. Mas queremos respostas para tudo. Não há nada de mal em tentarmos entender o mundo, o problema é a obsessão. Toda ganância é ruim. Inclusive a ganância por respostas.

Seu estilo de escrita apela muito para o visual - sem se alongar muito comparado com outros autores - eu até comentei em uma resenha que queria ver O Sorriso da Hiena nas telonas. Recentemente você vendeu os direitos da obra para a Globo. Há alguma previsão para o início das gravações?
Então, na verdade eu não sei muito sobre isso. Agora o projeto está com eles. O que sei é que eles tem dois anos para decidir se vão fazer alguma coisa ou não. Caso não resolvam nada, os direitos do livro voltam pra mim. Também não sei qual é a ideia deles, até porque, acho que nem eles sabem exatamente o que fazer ainda. Esse tipo de projeto é demorado, são muitas etapas. E na verdade, agora nem penso muito nisso. Já não está em minhas mãos, então meu foco agora é escrever as outras histórias e deixar essa questão rolando.

O seu conto Pá de Cal está na Amazon, disponível para download, ele tem um Q de Jogos Vorazes mas trata-se muito da busca da felicidade, da busca do conhecimento de si mesmo. Você vai continuar escrevendo nessa pegada distópica?
Eu não penso muito em gêneros. Nunca pensei em ser um autor de romance policial. O que aconteceu foi que a história d’O sorriso da hiena pediu uma trama policial. A história de Pá de Cal pediu essa pegada mais futurística e distópica. Então eu me deixo levar pelo o que a história pede. O segundo livro também será um policial. Já o terceiro fugirá um pouco, será uma pegada mais de “jornada de um homem em busca de algo”, uma jornada literalmente. Ele se passará na África e no Brasil. Então não me prendo na questão de gênero. O que a história pedir é a que vou escrever.


Tirado do site Conjunto da Obra
Em meio a tantas reformas educacionais nesse momento do país, como a educação e os seus professores te levaram ao ponto que você está hoje?
Gosto sempre de dizer que foi um professor que me colocou no caminho da escrita. Eu estudei publicidade e propaganda e tinha um professor (um salve pra você, professor Zé Luiz!) que também era dono de uma agência. Quando eu estudava eu pensava em ir para o lado da direção de arte. Para quem não sabe como funciona o trabalho de criação dentro de uma agência, resumidamente existem duas funções: direção de arte, que mexe mais com a parte gráfica, e redação, que trabalha mais os textos. Isso, falando bem superficialmente. Quando fiz a entrevista na agência desse professor ele disse que me contrataria, mas não como diretor de arte, como eu queria, e sim como redator, porque ele achava que tinha mais a minha cara. E ele realmente estava certo. Por isso que eu sempre digo que foi um professor que viu em mim aquilo que eu ainda não tinha visto. Pena que eles, os professores, são tão desvalorizados no nosso país. Eles são diretamente responsáveis pelos caminhos que seguimos e muitas vezes conseguem ver em nós aquilo que nem mesmo a gente enxerga ainda. Precisamos valorizar mais esses profissionais, essas pessoas. São elas que nos formam e ajudam a moldar nossos pensamentos com sua experiência e conhecimento.


Robert Louis Stevenson e Mia Couto
Quais autores te influenciaram e se você tem alguma dica para autores iniciantes.
Eu não tenho o costume de ler muitas obras do mesmo autor. Eu vou lendo de forma mais aleatória que seguindo algum autor específico. Mas, atualmente, um que tenho lido bastante é Mia Couto. Gosto muito das histórias dele, da forma sensível como ele escreve. Como ele é de Moçambique, ele costuma trabalhar muito da cultura africana em seus livros, o que eu gosto demais. Mas a forma como ele escreve é totalmente diferente da minha. Acredito que ele me influência em tentar tocar o leitor de uma forma mais humana. E um autor, de uma obra específica, que tem total influência no que eu pretendo (e espero alcançar) nas minhas histórias, é Robert Louis Stevenson, que escreveu O médico e o monstro. Essa é uma obra que vai permanecer atual pra sempre, porque ela vai no ponto do que é o ser humano, e isso nunca vai mudar, essa nossa divisão sem balanço do bem e do mal. Essa obra nunca vai morrer e ela fala com todos e sobre todos. E eu quero isso pra mim. Quero conseguir escrever histórias que falam de nós, das pessoas, do que temos dentro da gente, do que nos toca, do que nos transforma.

Para saber mais sobre o autor e o livro:
Um regresso moral - O sorriso da hiena (Gustavo Ávila) [CONTÉM SPOILER!]
Notícias do mundo policial: Gustavo Ávila, Raphael Montes e Victor Bonini
Notícias: Mundos Paralelos, William Hope e capa nova de O sorriso da hiena
O sorriso da hiena está em pré-venda na Amazon, Saraiva e Livraria Cultura