Game of Thrones Card Game, Arte de Anna Mitura |
A Wikipédia classifica grimdark como:
um subgênero ou uma forma de descrever um tom, estilo ou padrão da ficção especulativa (especialmente a fantasia) que é, dependendo da definição usada, marcada pelo distopico e o amoral, sendo particularmente violenta ou realista. O nome foi inspirado na tagline dos livros do jogo de estratégia Warhammer 40.000: “In the grim darkness of the far future, there is only war” (Na escuridão cruel do futuro distante, existe apenas a guerra).
Houve várias tentativas de se definir o que é e o que não é grimdark. Adam Roberts descreveu o gênero como uma ficção “onde ninguém tem honra e onde o poder é um direito” e diz que é o nome a que se refere a literatura que escapa das visões idealizadas da fantasia medieval, dando ênfase ao quão desagradável, brutal, sombria e curta a vida realmente era neste cenário, mas ele observou que o grimdark tem pouco a ver com re-imaginar a realidade histórica e mais com transmitir a sensação de que o nosso próprio mundo é um lugar “cínico, desiludido e ultraviolento”.
Dentro desta leitura, podemos dizer que o grimdark é um espelho da nossa realidade, refletindo a crueldade e o cinismo da nossa própria sociedade, embora transportados para cenários fantásticos, enfatizando-os, ou não, para o desenvolvimento do enredo.
Já para Jared Shurin, fantasia grimdark tem três componentes principais: um tom sombrio e pessimista, um certo senso de realismo (por exemplo, os monarcas são inúteis e os heróis são falhos), e a ação dos protagonistas: enquanto na alta fantasia tudo é predestinado e a tensão gira em torno de como os heróis vão derrotar o Lorde das Trevas, no grimdark os personagens têm que escolher entre o bem e o mal e estão tão perdidos como todos nós.
É possível dizer neste caso que a fantasia grimdark é uma resposta ao otimismo da alta fantasia, onde atravessando por diversas provações e mesmo as custas de grandes sacrifícios, existe uma certeza de vitória do bem no final e uma restauração do ponto de equilíbrio do universo. O grimdark não se compromete com essa vitória e não promete finais felizes. Pelo contrário, como todo o tom niilista do livro, o final de uma obra grimdark costuma ser ácido e pessimista.
Heroes, Arte de Raymond Swanland |
Liz Bourke diz algo parecido, considerando como característica definidora de grimdark ser “uma retirada da valorização das trevas pelo amor das trevas, em uma espécie de niilismo que retrata toda ação correta como impossível ou inútil”. Segundo ela, isso tem o efeito de absolver os protagonistas, bem como o leitor de responsabilidade moral.
Assim, entendendo as “trevas” como parte inerente de todos os personagens, aceitamos que todos são capazes de boas e más ações, cabendo a cada um entender o contexto em que ela foi inserida. Em nome da coerência narrativa, porém, é preciso fugir das fórmulas simples de ultraviolência injustificada. Entender que todos os personagens têm seu lado sombrio é entender que ele também possuí alguma forma de luz e é justamente esse embate entre certo e errado que o torna interessante. A questão, desta forma, vai além da redenção ou danação do personagem por seu comportamento e termina por nivelar os personagens de acordo com critérios sombrios onde nada parece ter solução.
Se grimdark é um gênero em si mesmo ou um rótulo inútil também foi discutido. Genevieve Valentine observou que, embora alguns escritores adotem o termo, outros o vêem como “uma chancela aplicada injustamente e como um termo de desprezo para a fantasia que está se desmontando em modelos”, a autora porém entende que esse modelo de contar a história tem sua riqueza nos conflitos internos e externos destes personagens e em como isso manobra a política do mundo, onde quase que invariavelmente o poder leva a decisões extremas e resultados cada vez mais drásticos.
Já Roberts, diz que o grimdark é uma forma moderna de literatura “anti-tolkien” para abordar a criação fantástica. O livro grimdark mais bem-sucedido e popular atualmente é “A Canção de Gelo e Fogo” de George R. R. Martin, que Roberts caracteriza como uma reação ao idealismo de Tolkien, embora Martin continue se inspirando na sua obra.
