O entrevistado tem um dom: escrever, escrever e escrever. Utilizando as ferramentas que tem, ele cria e ajuda a fomentar a atual industria de quadrinhos nacionais. Alex Magnus viu a necessidade de contar suas histórias e espalha-las pelo mundo. Fundou a Red Dragon Publisher, e agora suas traduções e narrativas chegam ao mundo inteiro através da Amazon.
Como você começou a desenvolver esse interesse em literatura e em quadrinhos?
Meu pai foi o cara que foi meu guia inicial em tudo. Tenho lembranças de quando tinha 5 anos e ele já me contava histórias sobre o remoto passado, histórias sobre o oriente, sobre Grécia e Roma. Aprendi a admirar a cultura grega desde então, iniciei bem cedo o estudo de filosofia grega por influência dele. Meu nome, emprestado do grande conquistador macedônio, é uma declaração bem óbvia da admiração que ele tinha pela cultura clássica grega em geral. Outro gosto que obtive por influência dele foi por faroeste, na literatura, cinema e nos quadrinhos, algo que trago comigo até hoje, tanto que além de ler, também escrevo HQs neste gênero, mesclando com influências do cangaço, que é outro assunto que aprecio muito. Quanto aos quadrinhos, também comecei a ler bem cedo, inicialmente foram os da Disney e Turma da Mônica, depois vieram os de super-heróis da editora Abril, e li por muito tempo as clássicas Superaventuras Marvel e Heróis da TV, mas foi A Espada Selvagem de Conan que mudou tudo para mim, foi lendo as obras primas dos geniais Roy Thomas, John Buscema, Alfredo Alcala, Tony DeZuniga, que eu descobri o gênio criador que seria a maior e principal influência para as minhas próprias criações - Robert E. Howard.
O que podemos falar sobre a indústria nacional de quadrinhos? Ela avançou ou regrediu?
Os geniais Roy Thomas, John Buscema, Alfredo Alcala e Tony DeZuniga |
Olha, houve avanço sim, e ao meu ver, foi um avanço considerável, é preciso que isso seja dito! Isso só aconteceu por conta da expansão da internet e do avanço e facilidades das tecnologias de informática voltadas para a área gráfica, obviamente. Lembro-me que nos anos 80, os recursos que dispúnhamos para autopublicação eram máquina de datilografia, tesoura, cola, correios e muita vontade para dar à luz a criatividade. Hoje temos diversos softwares para edição e editoração de imagens e textos, diversas plataformas online para publicar e distribuir tanto livros quanto HQs, além disso temos recursos como serviços de financiamento coletivo, além disso temos o surgimento da impressão por demanda que trouxe uma enorme facilidade para todos os sonhadores que acreditam em si mesmos e que querem deixar o mundo de sonhos e arriscar investir em suas próprias capacidades. Acredito que, no momento em que vivemos, não é mais concebível esperar por oportunidades, pois temos à mão todas as ferramentas para que possamos revelar nós mesmos ao mundo. Além disso, penso o seguinte, com todos os recursos que temos disponíveis hoje, se você não arrisca investir em si mesmo, por que outra pessoa o faria? Falando em quadrinhos, no Brasil, apesar das mudanças que vêm ocorrendo nas últimas décadas, ainda há uma grande desvalorização quanto ao que é feito de quadrinhos por aqui. Falo de uma forma geral. As pessoas ainda dão mais valor a algo quando é feito lá fora e depois vem para cá. Por outro lado, o que é produzido aqui precisa ainda melhorar, não falo em qualidade gráfica, mas em conteúdo mesmo, falo de roteiro, pois desenhistas bons existem às centenas; falo de bons criadores de histórias. Nesse quesito, a qualidade das HQs produzidas no Brasil ainda deixa muito a desejar. Existem ótimos roteiristas sim, mas dois ou três não são suficientes quando falarmos em um mercado nacional. Acredito que, com bons roteiristas, bons desenhistas, boas HQs, o resultado é um crescimento do sonhado “mercado nacional” motivado pela própria produção nacional.
