sexta-feira, 26 de maio de 2017

Antônio Carlos: "O que houve no Brasil, e em grande parte do mundo, foi a desarticulação da classe trabalhadora por meio do dinamismo do capital e da fragmentação da classe dominada por meio de intenso trabalho de alienação ideológica"


Mestre pela Universidade Nove de Julho (UNINOVE), Antônio Carlos, é escritor, filósofo, teólogo e advogado - Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus e nos deu uma pequena entrevista sobre o Brasil e sobre todas as atualidades.


Embora a teoria marxista tenha sido um divisor de águas na história da filosofia política proporcionando um novo olhar sobre a estrutura do Estado, é importante entender que tal teoria foi escrita no século XIX diante dos problemas postos àquela época

A direita cresce no Brasil e algumas pesquisas apontam que o conservadorismo subiu no país comparado a alguns anos, mesmo o governo tendendo mais a esquerda. Como isso é explicável? 
Ao meu ver a Direita não cresce no Brasil, a Direita é o Brasil. Qual é a real situação da esquerda brasileira? Entendo que os partidos simpatizantes com ideais de esquerda no Brasil (apenas ideologicamente porque não prática nunca romperam com o sistema de classes),começando pelo PT (Partido dos Trabalhadores), que era, ao menos, a espinha dorsal, acabou se aristocratizando e transformando-se em refúgio de intelectuais, artistas, teóricos, predominantemente da da classe média alta.Os sindicatos se perderam em burocracia e interesses alheios à organização da classe proletária, servindo, em alguns casos, muito mais à interesses da classe dominante (banqueiros e grandes empresas) do que com a multidão de trabalhadores marginalizados. O que houve no Brasil, e em grande parte do mundo, foi a desarticulação da classe trabalhadora por meio do dinamismo do capital e da fragmentação da classe dominada por meio de intenso trabalho de alienação ideológica pela massificação da cultura e pela política do consumismo. Não devemos esquecer que o Estado nasceu em sua gênese para atender os interesses econômicos de uma classe e assim vem se portando ao longo da História, sendo a classe trabalhadora mera "massa de manobra".

Vários aspectos do marxismo são alvos de críticas. Diversos autores levantaram objeções ao pensamento político e filosófico de Karl Marx. Elas tem razão em algum aspecto?
Ao criticarmos Marx (e eu me incluo nesse time), devemos, sobretudo considerar que o seu objeto de pesquisa é a sociedade industrial burguesa do século 19. Em meu livro: A Eficiência do Estado no Mundo Globalizado, lançado recentemente pela Editora Lumen Juris, eu dialogo com autores marxistas, o que nos proporciona fazer uma abordagem crítica ao processo de evolução histórica do Estado ocidental, desde a modernidade, cotejando a ligação dos propósitos estatais aos interesses econômicos, sobretudo aos interesses de uma classe economicamente dominante: a burguesia. O problema é que, embora a teoria marxista tenha sido um divisor de águas na história da filosofia política proporcionando um novo olhar sobre a estrutura do Estado, é importante entender que tal teoria foi escrita no século XIX diante dos problemas postos àquela época. Marx construiu uma teoria de base até hoje utilizada e válida, mas, quando fazemos uma análise do Estado, temos que chamar a atenção para alguns conceitos, principalmente no que concerne à sociedade de classes na pós-modernidade, ou seja, o papel do Estado "burguês" na modernidade líquida com diversas identidades que se recriaram. Marx morreu em 1883, o primeiro volume de sua principal obra, "O Capital", completou 150 anos agora em 2017 e apesar de Marx não ter assistido a consolidação do capitalismo, a Revolução Russa, o crack da bolsa de Nova York, a Guerra Civil Espanhola, a ascensão dos Estados Totalitários (fascista e nazista), a crise do petróleo da década de 1970, o Consenso de Washington, o neoliberalismo e a Globalização, seu diagnóstico sobre o futuro da sociedade de: "produção-consumo", foi perfeito.

Estamos embriagados por senso comum, ou estamos caminhando para o bom senso?
Gosto de dizer que na nova classe dominante figuram os atores responsáveis pela reorganização geoeconômica global, como as corporações transnacionais que disputam o controle do espaço econômico no mundo e as poderosas instituições ligadas ao sistema financeiro mundial. Além da elite capitalista local, que partilham comumente de uma condição socioeconômica privilegiada e detém comum interesse nas relações do poder político e do controle social. Por outro lado, temos uma nova classe de dominados, desestruturada e fragmentada, escondidos na figura da "classe média". A dominação agora se retrata na exploração das nações ricas e do capital transnacional em detrimento das nações pobres do globo, gerando uma multidão de excluídos. Nesse contexto a alienação de classe continua e grande parte da sociedade continua presa na ideologia. Muitas vezes reproduzem os ideais da classe dominante porque sequer têm consciência que pertencem à uma classe. Essa ideia foi diluída na pós-modernidade com a "morte das ideologias" (o que costumo chamar de fim dos "ismos": socialismo, comunismo, anarquismo e etc.). Nesse sentido acredito que estamos longe de uma emancipação e de uma consciência de classe, mas cada vez mais alienados em um sistema de falseamento da realidade e das estruturas sociais em benefício de um novo capital, um capital "sem rosto", especulativo, flutuante e invisível.

