Os pontos brilhantes no campo de visão de Rafael agora se dissipavam como vaga-lumes em fuga na mata – finalmente abriu os olhos, após um longo e doloroso apertar dos mesmos –, mas o sono persistia, por mais que os esfregasse, cantarolasse ou assistisse à TV para passageiros em seu táxi. Olhou para o relógio no painel: nem 11 da noite ainda! Verbalizou um palavrão e deixou a cabeça cair para trás, apoiando-a no encosto do banco, forçando-se a permanecer alerta. Precisava do dinheiro, precisava mesmo, mas achou que nada valeira uma noite mal dormida – e nada seria mais caro que sofrer um acidente, machucando-se com gravidade. O caminho entre o Aeroporto do Galeão, onde, no momento, encontrava-se parado, em uma das vagas destinadas aos táxis, e a sua casa em Campo Grande era longo e arriscado – poderia dormir ao volante, e aquilo seria ruim. — Davi Busquet, Vetor
Perturbador. Não tem outra palavra para definir essa antologia.
Com os autores que conversei, antes e depois de ler o livro, confessei que, durante a leitura (e até mesmo na abertura do edital) pensei que a antologia ia pelo caminho trilhado pelo folclorista Walcyr Monteiro, famoso por seu livro Visagens e Assombrações de Belém, que contem a lenda urbana da "Moça do Taxi". Essa história que virou episódio de programa de televisão infantil e atrai turistas para a cidade de Belém mostra como a força desses causos podem impactar a imaginação dos telespectadores, moradores e viajantes, e no caso desse livro da Editora Diário Macabro, leitores.
Organizada e prefaciada por Júlia do Passo Ramalho e Fábio Aresi, a obra trás dezenove viagens totalmente malucas a bordo do clássico e icônico veículo amarelo. Junto dos organizadores formam a escrete Guilherme Schrago, Johnatan Gomes, Bruno Sorc, Igor Cabrardo, Úrsula Antunes, Roberto Schima, Davi Busquet, Gabriela Leão, Thiago Oliveira Lima Matiolli, Paulo H. P. Lima, Marcos Tadeu Mageste, Alvaro Caxone, Heclair Pimentel Filho, Mario Sergio Ribeiro, Daniel L. Costa, R. A. Tsuchiya e Alysson Steimacher.
Uma das narrativas presentes no livro é Vetor de Davi Busquet (que me enviou o livro). Sua narrativa conta a história de Rafael, o motorista que faz uma corrida indesejada e pega um cliente peculiar, alguém que conseguia descrever o pecado de cada pessoa que, de alguma forma, cruzava seu caminho. A cada página, a cada parágrafo, nós nos encontramos em uma área nebulosa, de pessoas cinzentas, com virtudes e pecados que remete ao leitor mais atencioso, ao livro Podres de Mimados e A Faca Entrou de Theodore Dalrymple.
Contrariando a aparente normalidade do ato de pegar a condução por um completo estranho, temos aqui histórias reunidas de taxistas sanguinários, passageiros perigosos, carros assustadores, corridas de outro mundo que são abarcadas pela perturbação. A leitura pode deixar desconfortável o leitor mais sensível e que não tem costume de consumir livros com cenas de violência.
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