segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Especial Círculo das Ideias: Conan, de Robert E. Howard #1: “A Fênix na Espada”

“Saiba, ó príncipe, que entre os anos em que os mares engoliram a Atlântida e as cidades brilhantes, e os anos do surgimento dos Filhos de Aryas, houve uma era inimaginada, quando reinos esplendorosos se espalharam pelo mundo como mantos azuis sob as estrelas – Nemédia, Ophir, Britúnia, Hiperbórea; Zamora, com suas mulheres de cabelos negros e torres de mistério assombradas por aranhas; Zingara e sua nobreza; Koth, que fazia fronteira com as terras pastoris de Shem; Stygia, com suas tumbas guardadas por sombras; Hirkânia, cujos cavaleiros vestiam aço, seda e ouro. Porém, o reino mais orgulhoso do mundo era a Aquilônia, reinando suprema no oeste sonhador. Para cá veio Conan, o cimério de cabelos negros, olhar sombrio e espada na mão, um ladrão, saqueador e matador, com gigantescas melancolias e gigantesca alegria, para pisar os tronos adornados de jóias, da Terra, com seus pés calçados em sandálias”. (Crônicas da Nemédia) 

Com essas palavras que descreviam a Era Hiboriana, um dos universos criados por Robert E. Howard, o autor dava início à vida a um dos maiores personagens da literatura de ficção fantástica: Conan, o bárbaro.  

The Phoenix on the Sword, por Chagan
Sobre a história: Conan é rei da Aquilônia, a maior nação da Era Hiboriana. Sua coroa pesa em um reinado turbulento. Conan havia conquistado o trono da Aquilônia havia pouco tempo, através de um golpe contra o rei Numedides. Porém, o cimério logo é posto em perigo devido a uma rebelião; a trama gira em torno de uma conspiração contra o rei, vinda de quatro homens: Rinaldo, “primeiro menestrel da Aquilônia”, Volmana, “conde de Karaban”, Gromel, "comandante da Legião Negra da Aquilônia”, e Dion, “barão de Attalus, legítimo herdeiro ao trono da Aquilônia”. O quarteto é convocado para atender uma proposta de ajuda mútua vinda de Ascalante, “um homem sem terra”, um fora da lei vindo do sul. Mas, em segredo, Ascalante simplesmente deseja usar os rebeldes para conseguir a coroa da Aquilônia para si mesmo.  
Ascalante possui um escravo vindo da Stígia chamado Thoth-Amon, que no passado foi um feiticeiro. Thoth perdeu seus poderes após seu Anel ter sido roubado. O feiticeiro planeja trair Ascalante e servir Dion, caso o barão o ajudasse a recuperar seu Anel. Por arrogância, o barão mal ouve suas palavras quando Thoth conta a história de seu Anel perdido; Dion somente continua a conversa mencionando um Anel que havia comprado de um ladrão shemita. Súbito, Thoth-Amon entra em fúria, ao reconhecer a ignorância do nobre e ao saber que, finalmente, teria seu Anel em mãos. Ocorre então um ataque desesperado, e o escravo do Anel, o feiticeiro stígio, volta a sorver os poderes de Set, assassinando Dion. 
     Eis um trecho da cena: “O aço reluziu na mão do stígio e, contraindo seus largos ombros escuros, ele enfiou o punhal no corpo gordo do barão. O guincho agudo e estridente de Dion passou para um engasgado gorgolejo e seu corpo balofo desabou como manteiga derretida. Um tolo até o fim, que morreu enlouquecido de terror, sem saber por quê. Afastando o cadáver disforme, já esquecido dele, Thoth agarrou o anel com as duas mãos, seus olhos escuros brilhando com uma temível avidez.” 

