I – DOS FATOS
Uma mulher de nome JANAÍNA APARECIDA AQUINO, 36 anos, presa por tráfico ilícito de drogas (vide art. 33 da Lei n.º 11.343/06) foi submetida a um “procedimento” médico denominado esterilização humana.
Segundo relato, bem como o que consta da ação civil pública (autos n.º 1001521-57.2017) manejada pelo Ministério Público bandeirante, como JANAÍNA é pobre, vive em situação de rua e apresenta dependência química seria necessário submetê-la a procedimento de laqueadura tubária.
O Ministério Público afirmou ainda que não restaria outra alternativa senão o ajuizamento da ação para compelir o município de Mococa/SP a realizar o procedimento, bem como submeter a mulher mesmo contra a sua vontade a tal procedimento, pois esta já havia demonstrado interesse em realizar a esterilização, mas que perdia o interesse quando sob o efeito de álcool. Ademais, alega-se que ela assinou certidão na qual concordava com o procedimento cirúrgico.
Conforme nota de repúdio do Instituto de Garantias Penais (IGP) a mulher compareceu ao Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) para retirar todos os pedidos de exames agendados com esse objetivo. No entanto, o MM. Juiz da Comarca de Mococa/SP deferiu o requerimento do MP e ordenou que fosse realizada a intervenção cirúrgica mediante condução coercitiva.
Ademais, a mulher não teve direito ao fornecimento de defensor público e, também, não foi nomeado curador especial para representa-la judicialmente.
Posteriormente, a Penitenciária Feminina de Mogi Guaçu informou ao juiz que, após o parto do oitavo filho, a mulher foi submetida à cirurgia de laqueadura tubária na Maternidade da Santa Casa, atendendo à determinação do Poder Judiciário.
A supracitada decisão judicial foi anulada pelo E. TJ/SP, uma vez que se tratava de procedimento médico invasivo, que lesa a integridade física de forma irreversível, no entanto, o procedimento já havia sido realizado.
Basicamente, esta é a síntese do necessário, conforme informações veiculadas na rede.
II – DO PROCEDIMENTO REALIZADO
O procedimento judicial empregado foi realizado ao total arrepio da legislação brasileira, haja vista que a suposta vítima não teve direito de assistência da defensoria pública (vide art. 134 da CF), bem como não lhe foi nomeado curador especial, em virtude de sua dependência química, ou seja, JANAÍNA foi tratada não como sujeito processual, mas como mero objeto, em flagrante violação aos mais basilares princípios constitucionais, sobretudo, a dignidade da pessoa humana (vide art. 1.º, inciso III da CF), foi, portanto, “coisificada”.
Com base nas informações veiculadas, bem como do próprio Acórdão do E. Tribunal de Justiça, a decisão viola o disposto no art. 10 da Lei n.º 9.263/96, que regula as questões atinentes ao planejamento familiar e estabelece outras penalidades.
O dispositivo supramencionado somente autoriza a esterilização quando devidamente voluntária, por pessoa plenamente capaz de consentir o ato. Ademais, o art. 10 §2.º Veda a esterilização cirúrgica em mulher durante os períodos de parto ou aborto, salvo em casos de estado de necessidade. Outrossim, o art. 10 §3.º dispõe, in verbis: “Não será considerada a manifestação de vontade, na forma do § 1.º, expressa durante ocorrência de alterações na capacidade de discernimento por influência de álcool, drogas, estados emocionais alterados ou incapacidade mental temporária ou permanente”.
Assim, diante da síntese apresentada, não há dúvida sobre a manifesta ilegalidade do procedimento judicial adotado. Esse procedimento apresenta características semelhantes àqueles realizados durante o III Reich alemão. Ao que parece, com cheiro tupiniquim, as Leis de Nuremberg estão vivas aqui no Brasil!
Sem dúvidas que HITLER, GÖRING, BORMANN, HESS, GOEBBELS e muitos outros nazistas ficariam satisfeitos e festejariam a decisão judicial brasileira, aqui comentada. Alguns brasileiros, infelizmente, também! Triste, muito triste...
Por conseguinte, o procedimento realizado é ilegal e apresenta característica nazi! Autêntica manifestação do DIREITO PENAL DO INIMIGO de GÜNTHER JAKOBS.
III – RESPONSABILIDADE PENAL
No nosso entendimento, data máxima vênia, em respeito aos mais entendidos, no caso concreto, ocorreu crime grave, senão vejamos:
A conduta, a priori, em razão do princípio da especialidade, se coaduna ao tipo penal do art. 15 da Lei n.º 9.263/96, dispositivo inicialmente vetado pelo Presidente da República e, posteriormente, mantido pelo Congresso Nacional e devidamente promulgado. O tipo legal supracitado tem a seguinte redação:
Art. 15. Realizar esterilização cirúrgica em desacordo com o estabelecido no art. 10 desta Lei.
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, se a prática não constitui crime mais grave.
Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço se a esterilização for praticada:
I - durante os períodos de parto ou aborto, salvo o disposto no inciso II do art. 10 desta Lei.
