sábado, 23 de junho de 2018

Steamfunk, afro-revolução tecnológica - José Roberto Vieira

Steamfunk – um nome estranho para um conceito libertador

Você já deve ter ouvido falar do steampunk, o gênero estético e literário que reconstrói o período vitoriano com máquinas a vapor e comportamento anacrônico. Ali engrenagens, espartilhos, cartolas, computadores e carros dividem espaço com atitudes ousadas e personagens questionadores.

No geral, como diz o autor norte-americano Milton Davis, o steampunk tem a capacidade de “abrir o século 19 ao meio e vasculhar suas entranhas, estudando cada um de seus aspectos a fundo e reconstruí-los”.

No entanto, a grande maioria dos autores de steampunk insiste em evitar temas como racismo, preconceito e colonialismo. Lembrando que período vitoriano também foi um período de fortes colonizações inglesas e massacre de povos aborígenes principalmente na África e na Austrália, que eram colônias do império inglês. No geral as obras steampunk representam seus personagens como exploradores bem-intencionados e cheios de paixão, que veem nos povos colonizados alguém que precisa de iluminação e ajuda.

Esta é a grande mentira steampunk.

Ou, como chamamos, a “supressão de evidência”.


Não é exatamente uma mentira, se você ler as obras, mas é que elas escondem tão bem a realidade que, por omissão, ou medo ou desinteresse, elas não abordam estes temas complicados e quando questionamos os autores eles também falam de seu desconhecimento de causa, desconhecimento histórico, falta de material de pesquisa ou fingem inocência.

Mas, para pesquisar as condições de vida do trabalhador rural do século 19 e a  moda da época todo mundo teve tempo, né? Agora, para pesquisar as condições sociais da colônia e seus povos é difícil e complicado demais.

Faz-me-rir.

Sistematicamente os povos negros são colocados como vassalos, escravos, ignorantes ou fracos; os asiáticos são vilões e os aborígenes são inocentes que acreditam em tudo que a Europa fala. Novamente, temos uma repetição da praga que se alastra na Fantasia Medieval e na Alta fantasia também (um dia eu falo do Sword & Soul).

Mesmo o steampunk tratando pouco de temas como racismo e machismo, preferindo ignorá-lo ou relega-los a umas poucas páginas, ele ainda é melhor do que a realidade da época (zoológicos de negros eram comuns na Bélgica, por exemplo). E, ainda assim, o steampunk é majoritariamente europeu, mesmo os mais libertários e inovadores, AINDA falam da África e de outros locais pela visão e pela estética europeia, marginalizando a cultura negra e autóctone. No melhor dos casos o negro ou o aborígene são o companheiro engraçadinho do personagem principal ou o amigo mágico que desconhece a tecnologia e se impressiona quando o protagonista usa uma lanterna.

No Brasil, como o steampunk chegou bem depois, já com boa parte dos autores entendendo as questões de representatividade e igualdade entre gêneros, os livros são melhores desenvolvidos.

Entretanto, a estética steampunk continua sendo europeia. Pode abrir um livro aí da sua estante ou do skoob, as roupas, os cabelos e os trejeitos dos personagens (ainda que negros, índios ou asiáticos) vai continuar sendo a estética da europa vitoriana.

E onde o steamfunk se encaixa nessa historia?

From here to Timbuktu, steamfunk que se passa na Bahia.


O steamfunk foi criado por Milton Davis, o autor que eu citei ali em cima, em uma tentativa de trazer a estética africana e aborígene para a ficção retrofuturista. O que aconteceria se os Europeus chegassem à África e encontrassem um povo evoluído científica e militarmente? Uma terra de negros com carros a vapor, magia e tecnologia muito avançada para época e disposição para usá-la contra os colonizadores? Uma espécie de Wakanda Vitoriana?

E se o próprio Brasil desenvolvesse suas tecnologias graças a imigrantes africanos que chegassem aqui antes da colonização portuguesa, criando um tipo diferente de país e linha histórica?

Este é o primeiro artigo sobre steamfunk, meus amigos. Em breve teremos muitos outros!

E sim, existe um “steampunk asiático” é o “jadepunk”.

Divirtam-se, sejam felizes e lembem-se: vivam nas lendas!

José Roberto Vieira é escritor e estudante literatura, narrativas, histórias, e ocultismo. Escreveu o primeiro romance de steamfantasy brasileiro "O Baronato de Shoah - A Canção do Silêncio" e muitos outros livros de fantasia.