quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Calças sociais e Black Sabbath - Espíritos de Gelo (Raphael Draccon) por Vítor Cantarin


"Se você não se lembrar do que aconteceu nas últimas horas, nós faremos com que sofra ainda mais, como se estivesse em um dos Nove Círculos do Inferno..." 
Foi o que eles disseram antes do terceiro eletrochoque. 
E essa nem foi uma das piores partes. – Raphael Draccon

Foi em 2012, se eu não me engano, quando eu comprei Espíritos de Gelo do Raphael Draccon... Eu sempre fui apaixonado por livros de fantasia – de longe meu gênero literário favorito – e depois de viajar pelo mundo mágico de Dragões de Éter e pelos sonhos de Fios de Prata eu estava pronto para mais uma aventura fantástica desse escritor de que eu gostava cada vez mais.

Eu estava errado.

Ao contrário do que eu esperava, Espíritos de Gelo não é uma fantasia, eu o classificaria mais como um suspense ou ficção. Devo avisar também que ele é, em minha humilde opinião, o livro mais diferente de Raphael Draccon. Por algum motivo, ele não se encaixa com os outros...

Isso o torna ruim?

Definitivamente não, só diferente. E, apesar de não ser o que eu esperava, esse livro capturou minha atenção e com certeza recompensará o leitor que seguir até sua última página com uma trama intrigante e surpreendente.


A história começa quando um homem acorda em uma sala escura, onde um sujeito baixinho – vestindo sapatos, calça social, blusa de couro... e uma camiseta do Black Sabbath! –, acompanhado de dois capangas, insiste em que ele deve se lembrar de tudo o que aconteceu antes dele chegar até aqui... Detalhadamente, e ele não vai poupar meios para isso. O problema é que, por causa do choque, o sujeito não se recorda de nada, e sua mente é só um amontoado de lembranças confusas, que aos poucos vão fazendo sentido e formando uma história enquanto a tortura continua.

O livro é dividido em duas partes que se intercalam a cada capítulo. Ora estamos no presente, na sala escura onde o protagonista é torturado, forçado a lembrar de um passado sobre o qual ele não tem certeza de que realmente quer saber, ao passo que diálogos rápidos e afiados são travados entre ele e “Black Sabbath”. Logo em seguida, voltamos ao passado, onde a história vai se formando lentamente, conforme as lembranças são destravadas, e descobrimos um homem deprimido que desistiu da vida... até encontrar uma mulher chamada Mariana... E nesse ritmo, vemos a trama engrossar a cada capítulo, à medida que violência, sexo e vingança são acrescentados em altas doses à mistura.


A dinâmica dos capítulos é genial e – novamente em minha opinião – os diálogos daqueles em que há interrogatório são extremamente inteligentes e cheios de referências, sendo minha parte favorita do livro. A história também recompensa o leitor que seguir até o fim − é como se apresentasse dois finais: o final da história propriamente dito, e dois capítulos após uma página em branco, bem no final do livro, quase como um “capítulo extra”, que é capaz de mudar todo o modo como o leitor encarava a história até então. (Sério, é genial.)

Por fim, se você estiver procurando uma experiência à la Dragões de Éter, talvez esse livro não seja pra você.

Agora, se você estiver procurando um bom livro, talvez essa sombria trama seja ideal…

…E essa nem é uma das melhores partes.

VITOR CANTARIN é filho de uma preparadora de textos, e por isso cresceu em uma família que está sempre lendo e cercado de livros de todos os tipos e tamanhos. Sendo artes uma de suas maiores paixões (a outra são cães), já tentou desenhar, compor melodias e até remixar músicas, mas sua verdadeira paixão é a escrita. Entre suas inspirações estão todos os locais fantásticos que os livros, filmes e jogos têm o prazer de nos apresentar.