Certa noite, meu pai perguntou se eu gostaria de me tornar uma noiva fantasma. Perguntar talvez não seja bem a palavra. Estávamos em seu escritório, eu folheando um jornal e ele no sofá de vime. A noite estava quente e quieta, com mariposas voando em círculos pelo ar úmido, atraídas pela lamparina acesa. - Yangsze Choo
Somo inseridos no universo de Yangze Choo e o dilema de sua personagem logo nas primeiras linhas. Li Lan é uma jovem no final do século XIX (1893) filha de uma família decadente e que recebeu educação e cultura, mas que vive sem grandes perspectivas até receber uma oferta irrecusável: se casar com o herdeiro da rica e poderosa família Lim. Só que seu noivo está... morto.
Boas histórias de fantasma são raras nos dias de hoje. O excesso de clichês e violência, os autores acabam levando muitos autores para um lado mais hard e violento e esquecem que histórias de fantasma possuem um clima um pouco diferente das demais histórias de terror. E isso não acontece com Yangsze Choo. Ela cria uma mitologia própria baseada em crenças chinesas e malaias, que dão um tom único para a trama e mostrando como a vida no mundo espiritual se assemelha ao mundo terrestre - tanto que ela trabalha muito bem a personagem principal, não impondo uma visão não impondo uma cosmovisão e código de conduta do século XXI para uma personagem do século XIX (mesmo que dever e honra sejam atemporais).
Por mais fantásticas que pareçam, as noivas fantasmas ainda resistem até hoje em parte da cultura asiática. A prática, que chegou a ser banida por Mao Tsé-Tung durante a Revolução Cultural, foi muito frequente na China e na Malaia. Malaia era o nome histórico da Malásia, antes da independência. A Malaia Britânica era um grupo de territórios, incluindo Cingapura, que se manteve sob variados níveis de controle britânico entre 1771 e 1948. Malaia era extremamente lucrativa para o Império Britânico, sendo o maior produtor mundial de borracha e estanho. Os Estabelecimentos dos Estreitos de Penang, Malaca e Cingapura eram os principais portos comerciais.
No final do século XIX. O casamento era usado para tranquilizar um espírito inquieto, e garantir um lar e estabilidade para as mulheres que diziam "sim" a maridos já falecidos. A tradição popular de casar alguém com um fantasma ou promover casamentos entre fantasmas costuma se destinar a tranquilizar espíritos ou aplacar assombrações. Há várias referências a isso na literatura chinesa, mas suas raízes parecem estar no culto aos antepassados. Algumas vezes, casamentos são feitos entre duas pessoas recém-falecidas, com os familiares de ambos os lados reconhecendo o matrimônio como um laço entre eles. Entretanto, há casos em que o cônjuge do morto é uma pessoa viva. Esse arranjo tende a servir para que uma pessoa realize a vontade de um amado moribundo, ou para que seja concedido status de esposa a uma amante ou concubina que tenha gerado um herdeiro. Às vezes, uma garota pobre é levada a uma casa como viúva, para realizar os ritos de ancestralidade a um homem que tenha morrido sem esposa ou descendentes, como ocorreu com Li Lan. Em casos assim, a cerimônia de casamento tem lugar com um galo assumindo o posto destinado ao noivo falecido.
A Noiva Fantasma é um dos livros da DarkSide que fazem parte da DarkLove: nome de uma linha feita para corações românticos com características dark, que mostra a força feminina na literatura com histórias que mesclam a sensibilidade e a atitude da editora.