Publicado no blog Lendo Muito!!!, 13 de Julho de 2017
A literatura brasileira como estamos acostumados a estudar acabou em 1980. Mais basicamente, no dia 21 de dezembro de 1980. Para os estudiosos, sim: é a data de falecimento do escritor pernambucano radicado no Rio de Janeiro, Nelson Rodrigues.
A literatura brasileira perdia não só um dos seus maiores gênios, mas também o seu último elo com a realidade pública e política. Nenhum escritor de lá para cá tem conseguido criar um conteúdo imaginativo que se possa transpor a realidade de modo lúcido e expressivo.
Explico. Nelson fazia de sua ficção não só o paralelo com a vida privada e seus desejos, mas também da vida pública e política da nação. Deverás, ele falava descrevia em suas linhas não só o dia-a-dia de quem o cercava, mas também as políticas implantadas no regime militar.
A relação entre política e literatura é bem interesse por ambas fazerem paralelos: primeiro cria-se a cultura imaginativa para criar-se depois a cultura política. Foi no maior período criativo da literatura russa com Dostoiévski, Tolstói e Gorki onde se começou a criticar o governo czarista e de seus respectivos funcionários. Destoando de toda essa geração estava Tchekhov, sendo perseguido e criticado, principalmente após a publicação de "Os mujiques".
Veja: o que há de novo na política? O silêncio é a resposta. Não existe, atualmente, um livro de literatura (brasileira) que retrate nossa realidade ou política atual. A vida pública e o povo brasileiro viraram pastiche, ou seja, pura massa de manobra. Voltando a Machado de Assis, o que falta aos atuais escritores é certo "sentimento íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço". Pegue "O Senhor dos Anéis" e as datas de publicação, Tolkien falava da Segunda Guerra. Shakespeare só aplicou em parte, todas teorias do Estado que seriam criadas pelos contratualistas (afinal, ele só falava de política em suas obras). Da década de 80 para cá há um sumiço literário no Brasil - o último respiro dessa arte e que tentou de forma lúcida nesse quesito foi o já falecido Bruno Tolentino.
Nosso momento atual é indescritível, não caberia no papel - caberia em trinta, quarenta anos: curiosamente, o espaço vazio da década 80 para cá. Não há, aparentemente, um livro que nos mostre as mudanças radicais que aconteceram no país: da queda do regime militar até o surgimento do maior partido de esquerda das Américas (o PT). Nem uma sátira que seja. Sem o inconsciente literário o país não vai mudar. Todos falam em diálogo entre esquerda e direita: esse diálogo é impossível sem o respaldo lubrificante da literatura. Machado de Assis, Lima Barreto, Graciliano Ramos: cada um retratou sua época, cada livro é uma fotografia. Me mostre uma fotografia dos últimos quarenta anos - um fotografo (escritor) que for. Não existe.
Esforços se fazem e se notam na ficção de Ferréz (Manual prático do ódio - 2003), Andrea Nunes (A Corte Infiltrada - 2014), Bárbara Morais (Trilogia Anômalos finalizada em 2015) e Guilherme Fiuza (O império do oprimido - 2016). Dos escritores mais famosos, Draccon e Spohr mesmo sem querer retratam nossa época como ninguém: a fuga de cérebros personificada em Alleijo em "Fios de Prata" (2013) e o afastamento dos mortais da natureza divina e vulgarização das religiões reduzidas a auto ajuda pincelados em "A Batalha..." (2007) e desenvolvido na triologia "Filhos do Éden" (2015).
Porque, tirando os países de língua inglesa, é o Brasil que mais consome distopias? Sinclair Lewis vai ser publicado no Brasil pela primeira vez a cinco anos de cair em domínio público. George Orewll cai em domínio público daqui a três anos e vende como água. Zamiatin mal foi publicado e está como um dos que mais saem na Aleph. As pessoas querem entender o que acontece em sua volta, não só ficar no "foi golpe" ou "não foi golpe". O texto, claro, não fala de conciliação de classes. Ele fala de debate público: o mínimo de cultura o suficiente para não ficar chamando qualquer um de "fascista" só porque discordou de você.