terça-feira, 9 de abril de 2024

A resposta histórica de 1924 do clube Real Vasco da Gama - via Vasco da Gama


Depois de atropelar os adversários no ano anterior, em 1924 o Vasco já era o inimigo número 1 das demais torcidas cariocas. Um rival a ser batido, de qualquer maneira. E já que era difícil batê-lo em campo, os dirigentes dos clubes rivais resolveram investigar as atividades profissionais e sociais dos camisas negras, uma vez que o futebol ainda era amador e os jogadores não podiam receber salário por praticarem o esporte. Um verdadeiro golpe para tirar o Vasco das disputas.

Na verdade, o que não agradava os adversários era a origem daqueles jogadores: um time formado por negros, mulatos e operários, arrebanhados nas áreas pobres da cidade do Rio de Janeiro.

Depois de esgotadas todas as possibilidades de retirar o Vasco da disputa, por intermédio do regulamento da Liga Metropolitana, os adversários apelaram para a criação de uma nova entidade, a Associação Metropolitana de Esportes Athléticos (AMEA) e recusaram a inscrição dos vascaínos. Segundo os dirigentes adversários, o time cruzmaltino era formado por atletas de profissão duvidosa e o clube não contava com um estádio em boas condições.

Nesse contexto, a AMEA solicitou ao Vasco que excluísse doze de seus jogadores da competição que, não por coincidência, eram todos negros e operários. O Club de Regatas Vasco da Gama recusou a proposta prontamente. E através de uma carta histórica de José Augusto Prestes, então presidente cruzmaltino, o Gigante da Colina mostrou sua total indignação à discriminação racial: “Estamos certos de que Vossa Excelência será o primeiro a reconhecer que seria um ato pouco digno de nossa parte sacrificar, ao desejo de filiar-se à Amea, alguns dos que lutaram para que tivéssemos, entre outras vitórias, a do Campeonato de Futebol da Cidade do Rio de Janeiro de 1923 (…) Nestes termos, sentimos ter de comunicar a Vossa Excelência que desistimos de fazer parte da AMEA”. Vítima do racismo de seus adversários, restou ao Vasco disputar, com outros times de menor expressão, o campeonato da abandonada Liga Metropolitana de Desportos Terrestres.

Nesse dia histórico, o futebol brasileiro começou a ser do povo. Começou a forjar a tolerância, traço fundamental da cultura brasileira, que possibilitou a diversidade e a riqueza racial e cultural que vivenciamos hoje. No ano de 1923 começou a ser possível conhecermos Pelé, Garrincha, Didi, Barbosa, Romário e tantos e tantos outros talentos inigualáveis do nosso esporte. E o Vasco deu o seu mais importante passo para ser o gigante no qual ele se tornou.

O ingresso do Vasco na AMEA foi aprovado em tempo para o campeonato de 1925, com os mesmos direitos que os clubes fundadores. Os “camisas negras” obtiveram a terceira colocação na volta ao convívio com os principais clubes do Rio de Janeiro, em 1925, e conquistaram o vice-campeonato no ano seguinte.

Confira na íntegra a Resposta Histórica:


Rio de Janeiro, 7 de Abril de 1924.

Officio No 261

Exmo. Snr. Dr. Arnaldo Guinle, M. D. Presidente da Associação Metropolitana de Esportes Athleticos.

As resoluções divulgadas hoje pela Imprensa, tomadas em reunião de hontem pelos altos poderes da Associação a que V. Exa. tão dignamente preside, collocam o Club de Regatas Vasco da Gama numa tal situação de inferioridade, que absolutamente não pode ser justificada, nem pelas defficiencias do nosso campo, nem pela simplicidade da nossa séde, nem pela condição modesta de grande numero dos nossos associados.

Os previlegios concedidos aos cinco clubs fundadores da A.M.E.A., e a forma porque será exercido o direito de discussão a voto, e feitas as futuras classificações, obrigam-nos a lavrar o nosso protesto contra as citadas resoluções.

Quanto á condição de eliminarmos doze dos nossos jogadores das nossas equipes, resolveu por unanimidade a Directoria do C.R. Vasco da Gama não a dever acceitar, por não se conformar com o processo porque foi feita a investigação das posições sociaes desses nossos consocios, investigação levada a um tribunal onde não tiveram nem representação nem defesa.

Estamos certos que V. Exa. será o primeiro a reconhecer que seria um acto pouco digno da nossa parte, sacrificar ao desejo de fazer parte da A.M.E.A., alguns dos que luctaram para que tivessemos entre outras victorias, a do Campeonato de Foot-Ball da Cidade do Rio de Janeiro de 1923.

São esses doze jogadores, jovens, quasi todos brasileiros, no começo de sua carreira, e o acto publico que os pode macular, nunca será praticado com a solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu, nem sob o pavilhão que elles com tanta galhardia cobriram de glorias.

Nestes termos, sentimos ter que comunicar a V. Exa. que desistimos de fazer parte da A.M.E.A.

Queira V. Exa. acceitar os protestos da maior consideração estima de quem tem a honra de subscrever

De V. Exa. Atto Vnr., Obrigado.

José Augusto Prestes

Presidente”