terça-feira, 7 de outubro de 2025

A Árvore Envenenada - William Blake

Sentia raiva de um companheiro
Confessei o ódio, o ódio se foi inteiro
Sentia raiva de um inimigo
Fiquei calado, o ódio vi crescido.

E o reguei de alma sombria
Com meu pranto noite e dia
E escondido sob sorrisos gentis
E com corteses, enganosos ardis.

E cresceu noite e manhã
Até florescer luzente maçã
Ao ver o brilho que ela tinha
O inimigo sabia que era minha

E foi ao meu jardim roubar
Quando a noite velou o pomar
Bem cedo vi, com agrado
O inimigo sob a árvore estirado

domingo, 28 de setembro de 2025

Odisseia de Homero: canto 9 em que o herói Odisseu se denomina "Ninguém" - Trajano Vieira

"Odisseu na caverna de Polifemo", pintura do artista flamengo Jacob Jordaens, feita por volta de 1635

Uma questão interessante sobre os heróis gregos diz respeito ao perfil de Odisseu. Melhor dizendo, por que Homero imagina um único herói com esse perfil caracterizado sobretudo pela astúcia? Esta é uma questão que me parece interessante. Poderíamos imaginar alguns outros heróis, não é, eh dotados eh desta capacidade eh de improvisar, de eh superar os os percalços por uma uma inteligência astuciosa.

No entanto, nós temos um personagem e esse personagem é o Odisseu. É, os demais, todos eles, de um modo ou de outro, se qualificam pela bravura, como vocês sabem, pelo destemor, pelo respeito ao código militar de maneira inflexível. E o exemplo evidente maior disso é Aquiles.

A questão é interessante porque ela nos abre a possibilidade de imaginarmos esse personagem como um personagem que coloca questões culturais e de fundamento até filosófico que tem a ver com eh aspectos que eh terão grandes consequências ao longo da tradição grega. É um herói problemático pelo que ele tem de inventivo. A invenção é um traço de Odisseu e a invenção sem limite.

Ele se coloca diante das situações justamente para testar a sua capacidade de reimaginar e de se reimaginar em cada uma daquelas cenas, não é, que nós conhecemos. E a uma das mais importantes para a caracterização do herói me parece ser justamente o encontro dele com Polifemo, a cena em que ele se denomina justamente ninguém. Ao se chamar de ninguém, ele efetivamente eh abre uma possibilidade de imaginarmos este personagem como uma catálise do anonimato, o sentido da não da não denominação.

E eu leio apenas esses breves versos da Odisseia para que vocês entendam o que eu quero dizer. Eu me refiro ao encontro eh famoso, encontro de Odisseu com Polifemo no canto em que ele justamente para se manter incógnito se denomina ninguém. E ele diz o seguinte, os versos mais ou menos 367 seguintes do canto nono:

Ninguém me denomino,

minha mãe, meu pai, sócios.

Não há quem não me chame de ninguém.

Realmente é prodigioso se vocês fizerem uma uma análise, digamos, de caráter psicanalítico, o sentido de alguém se denominar, não alguém. Eh, e toda essa questão também filosófica e implicada neste neste tema, não é, da rasura do sujeito de vocês, eh, construírem uma persona incógnita diante da ação. É evidente que toda uma temática, toda uma tradição de pensamento ocidental se constrói a partir de cenas como esta que vocês têm no canto nono da Odisseia.

sábado, 20 de setembro de 2025

A Chegada, filme baseado na obra de Ted Chiang - por João Carvalho


Eu gosto do conto (História da Sua Vida), na verdade, acho que ele é infinitamente melhor que o filme.

O filme é aquela coisa, como todo filme hollywoodiano, que precisa se tornar mais palatável no final. Eles acabam "embrutecendo" um conto que é muito melhor do que o filme foi feito. Mas, apesar disso, eu gosto muito de "A Chegada", o conto, e considero o filme uma adaptação tolerável da beleza da história original.

