terça-feira, 2 de setembro de 2025

Oxum é transformada de pavão em abutre - Reginaldo Prandi


Nos primeiros tempos do mundo, aconteceu uma rebelião dos Orixás contra Olodumaré. Achando que o Senhor Supremo vivia muito longe de tudo, dividindo entre eles mesmos todo o poder do axé, pensando em até mesmo destronar Olodumaré.

Quando a noticia da conspiração chegou aos ouvidos de Olorum, sua reação foi simples e imediata: retirou a chuva da terra e a prendeu no céu. Não tardou para que aiê fosse atormentado por terrível seca. com a seca veio a fome e com a fome veio a morte.

Os homens começaram a morrer. Logo o ronco das barrigas e a palidez das faces começaram a falar mais alto que o orgulho dos rebeldes e seus planos de levante. Unanimemente os Orixás decidiram ir a Olodumaré implorar por perdão, esperando que a chuva caísse de novo e que tudo o mais na Terra voltasse ao normal.

Mas eles tinham um problema: como chegar a inalcançável e distante casa do Senhor Supremo? Enviaram todas as espécies de pássaros, que voavam para o céu até o total esgotamento, sem sequer se aproximar da casa de Olodumaré. As esperanças já se diluíam em tanto fracasso. A seca e a fome devastavam a Terra e seus habitantes.

Foi quando Oxum resolveu intervir. Transformada em um belíssimo pavão ela se prontificou a ir até Olodumaré. Um tremor de gargalhadas sacudiu a Terra. Como aquela criatura pretendia voar até o inalcançável? Justamente aquela mimada, vaidosa e fútil ave! "Vais acabar te machucando, gracinha", riam os Orixás.

Mas como nada tinham a perder, aceitaram. E lá se foi Oxum-pavão seguindo em direção ao sol, voando ás alturas do Orum em busca do Palácio do Senhor. Voando mais alto e mais alto, a ave perdia as forças, mas não desanimava de sua inquebrantável determinação.

O sol foi enegrecendo suas penas, muitas se queimaram. As penas da cabeça ficaram ressequidas e quebradiças; o pavão tinha queimadura pelo corpo todo, seu estado era miserável. Mas lá ia Oxum voando em direção ao sol.

Quase morta, chegou ás portas do palácio de Olodumaré. Olodumaré se compadeceu da pobre criatura. Acolheu-a, deu-lhe água e a alimentou. Por que fizera tão impossível jornada perguntou ao pavão, que de pavão perdera toda a graça e beleza. agora era uma ave feia, careca e de penas queimadas á qual, quando ela voltou, chamaram de abutre.

Fizera o sacrifício pelas suas crianças, a humanidade, ela explicou ao Ser Supremo. Olodumaré, penalizado com a pobre ave, deu -lhe a chuva para que ela a devolvesse a Terra. E nomeou o abutre mensageiro seu, pois só ele vence a inalcançável distância em que está Olodumaré.

O abutre então voltou a Terra trazendo a chuva. Oxum-abutre trouxe a chuva de volta e com ela a fertilidade do solo e os alimentos. E graças a Oxum a humanidade não pereceu.