Na sua opinião, porque tantas pessoas foram às ruas? Tanto a direita e a esquerda parecem descontentes com o país. O que os difere? Estamos vivendo uma anomia política e sociocultural?
Escrevi um artigo em 2013, no auge das manifestações sociais no Brasil, denominado Desobediência civil na sociedade brasileira: reflexões sobre participação politica e representatividade sob a luz do pensamento de Hannah Arendt, nele trabalhei a ideia de que o "Gigante Acordou" não passa de "ondas sociais", termo cunhado por Durkheim, visto que permaneço reticente a esta ideia. Ora, a ideologia é um processo no qual as ideias, os valores, da classe dominante se transformam em ideias e valores prevalecentes de todas as classes sociais. Por isso, uma sociedade controlada ideologicamente se assemelha a uma sociedade totalitária, o que não se ajusta com o sentido de democracia. Sendo plenamente possível concebermos, sob esse prisma, uma sociedade controlada/manipulada ideologicamente por meio da "grande mídia" com a manutenção velada do status quo de dominação e exploração e que se apresente como "social democracia", no sentido de liberdade de escolha e consenso social. Por isso, gosto muito da famosa citação do escritor inglês Aldous Huxley, extraída da obra Admirável Mundo Novo, de que: "A ditadura perfeita terá a aparência de democracia, uma prisão sem muros onde os prisioneiros não sonharão sequer com a fuga. Um sistema de escravatura, onde graças ao consumo e ao divertimento, os escravos terão amor à sua escravidão". Essa idiota bipolarização da politica é algo incentivado pela "grande mídia", pois o povo dividido é mais fácil de ser dominado. É evidente que o "inimigo" é comum, mas não sabemos disso, justamente por estarmos presos (alienados) pela ideologia.

Em uma entrevista recente para esse blog, sobre as reformas propostas pelo Governo, Rodolfo Gatti, membro do Livres, disse que o seu ideal de previdência, educação e trabalho se resumiam no fim da Previdência, do MEC e da CLT. Está bom do jeito que está? E em meio a tantas reformas educacionais nesse momento do país, como a educação e os seus professores te levaram ao ponto que você está hoje?
Um ponto muito crítico e ao mesmo tempo crucial de emancipação social é a Educação. Nenhuma grande nação do mundo emancipou-se sem passar por um projeto sério de educação de seu povo. Não é preciso mencionar que um povo educado, cidadão, ciente de seus direitos e, sobretudo, seus deveres, é uma ameaça à ordem dominante vigente. Por isso vejo as discussões neste nível sempre de forma demagoga, pois resta evidente que a Educação é um bem restrito à poucos, à mesma elite dominante à séculos. Vez que um povo ignorante é mais fácil de ser dominado/controlado. A Industria Cultural tem feito seu papel de imbecilização das massas, filmes, musicas, programas, novelas, entretenimento em geral, cada vez de pior qualidade que impedem às pessoas, sobretudo os jovens, de refletir a real estrutura que o cerca: a eterna luta: capital x trabalho, o inequívoco: "motor da história". Mas me alegra saber que pessoas rompem essa cortina de alienação e quebram paradigmas. As ações afirmativas, nesse sentido, tem sido essencial. Gostaria de ter a "fórmula mágica da paz", mas não há outro caminho senão a libertação, a autonomia pessoal, o desenvolvimento e emancipação humana por meio da EDUCAÇÃO. A Constituição "cidadã", promulgada no bojo do Estado do Bem-Estar Social (que está sendo esfacelado para implementação da ideologia neoliberal) deu as chaves do castelo. Precisamos buscar essa consciência e lutar para que tais direitos sejam assegurados. Não há outro caminho!

Após as eleições municipais foram aparecendo possíveis nomes e forças políticas para a eleição de 2018. Se a eleição para presidente fosse hoje, em quem você votaria?
Estou observando a movimentação politica do pais e temo por esse cenário de "esvaziamento" político. O nazismo, o fascismo e outras forças autoritárias surgiram em ambientes semelhantes. Estou esperando a movimentação das forças de resistência à globalização hegemônica, estudando as propostas, mas ainda não tenho um nome, justamente por falta de um projeto politico bem definido pelos partidos que ai estão. Já me senti coercitivamente levado à pensar no Lula, mas minha consciência não permitiria diante de tantas denuncias irrefutáveis de indícios e materialidade de autoria em crimes contra o erário. Já flertei com Ciro Gomes, por acha-lo um nome mais preparado e com uma proposta mais coesa. Mas, sinceramente não tenho um nome. Temo pelos incautos que querem eleger um "salvador da pátria" em forma de "mito", ou tenhamos que ficar naquela situação de eleger o "menos pior". Isso é um péssimo cenário político.

Quais autores te influenciaram? Você tem alguma dica para leitura (literatura, política, economia, etc)?
Muitos autores me influenciaram, desde Karl Marx à Adam Smith, de Boaventura Sousa Santos à Fernando Henrique Cardoso. Mas alguns livros eu acho obrigatórios para o entendimento da formação do povo brasileiro: Casa Grande e Senzala (Gilberto Freyre), Raízes do Brasil (Sérgio Buarque de Holanda), Formação do Brasil Contemporâneo (Caio Prado Jr.), O Povo Brasileiro (Darcy Ribeiro). Além disso, impossível não citarmos: O Principe (Nicolau Maquiavel), Discurso Sobre a origem da Desigualdade entre os Homens (Jean-Jacques Rousseau), A Política (Aristóteles) e Modernidade Liquida (Zygmunt Bauman).

OUTRAS OBRAS DO AUTOR:
Curso Básico de Sociologia
Introdução a História da Filosofia 1
A Eficiência do Estado no Mundo Globalizado