Qual é o papel da Internet para esse cenário?
Vejo a internet como uma ferramenta absolutamente indispensável. Nesse meio independente ainda vejo pessoas reclamando sobre distribuição, reclamando dos altos valores praticados por empresas especializadas, quando temos à nossa mão a internet que é, sem sombra de dúvidas, a maior ferramenta para distribuição e divulgação de nossa produção. Todo o foco da Red Dragon está voltado para a internet. De que outra forma uma pequena empresa - small press - sediada no Brasil, no nordeste do Brasil, como a Red Dragon conseguiria expor à venda suas publicações de livros e HQs em países como EUA, UK, Alemanha, Itália, França, etc, sem ter que desembolsar uma nota preta que, falando a verdade, não temos? Meu lema é reclamar menos, agir mais, usando as ferramentas que tenho. Claro que no outro lado dessa moeda está o leitor, o consumidor. Muitos leitores vivem ainda hoje limitados pela comodidade do “quando vai chegar à minha cidade”, “à banca x”, “à livraria y”, digo desde já que esses bem podem não ser o público da Red Dragon. Eu costumo dizer que tudo que faço ou publico pela Red Dragon, eu faço e publico para mim mesmo, quem tiver um gosto (um bom gosto, melhor dizendo) semelhante ao meu, irá consequentemente conhecer e consumir essas publicações. Exemplo: como leitor de quadrinhos desde os anos 80, lembro-me de ir a bancas comprar meus gibis todos os meses até os fins dos anos 90, mas hoje não faço mais isso. Hoje, 100% das minhas aquisições de HQs, livros e outras coisas, são feitas online, em lojas virtuais. Para mim esse é um serviço fundamental que além de economizar o meu tempo, também me oferece ótimas oportunidades de compras. Por isso que o público alvo da Red Dragon, se é que podemos dizer assim, é aquele que tem uma visão semelhante a essa, aquele que vê a importância da internet, tanto para quem produz como para quem consome essas criações / produções.
Uma parte dos livros da Red Dragon Publisher está na Amazon. O que você acha de plataformas digitais e quem vem revelando talentos, como Sweek e Wattpad?
Acho ótimo! Espero que cada vez mais pessoas passam produzir mais suas próprias histórias, seja em prosa ou quadrinhos, quanto mais melhor, a diversidade é ótima, o movimento e a ação da criação é o que leva à melhoria. Essas plataformas de autopublicação são benefícios e facilidades que vieram no rastro do crescimento da internet. Como escritor/editor apenas faço uso da Amazon Kindle (edições físicas e digitais) e do Comixology (eComics) para distribuir internacionalmente as publicações da Red Dragon.
A Red Dragon Publisher pretende aumentar seu casting de autores?
A Red Dragon nasceu da minha necessidade de publicar e distribuir minhas próprias HQs e livros com uma roupagem e abordagem mais profissional, embora ainda independente (digo independente porque gosto de fazer do meu jeito!), dessa forma não estamos exatamente buscando receber submissões de projetos para publicações, mesmo assim estamos oferecendo o serviço de consultoria editorial e mesmo de editoração, diagramação, preparação de todo o projeto de um livro ou HQ para autores independentes, e também o serviço de impressão com a qualidade Red Dragon. Mas claro que sempre podemos nos interessar por um ou outro projeto no qual possamos ver um potencial e que seja algo novo, diferente do que já é comumente feito por aí. Para quem desejar conhecer nossos serviços de consultoria editorial, editoração, impressão, ou mesmo nos apresentar seu projeto, nosso e-mail é reddragonpublisher@gmail.com.
Rodolfo Teófilo pode ser considerado o primeiro escritor pulp do país? Será que pode falar mais sobre o autor para quem ainda não o conhecem?
