sábado, 24 de setembro de 2016

A obra de uma não entidade - 150 anos de H.G. Wells

A DESPEITO DA ATUAL enxurrada de história que tratam de outros mundos e universos, e de intrépidos voos de um lado a outro do espaço sideral, provavelmente não seria exagero dizer que não mais do que meia dúzia destas coisas, entre as quais se encontram os romances de H.G. Wells, pode fazer a menor reivindicação à seriedade artística ou ao mérito literário. A insinceridade, o convencionalismo, o lugar-comum, a artificialidade, a falsa emoção e a extravagância pueril reinam triunfantes nesse gênero saturado, e apenas os exemplares mais raros podem fazer qualquer reivindicação a um caráter efetivamente adulto. - H.P. Lovecraft

Considerado entre muitos um dos maiores de sua geração, H.G. Wells (1866-1946) foi um dos maiores escritores do último século. Criador do livro A guerra dos mundos, foi o primeiro a registrar a ideia de uma invasão alienígena no planeta Terra.

Esse livro surgiu da sua época mais brilhante. Filho de família humilde, publicou seu primeiro livro A Máquina do Tempo (1895) aos 29 anos e foi um sucesso instantâneo, adaptado e reimaginado por diversos escritores e artistas. Daí para frente foi engatando sucessos atrás de sucessos: A ilha do dr. Moreau (1896), O homem invisível (1897) e A guerra dos mundos (1898). Vamos focar no último. Ele tem mais relações com o nosso país do que se imagina.

OS MARCIANOS AOS OLHOS DE UM BRASILEIRO

Tudo o que Wells imaginou, Henrique Alvim Correa (1876-1910) levou ao papel. Desenhista, saiu do Brasil ainda novo - com 16 anos - após a proclamação da República, pois seu padrasto, o barão de Oliveira Castro, era monarquista.

Foi aprendiz de Jean Baptiste Edouard Detaille (1848-1912), famoso pintor de temas militares, e frequenta no ano seguinte o ateliê de Jean Jacques Brunet (18--?-1897). Expõe no Salon de Paris, em 1895 e 1896, trabalhos com temática de guerra, gênero que não abandona até o fim da vida. Em Esboço do Panorama do Cerco de Paris (ca.1896), explora a paisagem ampla, com seus detalhes topográficos e insere pequenas figuras de soldados, elaboradas de forma a reforçar a imagem de brutal violência do conflito.

Pôster promocional da edição belga do livro "A Guerra dos Mundos",
ilustrada por Henrique Alvim Corrêa no início do século 20
Em 1903, depois de romper com a família e casar com a modelo francesa Blanche Alvim Corrêa, muda-se para a Bélgica. Impressionado com a narrativa de Wells, entra em contato com o autor. Ele ficou tão deslumbrado com os desenhos do brasileiro que, em 1905, o autor o convidou para ilustrar a edição de luxo em francês da obra, publicada na Bélgica. Esses trabalhos são publicados numa edição de luxo em 1906, composta de 500 exemplares.

Os desenhos, feitos por ele  hoje estão sendo leiloadas em Beverly Hills, em Los Angeles, na Califórnia, com lance inicial de US$ 10 mil pela Heritage Auctions, a terceira maior casa de leilões do mundo. As obras que estão sendo leiloadas pertencem a Ana Maria Bocayuva de Miranda Jordão neta de Quintino Bocayuva (líder importante para a Proclamação da República no Brasil), 77 anos, dona da livraria Sebo Fino, no Rio de Janeiro, que comprou os originais da família de Corrêa na década de 90.

O fascínio pelo tema da guerra, além de advir do estudo com Detaille, pode ter surgido pelo contato com as batalhas de Pedro Américo (1843-1905), expostas na pinacoteca da Academia Imperial de Belas Artes (AIBA), como aponta o crítico Alexandre Eulálio (1932-1988), e com os panoramas realizados por Victor Meirelles (1832-1903) na década de 1880. Seus desenhos, no entanto, não mantêm o heroísmo sedutor e reluzente da guerra, mas apresentam um aspecto sombrio, de melancolia e desamparo.

Ele passou a se reconhecido apenas na década de 60 por ter feito sua vida na Europa. Corrêa, no entanto, viveu pouco. Em 1910 contraiu tuberculose e morreu em Bruxelas, aos 34 anos e quase sem dinheiro.


"Uma arte semelhante à dele é a do francês Gustave Doré'' diz a marchand Soraia Cals, dona de casa de leilões.


Carta enviada por H.G. Wells para Henrique Alvim Correa felicitando-o pelo resultado das ilustrações
Essas ilustrações estão na edição comemorativa de 150 anos do autor feita pela Editora Objetiva pelo selo Suma das Letras. Para encontrar, basta clicar nos links em vermelho com os nomes de cada livro.


Filme dirigido por Steven Spielberg baseado na obra. Não é muito parecido com a ilustração abaixo?


Ilustração feita pelo artista brasileiro Henrique Alvim Corrêa no início do século 20


Liga da Justiça (ano de 2001)
Multifacetado, publicou em seus 50 anos de carreira, mais de 50 romances, 70 livros de não-ficção e centenas de artigos.

H.G. WELLS E SUA AMIZADE COM G.K. CHESTERTON


"Se, depois de todo o meu ateísmo, tudo der errado e sua teologia estiver certa, sinto que terei como entrar no Céu (se quiser) como amigo de G.K.C. Deus o abençoe". - H.G. Wells, em carta escrita para Chesterton, citada por Maisie Ward em sua biografia "Gilbert Keith Chesterton".

H. G. Wells e G.K. Chesterton: amizade acima de tudo
Uma amizade improvável se considerarmos as posições atuais. Enquanto Wells era um fabiano, ateu e compactuava com ideias de esquerda, Chesterton era um cristão católico (que atualmente está em processo de canonização, diga-se), e se opõe ao pensamento de  esquerda dominante da época, obedecendo ao "Decretum contra communismum" de Papa Pio XII antes mesmo dela ser publicada (Chesterton morreu em 1936, o Decreto do Santo Ofício é de 1949). Ele dizia que o capitalismo era tão diabólico quanto o socialismo (ver-se um debate com, o também seu amigo, Bernard Shaw).

Ele defendia a teoria econômica do distributivismo: defendida pelos pensadores católicos, segundo a qual a propriedade privada é um bem a que deve ter acesso senão a totalidade ao menos a maioria dos agentes sociais.

É impressionante como Chesterton conseguia fazer amigos. Com um senso grande senso de humor, seus livros estão sendo todos reeditados no Brasil pela Editora Ecclesiae. O blog O Golem vai fazer um especial sobre seus livros no Natal.