A ideia central do conto é trabalhar com as últimas consequências do determinismo linguístico. O ponto é que, uma vez que você aprende aquela "língua alienígena", você consegue entender todo o caminho de uma vida inteira.

Dando um spoiler de um filme de 250 anos atrás, e de um conto ainda mais antigo, o conto de "A Chegada" começa com a morte da filha da mulher que traduziu a língua. Em seguida, a história recompõe toda a vida dela. No final, descobrimos que, ao aprender a língua, ela soube que teria uma filha, que o casamento não daria certo e que a filha morreria cedo. Mesmo assim, ela achou que tudo valia a pena, que as experiências vividas eram importantes.

Então, é esse o determinismo linguístico que o conto explora. É uma das correntes da linguística que pensa: "Até que ponto somos moldados pela língua que falamos? Ou até que ponto a língua pode ser uma barreira para o nosso pensamento?". Há toda uma corrente que defende que, no momento em que eu falo uma determinada língua, fico preso a certos padrões ou concepções de pensamento.

Vou dar um exemplo: no grego antigo, havia um modo verbal inteiro, com todos os seus tempos, só para a narrativa. Os gregos gostavam de contar histórias porque eles tinham o aoristo, ou eles criaram o aoristo porque gostavam de contar histórias? Existe uma corrente na linguística que diz que o aoristo surge e, a partir desse momento, os gregos se tornam um povo de contadores de histórias, de aedos e de rapsodos.

"A Chegada" brinca muito com essa questão do determinismo linguístico. É um conto maravilhosamente bem escrito, exatamente pela forma como ele se desenvolve. Não tem "água com açúcar" no final. Não tem aquele momento em que sete pessoas no mesmo lugar do mundo conversam sobre o mesmo tema. O conto tem quase que uma viagem temporal, com a protagonista sabendo o que vai acontecer. E aí você pensa: "Mas dois minutos atrás ela sabia a porcaria da língua, e agora ela não sabe o que está fazendo?".

Esse final hollywoodiano do filme é brutalmente desnecessário. Apesar disso, é um conto muito bom. E por que estamos falando sobre isso? Porque eu lancei recentemente um vídeo no canal onde eu falo de exobiologia e de genolinguística e estipulo algumas coisas, porque eu gosto muito de ficção científica. No início desse vídeo, eu me peguei pensando: "Onde ele está chegando? Não tem lógica isso aqui". Mas tem uma lógica. Quando você começa a falar de pressão, a pessoa se pergunta: "Imagine você num planeta que a pressão é tal...". Eu não consigo imaginar, João. E é exatamente isso! Aquilo tudo era para chegar, no final, à impossibilidade do desejo pela penetração anal de um alienígena de uma zona não temperada de planetas. Se ele for um alienígena de uma zona de proximidade solar ou polar maior do que a nossa, a tendência é que ele não tenha desejo por penetração anal para viajar o cosmo atrás de "comer um fazendeiro do Kansas", que foi a pergunta que me fizeram.

Então, eu pensei: "Isso aqui é um canal de ciência, vamos estudar isso aqui para a gente chegar à conclusão". Ironicamente, quando vemos "A Chegada", estamos falando de seres de simetria radial. Não sei se vocês notaram isso nos alienígenas, o Abbott e o Costello. Eles são seres de simetria radial, e maiores do que a gente. Isso é muito controverso. Até que ponto seres com um exoesqueleto tão duro, que se alimentam de forma tão lenta — ou seja, têm uma abertura no exoesqueleto para se alimentar —, teriam a capacidade de ter um tamanho tão grande? Eles deveriam ser menores por causa da pressão do planeta deles. Esse tipo de bobagem não tem no conto.

Eu fico bravo com essas coisas. Mas, apesar disso, "A Chegada" é uma adaptação tolerável. É tolerável. É uma porcaria falar "tolerável"? Não, mas é porque o conto é muito melhor.