Eu não diria escritor pulp, pois Rodolfo não escreveu ficção fantástica nos moldes da literatura pulp norte americana, mas sua noveleta Violação talvez pudesse figurar entre essas clássicas publicações, pois a ausências de elementos fantásticos é preenchida pelos aspectos góticos e horror cru e chocante por meio de uma narrativa bem clara e direta, algo que gosto muito nos escritos dele. Rodolfo Teófilo foi um pioneiro, um visionário que realmente estava muitíssimo à frente de sua época, um cientista, humanista e filantropo singular que deveria ser um dos maiores, se não o maior, entre os celebrados e admirados filhos do Ceará. Seu histórico de feitos são longos, além de escritor e inventor, foi pioneiro abolicionista (alguns supostos heróis cearenses só galgaram fama devido à grandiosidade de Rodolfo), como cientista filantropo ele literalmente salvou a população cearense, e mesmo a de estados vizinhos, diversas vezes, de epidemias e pestilências, como varíola, cólera e répteis peçonhentos. Mas como ele era um homem de caráter e moral extremamente fortes, que acredita e vivia seus próprios princípios, e não era arrastado pela torrente do “politicamente correto” e ter combatido durante anos o “puxa-saquismo” dos intelectuais de sua época, e, principalmente, ter enfrentado tête-à-tête uma longeva oligarquia que existiu no Ceará, sua figura hoje está jogada no ostracismo por aqueles filhos do Ceará que possuem memória curta. Rodolfo é uma inspiração para mim há mais de 20 anos, e ano passado a Red Dragon publicou Violação, sua noveleta com narrativa de horror gótico, que o autor clama ser baseado em fatos reais da época. A nossa foi a terceira edição desse que considero um clássico do terror escrito no Brasil. A segunda edição foi nos anos 70, já a primeira edição é de 1898. A Red Dragon tem planos de trazer novamente para a superfície outras obras de Rodolfo, inclusive uma biografia em graphic novel, cujo o roteiro já estou escrevendo, bem como futuras adaptações de algumas de suas obras. Aos que desejam conhecer um pouco mais sobre esse grande exemplo de brasileiro, condecorado como “Varão Benemérito da Pátria” pelo Congresso Nacional e “Cavaleiro da Ordem da Rosa” por Dom Pedro II, além de uma pequena biografia em Violação da Red Dragon, indico também O Poder e a Peste: A Vida de Rodolfo Teófilo, que é uma excelente biografia escrita pelo, também cearense, Lira Neto, publicada em 1999.
No seu Facebook você compartilha coisas de seu trabalho e leituras. Um de seus status você compara traduções do Robert E. Howard. Como está, atualmente, o status dos tradutores tupiniquins? Eles melhoraram ou pioraram?
Olha, melhorou consideravelmente nos últimos tempos, isso posso dizer! Minha primeira experiência com uma tradução de uma história de Robert E. Howard fora dos quadrinhos foi no início dos anos 90, com a revista Planeta, número 7, de março de 73, que trazia uma tradução ridícula de The Phoenix on the Sword como A Fênix sobre a Espada, onde o texto original foi extremamente mutilado para ser espremido em apenas 5 páginas da revista. Depois vieram O Povo do Círculo Negro (The People of the Black Circle), na coletânea Isaac Asimov apresenta Magos (Melhoramentos, 1995), e Pregos Vermelhos (Red Nails) (Newton Compton, 1996), ambas tiveram traduções bem melhores. Em seguida foi a coleção em cinco volumes da Unicórnio Azul (1995 - 1996), Conan: Espada e Magia que traduzia as edições da Batam Books com histórias originais de L. Sprague De Camp e Lin Carter e histórias de Howard ligeiramente modificadas por De Camp. Uma curiosidade sobre essa tradução da Unicornio Azul e a dos volumes de Conan, o Cimério, lançados pela Conrad em 2006, é que são praticamente a mesma tradução, com apenas poucas palavras alteradas para diferenciá-las, embora ambas as traduções sejam assinadas por mãos diferentes e também baseadas em edições norte americanas diferentes, já que as edições da Unicórnio Azul reproduziam as edições da Lancer Books nas quais vários textos de Howard foram modificados por De Camp, e as edições da Conrad foram baseadas