Michael Moorcock foi um ávido defensor da literatura anti-tolkien, acreditando em um universo onde forças de ordem e do caos se digladiavam com igual falta de escrúpulos e com resultados violentos, independente do seu vencedor. Seu anti-herói, Elric era a síntese de tudo o que Moorcock entendia sobre essa questão. Uma corrupção dos alto-elfos de Tolkien, violento, diabólico, cruel e ainda assim capaz das mais simples emoções humanas como amor e medo. Talvez em Moorcock tenhamos a protogênese do que viria a ser o grimdark, embora ele mesmo se reconheça como um autor de Espada e Feitiçaria. Sua luta contra o enredo de alta-fantasia, porém, é algo que devemos ter como inspirador.
Arte de Michael Kormack |
Para a autora T. Frohock, existe um problema de ordem prática em definir o que é grimdark. Ela critica a simples definição de grimdark como um cenário de escuridão, com péssimas expectativas de vida para as pessoas que vivem nele, já que boa parte dos romances distópicos atuais para jovens se enquadrariam nessa descrição. Uma vez que tais romances tendem a se concentrar em jovens protagonistas que trazem luz a essa escuridão, com coragem para mudar o cenário, eles acabam fugindo do niilismo característico da literatura grimdark.
Já para a existência do sobrenatural característico da fantasia grimdark, pede-se atenção, uma vez em que nesse tipo de literatura o sobrenatural surge como uma força passiva sob o controle dos seres humanos, caso contrário estaríamos lidando com literatura de horror, onde o sobrenatural é uma entidade ativa agindo contra os outros personagens da história.
É importante para o grimdark a percepção de que todos são mortais, mesmo quando manipulam forças sobrenaturais para seus objetivos.
Para resolver a definição da Wikipédia abrangendo essas questões, T. Frohock sugere a seguinte correção ao verbete:
Grindark é um subgênero ou uma forma de descrever um tom, estilo ou padrão da ficção especulativa (especialmente a fantasia) que é, dependendo da definição usada, marcada pelo distópico e o amoral, sendo particularmente realista na sua representação da violência. Na maior parte da literatura grimdark o sobrenatural é uma força passiva, controlado por seres humanos, ao contrário do terror sobrenatural onde as forças sobrenaturais são mais frequentemente uma entidade ativa em ação.
Com isso, ela elimina a questão do realismo da equação e estabelece os traços que distingue horror e grimdark. A autora sugere que com o tempo, uma definição mais clara, tornará mais fácil distinguir o subgênero e discutí-lo, sem confundí-lo com outros subgêneros.
De 1990 em diante, muitos autores de fantasia passaram a ser descritos como grimdark. Destes, Joe Abercrombie, Richard K. Morgan e Mark Lawrence, são apenas os nomes mais conhecidos.
A existência da ultra-violência e de personagens de moralismo duvidoso, porém, tornou o gênero fértil em ideias preconceituosas, sempre com a justificativa de que “este é o mundo real”. De fato, apesar de estarmos expostos a uma sociedade preconceituosa, homofóbica, misógina e violenta e apesar da fantasia grimdark espelhar esse comportamento através de uma mimese da sociedade, existe a possibilidade – e eu diria o dever – de combater tais tendências, dando voz e poder àqueles que comumente são tratados como as vítimas destes preconceitos. No meu entender, isso só vai acontecer quando o grimdark deixar de ser dominada por homens brancos heterossexuais e ter uma representatividade igual entre gêneros, raças e credos, de forma a abordar também suas angústias e questões morais. É importante entender que grimdark não se trata da supremacia do homem branco sobre os demais grupos, ou ao menos não deveria ser, mas sim sobre as relações de poder entre os seres humanos e as decisões dúbias que as vezes são tomadas para a manutenção desse poder. Uma condição inerente a humanidade como um todo.
Complete Stories of Kane, arte de Ken Kelly |
Tentando esclarecer as características do grimdark, podemos listar os pontos onde os autores parecem concordar:
- Cenário decadente, distópico e violento;
- Tom niilista e desesperador, onde todos parecem no limite e a catástrofe se torna inevitável;
- Personagens amorais, ou de moral duvidosa, diante de escolhas difíceis;
- Forças sobrenaturais usadas como ferramentas das ações humanas;
- Tom cinzento, com a ausência de limites claros entre o certo ou o errado, a luz ou as trevas, o bem ou o mal;
- Desfecho imprevisível, comumente cínico, com uma vitória parcial ou uma derrota completa do protagonista, reforçando o tom niilista onde nada é capaz de melhorar.
Referências
Retirado originalmente do site: Chamas do Império