Qualquer livro que você lê vai ser melhor? Não, nem sempre. Vou dar um exemplo de outro filme hollywoodiano que não é exatamente de ficção científica, "Perdido em Marte", com o Matt Damon. Qual a grande diferença do livro para o filme? Uma cena, a cena final dele dando aula na faculdade, aquela cena "esses garotos, esses jovens", que é 100% desnecessária e não existe no livro. O livro termina com ele sendo salvo, fedendo, a galera mandando ele tomar um banho e é isso. Ninguém sabe o que acontece depois. É um final muito mais justo para tudo que ele passou.

O que o Cuarón faz em "Gravidade", por exemplo? Só ela cair na Terra, colocar a mão na terra, conseguir chegar e pronto. O filme acaba ali.

Então, eu gosto mais quando isso não acontece. Às vezes, a galera tem essa necessidade. Quando o roteirista se resume a fazer isso só no fim, eu ainda tolero. Mas quando ele começa a desmontar a estrutura narrativa do conto, que era toda baseada no determinismo, e a graça estava nisso, para colocar outras coisas e, no final, ter um momento de resolução tão "burro" que você não consegue lembrar se a pessoa sabe ou não o que ela sabe... aí para mim é doloroso.
A minha relação com "A Chegada" é o oposto da minha com "Death Note", que eu acho a adaptação muito melhor que aquele mangá chato para caramba.

Mas isso é uma questão. Eu não vejo problema em adaptar uma obra ignorando o original. Não sou purista ao ponto de dizer que você deve adaptar a obra exatamente como é o original. Você tem todo o direito de ter a liberdade de adaptação, desde que ela faça sentido lógico para uma criança de seis anos. Esse é o meu ponto.

No caso de "Perdido em Marte", ele optou por ser fiel e, no final, resolveu fazer aquela cena, e estragou. Estragou porque escolheu fazer aquilo no final. Mas eu nem acho que estragou tanto, porque é óbvio que ele não conseguiria recontar o livro inteiro. Ele teria que optar por um momento em detrimento do outro, passar mais rápido por algo que no livro era maior. Faz sentido. No final, algum executivo chegou e falou: "Sabe o que seria massa?". É uma necessidade hollywoodiana de finalizar.

Para mim, quando o filme termina e o cara bota essa cena depois, pelo menos eu aprendi em aula de roteiro que a história do cara termina quando ele é resgatado. O que você conta depois é chamado de coda, que é só para "fazer um carinho" no fã: "Olha como a vida dele continua, ele vira um professor de faculdade". Mas isso nem me incomoda tanto. Me incomoda muito mais quando os caras tentam ser mais inteligentes que o autor e falham miseravelmente.

Porque existe uma lógica de pensar nesse "Perdido em Marte", por exemplo. É uma coisa bem estadunidense de mostrar o sucesso, o mérito, a família. Inclusive, o próximo livro dele, "Projeto Hail Mary", está para ser adaptado no próximo ano, e o livro é espetacular. Eles não vão conseguir colocar uma coisa bonita no final.

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

A DESUMANIZAÇÃO DO HOMEM - Mário Ferreira dos Santos


Trecho retirado de A Revolta Vertical dos Bárbaros

Não é a primeira vez que surge na história a tendência a colocar o homem numa situação secundária, a hipovalorizá-lo, a virtualizar a sua significação, ao mesmo tempo que se valorizam as coisas. O que assistimos hoje não é algo sem paralelo na história. Assim aconteceu muitas vezes, e provocou as mesmas ênfases opositivas e as mesmas reviravoltas na maneira de o homem apreciar a si mesmo.