nas edições da Ballantine Books / Del Rey que são um resultado de uma restauração da obra original de Robert E. Howard, retirando mesmo as mudanças nos textos originais de Howard feitas por De Camp. As minhas traduções são bem pessoais e intimistas, eu não tenho intenção de traduzir Howard para vender livros e capitalizar com seu nome, irei traduzir toda a sua obra, não só Conan, pelo simples propósito de compartilhar sua obra, por isso minha atenção está em deixar minhas “traduções” sempre o mais próximo possível do texto original dele, respeitando os adjetivismos e construções textuais singulares de Howard, não tenho nenhuma intenção de modificar o texto original em favorecimento dessa ou daquela regra literária, antes irei respeitar suas ideias e construções, mesmo que isso possa ferir esse ou aquele purista / linguista. Caso contrário, seria apenas mais do mesmo, além disso, quando leio uma obra traduzida o que chama minha atenção são as ideias e a criatividade originais do autor e não do tradutor. Sabe, eu leio em inglês e em outras línguas, aprendi grego e latim na universidade para estudar as obras dos filósofos clássicos, e sei bem o quão importante, e ao mesmo tempo perigosa, uma tradução pode ser se não for feita com atenção. Por exemplo, no campo da filosofia existe uma citação muito famosa, creditada ao filósofo francês, René Descartes, que se tornou algo muito popular, e em tradução para o português comumente é citada com “penso, logo existo”; contudo, Descartes originalmente escreveu essa sentença em latim, sendo “cogito ergo sum”, cuja tradução para “penso, logo existo” resulta absolutamente em uma compreensão errada do pensamento do filósofo. O correto seria traduzir como “penso, logo sou”, pois a intenção original do filósofo estava em argumentar que a consciência de si mesmo, ou seja, o ato de saber que é, o ato de tornar-se ciente do si mesmo, está intrinsecamente ligado à capacidade de pensar, de raciocinar, de filosofar. Afinal, uma pedra não pensa, não tem ciência de si mesma, contudo não deixa de existir.
Quais autores te influenciaram e se tem alguma dica para autores iniciantes.
A lista de caras que exercem influência sobre mim, de uma forma ou de outra, não só sobre minha forma de escrita, mas também, e, principalmente, sobre minha forma de ver o mundo, é bem longa, mas se fosse destacar, digamos, dois dentre todos, eles seriam Robert E. Howard e Rodolfo Teófilo, exatamente nesta ordem. Suas formas de escritas, para mim, são muitíssimo mais cativantes e empolgantes que seus colegas que seguem entediantes formas acadêmicas. Já nos Quadrinhos, posso citar Alan Moore, Will Eisner, Roy Thomas (ele me apresentou Howard, por isso sempre terá um lugar especial entre aqueles que admiro) e Frank Miller, cujas obras leio e releio quase anualmente, simplesmente pelo fato de amá-las. Talvez minha forma de contar uma história, em prosa ou quadrinhos, fosse bem diferente se o pioneirismo desses caras não tivesse vindo antes. Quanto aos iniciantes, tudo o que posso dizer é - se querem ser escritor, escrevam! Não importa sobre o que, apenas escrevam! Entretanto, se quer escrever para ser famoso, reconhecido, bajulado, então talvez não deveria estar lendo isso aqui, pois eu não gostaria de estar falando a você. Mas se quer escrever, se quer se tornar um escritor porque lá no fundo sente uma urgência em contar uma história, sem importar a forma ou o jeito, sem importar para quem, e você não consegue sossegar, até poder contar essa história em particular, então você é um escritor e não apenas uma máquina em busca de vender livros, e assim eu ficaria feliz em poder contribuir de alguma forma para seu crescimento. Portanto, se estiver no mesmo barco, escreva! Comece hoje, agora! E, acima de tudo, não dê ouvidos aos haters! Esses, muitas vezes não passam invejosos e incapazes de sequer dar o primeiro passo de uma jornada árdua como a de um escritor. Ninguém começa sabendo, é a experiência de te deixa bom no que faz! E experiência é um resultado dos erros e acertos ao longo da jornada. Ao fim, é isso que importa.