Elisabeth Moss (E) como Offred e Alexis Bledel como Ofglen em 'O Conto da Aia' Foto: George Kraychyk/Hulu |
Inspirada em obra de ficção científica da escritora canadense Margaret Atwood, série dominou a última edição do Emmy
LOS ANGELES - Com quase um ano de atraso, chega ao Brasil The Handmaid’s Tale – O Conto da Aia, a produção vencedora de oito Emmy e dois Globos de Ouro, incluindo melhor série dramática e melhor atriz dramática (Elisabeth Moss). A série estreia hoje, às 21h, no Paramount Channel, que vai ter sinal aberto nas operadoras Oi, SKY e Vivo.
Baseada no romance distópico de Margaret Atwood, The Handmaid’s Tale se passa após a Segunda Guerra Civil americana, que deixou o país destroçado e substituído por Gilead, uma sociedade totalitária e religiosa que sofre com a baixa natalidade. As poucas mulheres férteis são obrigadas a ser escravas sexuais dos homens proeminentes. Offred (Elisabeth Moss) é uma dessas mulheres, as aias, forçadas a usar longas vestes vermelhas e chapéus que tapam sua visão periférica. Só podem sair de casa acompanhadas de outras como elas. Na residência dos Waterford, Offred precisa lidar não apenas com Fred (Joseph Fiennes), mas também com sua mulher Serena (Yvonne Strahovski) e tomar cuidado com cada respiro, até porque um espião está na casa. As aias que desobedecem são duramente punidas.
Desde sua estreia nos Estados Unidos, em abril do ano passado, a série virou um fenômeno cultural, com mulheres que viram seus direitos ameaçados se vestindo como Offred. A “resistência” da série serviu como modelo e espelho da “resistência” liderada pelas mulheres contra o governo de Donald Trump. Em entrevista à imprensa, o showrunner Bruce Miller disse que sempre tentou encarar o que se passa em The Handmaid’s Tale como algo que real, não uma possibilidade. “São coisas que ocorreram em algum lugar em algum momento. É muito fácil virar exploração do sofrimento das mulheres, então a gente precisa manter o realismo para evitar isso.” Ele confessa, porém, que teve de fazer uma alteração na primeira temporada, que foi substituir o slogan “make america great again” (“torne os Estados Unidos grandes novamente”) depois que foi adotado pela campanha presidencial de Donald Trump.
A escritora canadense Margaret Atwood Foto: Lucy Nicholson/ Reuters |
Em flashbacks, a série mostra como era a vida de Offred no passado, quando era casada e tinha uma filha, antes que o fundamentalismo religioso tomasse conta. As transformações da sociedade acontecem aos poucos. Apesar de ser vítima de muitas crueldades, a protagonista expressa bom humor em certas ocasiões, sempre na narração em off. “Ela é engraçada, a situação, nunca.
Ela sempre tem uma atitude de: ‘Mas que p... é essa?’. Ela somos nós. Se ela perder esse lado, se perde”, disse Miller. Por isso, a série precisava de uma atriz capaz de quase tudo. “Sabíamos que o diálogo era esparso e muitas vezes contradiz o que a personagem está pensando. Ela ainda usa aquelas roupas e aquele chapéu. A dificuldade é enorme. Então sempre que escrevemos algo desafiador, pensamos: Será que Elisabeth vai conseguir? E a resposta até agora foi sempre sim”, diz o showrunner.
Moss, que foi indicada outras sete vezes ao Emmy – seis por Mad Men e uma por Top of the Lake – “comunica muito só com o rosto, sem ação ou diálogo”, acrescentou o produtor Warren Littlefield. Para a atriz, por mais experiência que tenha acumulado na televisão, The Handmaid’s Tale é diferente. “Nunca estive tão próxima da câmera. É novidade para mim”, disse a atriz. Ela esmiúça cada cena e, se preciso, conversa longas horas ao telefone com Miller. “Sempre tenho uma ideia muito clara do que quero na cena. E essa é melhor parte do meu trabalho, não o resultado final.”
Especulativa. Lançado em 1985, O Conto de Aia (Rocco), de Margaret Atwood, logo se encaixou na fileira de grandes romances distópicos, como 1984, de George Orwell, ou Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley. Curiosamente, ela rejeitou, na época, que o livro fosse rotulado como ficção científica, preferindo “ficção especulativa”.
De fato, o livro, que ganhou novo fôlego com a série de TV, tornou-se profético depois da eleição de Donald Trump, alçando Margaret a uma posição de profetisa. “O que o torna tão moderno é o retrato do totalitarismo americano”, comentou.
Ambientado em um futuro próximo, o enredo mostra um país onde não existe imprensa, ou mesmo cultura. Atos banais tornaram-se crimes, como cantar qualquer canção que contenha palavras proibidas pelo regime, como “liberdade”. Nesse Estado teocrático e totalitário, as mulheres são as vítimas preferenciais, anuladas por uma opressão sem precedentes. O nome dessa república é Gilead, mas já foi chamada de EUA.
“Quando escrevi, eu vivia em Berlim, nos anos 1980. O muro ainda dividia a cidade e nada indicava alguma mudança – mal sabíamos que, cinco anos depois, ele seria derrubado”, observou. “Hoje, sentimos que é uma realidade possível. Vivemos uma era de mudanças”.
No Brasil, o livro chegou em 1987, pela Marco Zero, como A História da Aia.
Mariane Morisawa, Especial para O Estado de S. Paulo