quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Augusto dos Anjos e Lovecraft: uma tangente sobre a condição humana

Arte de Zdzislaw Beksinski
Já faz alguns anos desde que entrei em contato com a obra do meu poeta favorito, Augusto dos Anjos. Nesses tempos, eu já era familiarizado com a ficção do Lovecraft e começava a conhecer as entranhas do terror cósmico, gênero que tem como maior popularizador, sem sombra de dúvidas, o cavalheiro de Providence mencionado acima. E é curioso como sempre relacionei esses dois autores...

Sempre soube que havia algo que os ligava, mas demorei para começar a compreender o que era. Em primeiro lugar, tentava justificar minhas analogias entre os célebres artistas contando sobre suas vidas: ambos morreram muito jovens em decorrência de doenças fatais na época: Augusto pela pneumonia, Lovecraft pelo câncer intestinal. Doenças essas, aliás, agravadas pelas parcas condições financeiras dos dois escritores, cujas obras tiveram pouco reconhecimento enquanto eles viviam, e os autores, consequentemente, possuíram a vida adulta marcada pela pobreza. Tanto Lovecraft quanto Augusto nunca tiveram filhos; o paraibano chegou mais perto da paternidade, mas seu filho nasceu morto com 7 meses incompletos. Um estado emocional agravado pela tristeza foi recorrente nas vidas de Augusto e Lovecraft, e isso reflete em suas obras.

Augusto dos Anjos e H.P. Lovecraft, respectivamente
Mas os fatos biográficos pouco eram relevante para uma analogia entre os dois escritores, obviamente. Por mais que suas vidas sejam tragicamente interessantes, o legado escrito, a sua obra, é o que nos interessa, e é o que é digno de analogias. Foi só mais recentemente, relendo os versos de Augusto e aprofundando meus conhecimentos acerca do terror cósmico, que pude clarear um pouco esses cenários tão sombrios que mostravam-se timidamente a mim, já há um bom tempo. Anteriormente, eu via essa analogia entre os dois como dois pontos amarelos na escuridão, apenas os olhos brilhantes de um felino. Com o passar do tempo, ao desenvolver certa maturidade no assunto da Literatura, pude aumentar a luz da minha ótica sobre a escuridão, assim revelando as listras e os dentes daquele tigre que espreitava. Talvez a semelhança entre as obras fosse a temática como aquela abordada no poema "O Pântano", de Augusto dos Anjos, mas não: vai muito além dos fatores visuais da construção narrativa.

Portanto, vamos ao ponto: o americano nutria uma aversão à humanidade, enquanto Augusto parecia demonstrar pena dos seres humanos, talvez uma insatisfação com a sórdida condição de seus irmãos de espécie. Isso sustenta minha analogia: a visão dos autores sobre o ser humano. Em lugares diferentes do mundo, trabalhando um conceito semelhante, desenvolveram obras-primas que, apesar de destoarem em inúmeros fatores, coincidem no que concerne à análise das condições humanas perante o universo. Lovecraft escracha suas opiniões acerca da pequenez e da insignificância humana frente ao Cosmos. É bem evidente. Augusto também o faz, às vezes nas entrelinhas, outras vezes um pouco mais visivelmente. A obra do brasileiro é carregada de opiniões e sentimentos próprios, é claro, por isso é um pouco difícil apontar claramente os pontos em que essas duas linhas paralelas formam um ponto de tangência. Trago aqui um exemplo, para finalizar meu ponto de vista, com uma estrofe do magnífico "As Cismas do Destino":

Espaço - esta abstração spencereana
Que abrange as relações de coexistência
E só! Não tem nenhuma dependência
Com as vértebras mortais da espécie humana!