À memória de minha mãe
Eu a vi! Do coveiro aos pés jazia,
Onde nem uma flor a coloria,
Nua, ignorada a vi!
A tarde semimorta o extremo raio
Enviava a beijá-la, de soslaio,
Desde os céus de rubi.
A música era mesta. O bosque arfava…
O povo que, em silêncio, me cercava,
Nem notou o meu penar!
Fitei os olhos na caveira branca,
E, em meio à turba, o coração me arranca
Tristíssimo cismar…
Há doze anos que aí a sepultaram…
Bem me lembro! Era em maio; me acordaram,
E ela era morta já.
A manhã cor-de-rosa além nascia,
E minha mãe, sem cor, lívida, se ia…
Morta a vejo inda lá!
Tinha um frio palor… Desfeito o laço,
Os cabelos castanhos, no regaço,
Vinham caracolar.
O roxo cílio os olhos clausurara,
E na boca o sorriso lhe murchara,
Para não mais brotar!
De roxo e negro minha mãe vestiram…
E à mesa da varanda a conduziram,
Deitada no caixão.
Meu pai e meu irmão e irmãs sem fala,
As crioulas, em pranto, iam beijá-la,
No rosto e na alva mão.
Meu pai me ergueu nas mãos hirtas de gelo;
Os seus prantos molharam-me o cabelo,
E o que senti nem sei!
Mas me inclinei por sobre a face fria:
Na escumilha violete que a cobria,
Soluçando, a beijei!
Era o último adeus! Ela partia!
Toda a casa ululava! O meio-dia
Começava a cair…
Fui ao jardim de grades encarnadas;
No caminho sombrio de ramadas,
Vi o enterro sumir.
À hora quente ermara-se a campina…
Só as copas em flor, rara bonina
Jogavam no caixão.
Perfumavam o esquife as mesmas flores,
A cuja sombra, de infantis verdores,
Passei minha estação.
Fugiu-me assim a meninice pura,
Sem beijos, sem carícias, sem doçura,
Ó minha mãe, sem ti!
A adolescência, como em doidas valsas,
Arrebatou-me! De alegrias falsas
Fundo cálix sorvi!
Hoje beijo essa lúrida caveira!
E busco, em vão, teu vulto, a cabeleira,
A face, a boca, o olhar…
Assim ai! A inocência em vão buscaras,
Que em meus olhos e lábios tu beijaras,
Minha mãe, a cantar!
Lá fora a mocidade baila e grita:
“Rosas, flori! Na abóbada infinita,
Astros! mundos! parai!
Quero boiar no azul das harmonias,
Rolar, morto, ao tumulto das orgias,
Onde a sorrir se cai!”
Rajada vespertina traz-me o harpejo,
E eu palpito, deliro, ardo, louquejo,
Desgarrado de mim!...
Mas nesse crânio a ilusão se esmaga,
Qual sobre escolhos, a irisada vaga,
No oceano sem fim!
Ah! rasgue-se a cruel filosofia,
Que do órfão triste nessa ossada fria
A esperança contém!
O crânio é um livro e a pálida caveira
Duma mãe, é qual santa e verdadeira
Bíblia do eterno além!
Sim, tu, só tu, ó Religião materna,
Dominas nos sepulcros! Firme e eterna,
Quebras o arcano horror!
Aqui, só tu, com a minha alma casas:
Subo contigo nas cerúleas asas,
Mostras-me o meu amor.
Vejo-te, ó mãe! Num arrebol celeste,
Aquela, cujo nome em vida houveste,
Rogas, meiga, por mim.
Sim! Pede por teu filho! É mau o mundo,
Simula beijos por morder mais fundo,
Tem serpes no jardim.
Sou inda moço; minha alma suspira,
Que nem as cordas de encantada lira,
À menor ilusão!
Que Ela cuide de mim, qual tu cuidavas;
E onde reina o ermo e o amor, sem vozes pravas,
Fale-me ao coração.
Ora descansa! Possa ir um dia,
Em paz com Deus, à tua campa fria,
Meu cadáver também…