       No decorrer da história acontecem dois imprevistos decisivos: 
The Phoenix on the Sword, por Sanjulián
     Conan, através de um sonho, é avisado sobre o iminente golpe de estado, pelo sábio Epemitreus. O sábio marca sua espada com a fênix mística, que representa o deus Mitra, para protegê-lo. Assim, o cimério aguarda seus rebeldes.
     Thoth-Amon, por sua vez, com seus feitiços sombrios devolvidos, pode finalmente se vingar de Ascalante, seu mestre. Então o feiticeiro convoca um temível demônio – com feições simiescas, uma sombra amorfa com rosto de babuíno – para destruir Ascalante. 
     É aí que as três estradas da história convergem em uma só: o grupo da rebelião liderado por Ascalante seguindo até o palácio do rei Conan para matá-lo; o demônio de Thoth nos calcanhares dos traidores, com sede de morte; e o rei da Aquilônia esperando seu destino, com a fênix a brilhar em sua espada. 
     Assim, numa explosão de fúria e sangue que somente Robert E. Howard poderia fazer, espadas e machados irão subir e descer em um final eletrizante, onde tudo irá convergir; o aço e o sangue irão fervilhar até a última linha deste memorável conto.

Alguns comentários e curiosidades: tal história originalmente foi escrita como “By This Axe I Rule” (Por Este Machado, Eu Governo), uma história do rei Kull, outro personagem de Howard. Porém, a história foi rejeitada pelos editores da Weird Tales – como ocorria com muitas histórias de Kull, justamente por abordarem mais elementos filosóficos e psicológicos, coisas de pouco chamavam a atenção em revistas de aventuras baratas. Então Howard resolve reformular, adicionando ainda mais ação e fantasia nas páginas, alterando também os personagens e criando um novo mundo, a Era Hiboriana; e um novo anti-herói: Conan da Ciméria.
Além deste conto, o autor escreveu mais 20 histórias com o personagem, que serão todas comentadas nesta minha série sobre Conan.   Há muitos que apontam as influências de Howard na literatura de fantasia moderna. Autores como J.R.R. Tolkien, Michael Moorcock, Karl Edward Wagner, Poul Anderson e George R.R. Martin certamente tiveram influências howardianas em seus escritos fantásticos. E é notável comentar a grande semelhança entre uma das subtramas de “A Fênix na Espada”, com a busca e a restauração de Poder de Thoth-Amon, atrás de seu Anel mágico, com um dos pilares da história “O Senhor dos Anéis”, de J.R.R. Tolkien, onde Sauron, o senhor do escuro, busca seu Anel de Poder, para instaurar um domínio de sombras sobre toda a Terra-Média. Em minha opinião, caro leitor, o professor Tolkien pode sim ter se influenciado pela obra de Howard (é notável influências de outras histórias de Howard como “Colosso Negro” na saga de Frodo Bolseiro), porém, caso o britânico jamais tenha tido contato com os escritos de Howard – o que acho difícil –, talvez ambos apenas tenham bebido da mesma fonte: todos sabem que Tolkien era um apaixonado pelos mitos nórdicos (estes que envolvem anéis mágicos em algumas histórias), e tais histórias também foram de forte influência para Howard – mesmo o texano tendo sido influenciado muito mais pela própria História Antiga do que pela Mitologia. De qualquer forma, é uma relação interessante entre dois grandes autores do fantástico.  

Robert E. Howard em 1935
O AUTOR

Robert E. Howard nasceu em 1906, em Cross Plains, Texas, Estados Unidos. Criador de personagens variados como Conan, o bárbaro, Bran Mak Morn e Solomon Kane, fundou o que hoje é chamado de gênero literário ''Espada e Feitiçaria''. Influenciado pelo conceito de G.K Chesterton de ''história condensada'', onde "se mistura os séculos, preservando o sentimento", ele cria a Era Hiboriana, que une eras históricas e culturais de maneira ampla: Europa medieval (Aquilônia), à fronteira americana (a imensidão picta e suas fronteiras), e dos cossacos (Kozaki) aos piratas elisabetanos (Red Broterhood). Autor de narrativas cheias de ação, feitiçaria negra e selvageria, se notabilizou no início do século XX como um dos expoentes da literatura nas Revistas Pulp. Se suicidou em 1936 após saber que sua mãe caiu em um coma terminal, mas deixou um grande legado literário.