II - com manifestação da vontade do esterilizado expressa durante a ocorrência de alterações na capacidade de discernimento por influência de álcool, drogas, estados emocionais alterados ou incapacidade mental temporária ou permanente;
III - através de histerectomia e ooforectomia;
IV - em pessoa absolutamente incapaz, sem autorização judicial;
V - através de cesária indicada para fim exclusivo de esterilização.
Portanto, os procedimentos de laqueadura e vasectomia estão autorizados, desde que com o devido consentimento do paciente, nos exatos termos do art. 10 da Lei n.º 9.263/96, o que configura atipicidade formal. Essa legislação foi criado justamente para impedir que médicos fossem considerados autores de fato típico de lesão corporal gravíssima, já que nesses casos o bem jurídico integridade física era considerado indisponível.
A esterilização, quando realizada sob o manto do art. 10 da Lei n.º 9.263/96, é considerada fato atípico. No caso concreto, a conduta, ao que tudo indica foi realizada sem o devido consentimento ou com manifestação de vontade viciada, em razão do art. 15, inciso II da referida legislação.
É imperioso salientar que, em decorrência do que dispõe o art. 29 do CP, todos que, de alguma forma, tenham contribuído para o cometimento do crime respondem na medida de sua culpabilidade, tanto aqueles que, tendo potencial consciência da ilicitude, executaram o verbo “REALIZAR” do tipo supratranscrito, portanto, autores imediatos, como aqueles que participaram de forma acessória ordenando ou induzindo a realização da esterilização.
Entretanto, é importante salientar que para esses indivíduos, autores e partícipes de eventuais infrações penais, defendemos, também, o respeito da legalidade e, sobretudo, dos princípios decorrentes do Devido Processo Legal (vide art. 5.º, incisos LIII, LIV e LV da CF), de modo que deve ser instaurada uma investigação preliminar e, posteriormente, se for o caso, um processo penal para apuração dos fatos.
Assim sendo, em virtude do princípio da especialidade, entendemos afastados os crimes de lesão corporal gravíssima previsto no art. 129 §2.º, inciso III do CP, bem como o de tortura previsto no art. 1.º, §1.º da Lei n.º 9.455/97, haja vista a norma pena incriminadora especial. Portanto, no caso, o conflito aparente de normas penais é afastado pelo princípio da especialidade.
A apuração dos fatos não pode permanecer apenas nas C. Corregedorias, no âmbito administrativo, mas, sobretudo, no âmbito judicial, haja vista possível responsabilidade penal.
Como já foi dito por certos membros do Poder Judiciário: "Prevalece,enfim, o ditado "não importa o quão alto você esteja, a lei ainda está acima de você" (uma adaptação livre de "be you never so high the law is above you").
IV – CONCLUSÃO
Diante de tudo, aparentemente está caracterizado crime de esterilização irregular previsto no art. 15 da Lei n.º 9.263/96, que protege bens jurídicos relevantes, como o direito ao planejamento familiar e, sobretudo, a própria integridade física.
De nossa parte, condenamos veementemente o eugenismo por iniciativa de quem quer que seja, sobretudo do próprio “Estado Democrático de Direito”, quando este objetiva a eliminação das pessoas consideradas “indesejáveis” do circuito procriativo, de modo que não se pode erradicar doenças ou a própria miséria eliminando pura e simplesmente o direito reprodutivo de certas pessoas.
Quem poderá nos salvar das patas autoritárias, sujas e punitivas do Estado monstruoso que se tornou a República Federativa do BRASIL!
V - SOBRE ESSE TEMA RECOMENDAMOS:
BRAGA, Hans Robert Dalbello. Manual de direito penal: parte geral; coordenadores: Alexandre Ormonde, Luiz Roberto Carboni e Sérgio Gabriel. São Paulo: Rideel, 2018.
CONDE, Francisco Muñoz. Edmund Mezger y el Derecho penal de su tempo: Estudios sobre el Derecho penal em el Nacional socialismo. 4. ed. Valencia: Tirant lo Bllanch, 2003.
EVANS, Richard J. O terceiro Reich no Poder. Tradução Lúcia Brito. São Paulo: Planeta, 2014. pp. 605-624.
VIEIRA, Tereza Rodrigues. Bioética e direito. São Paulo; Editora Jurídica Brasileira, 1999.
Hans Robert Dalbello Braga é professor de Direito Penal, Direito Processual Penal e Prática Jurídica Penal na Universidade Nove de Julho. Possui graduação em Direito pela Universidade Nove de Julho (2011). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal e Processo Penal. Advogado Criminalista, aprovado no V Exame de Ordem. Pós-Graduado em Direito Penal pela Universidade Nove de Julho Sob orientação do Professor e mestre Claudio Mikio Suzuki para produção do Artigo para a Conclusão de Pós Graduação (A aplicação da teoria da tipicidade conglobante nas condutas do agentes infiltrados em organizações criminosas), publicado em obra coletiva . Aluno Regular do Curso de Mestrado em Direito da Universidade Nove de Julho.