Desde o Renascimento nota-se que, ao lado de uma humanização pretendida na cultura, deu-se uma constante desumanização do homem, à proporção que a economia feudal passava a ser superada pela economia mercantil, industrial e financeira, em que as cifras passaram a ser o sinal timológico principal e que os valores monetários móveis passaram a significar a posse do kratos social mais elevado.* Desde então a quantidade começou a predominar sobre a qualidade, o quantitativo passou a superar o qualitativo. A maquinaria, o desenvolvimento técnico, a perda de significação econômica do artesanato, o proletariado industrial, as grandes empresas, as unidades econômicas poderosas e monopolizadoras, a perda da significação humana acompanham paralelamente, provocando as naturais reações, porque a história humana é sempre o campo de uma luta antinômica entre o positivo e o negativo, entre o quantitativo e o qualitativo, entre o sagrado e o profano, entre, em suma, os valores positivos e os opositivos, com as sedimentações viciosas intercalares entre eles. Não se quer dizer que tais acontecimentos avassalem totalmente o âmbito social, mas apenas que eles se tornam predominantes numa camada atuante da sociedade, a quem cabe um papel de orientá-la também. É inegável que as mais altas personalidades, as cerebrações mais enérgicas não pactuam com essa desumanização. Sem dúvida que os apóstolos da desumanidade são sempre os mais deficientes, mas, também, de uma atividade perigosíssima e capazes de dominar vastos setores sociais, encontrando sempre adeptos dóceis aos seus ensinamentos.

A ênfase que se deu em nossos dias aos estudos axiológicos é um sinal da reação à excessiva desumanização do homem no século dos grandes desumanizadores: Lênin, Stálin, Hitler, Mussolini e outras figuras menores, e uma sequela de intelectuais equívocos, que contribuem com o ludíbrio da sua inteligência fantasmagórica para trabalhar em favor dessa desumanização, que a técnica poderosa, a desintegração atômica, as conquistas científicas, a megatérica construção de um poderio econômico e militar, que é um Moloc a devorar vidas e a ameaçar a destruição final, cooperam para que essa desumanização cresça.

O artista, que é quase sempre um brincalhão com coisas sérias, também contribui ludicamente para a desumanização na arte, que se torna quantitativista, e também uma plêiade de pseudossábios, de mentes de inteligência postiça põem-se a cooperar pelo cibernetismo da inteligência, a ponto de se convencerem de que o homem já não precisa do homem, e pode ser um troço vivo, capaz de gozar dos estupefacientes deliciosos, que o seu falso progresso oferece.

Eis um campo bem vasto para investigar na história de todos os povos e nos dias que correm, que é algo que nos aponta sinistros sinais de um niilismo avassalador. Todos anunciam o naufrágio, esses são-joões-batistas da catástrofe... É mister denunciá-los e combatê-los.


*O autor retoma a etimologia utilizada em seções anteriores desta obra, valendo-se de kratos, na acepção de poder (A Superioridade da Força sobre o Direito), e relacionando timológico com thymos, radical de estimar, com o mesmo valor de estimativa, pois designa um tipo de mesura mais superficial do que o axiós (Exploração Viciosa do Esporte), que estaria na raiz mesma da formação dos valores (axiologia), concepção que será desenvolvida no parágrafo seguinte. (N. E.)

terça-feira, 2 de setembro de 2025

Oxum é transformada de pavão em abutre - Reginaldo Prandi


Nos primeiros tempos do mundo, aconteceu uma rebelião dos Orixás contra Olodumaré. Achando que o Senhor Supremo vivia muito longe de tudo, dividindo entre eles mesmos todo o poder do axé, pensando em até mesmo destronar Olodumaré.

Quando a noticia da conspiração chegou aos ouvidos de Olorum, sua reação foi simples e imediata: retirou a chuva da terra e a prendeu no céu. Não tardou para que aiê fosse atormentado por terrível seca. com a seca veio a fome e com a fome veio a morte.

Os homens começaram a morrer. Logo o ronco das barrigas e a palidez das faces começaram a falar mais alto que o orgulho dos rebeldes e seus planos de levante. Unanimemente os Orixás decidiram ir a Olodumaré implorar por perdão, esperando que a chuva caísse de novo e que tudo o mais na Terra voltasse ao normal.

Mas eles tinham um problema: como chegar a inalcançável e distante casa do Senhor Supremo? Enviaram todas as espécies de pássaros, que voavam para o céu até o total esgotamento, sem sequer se aproximar da casa de Olodumaré. As esperanças já se diluíam em tanto fracasso. A seca e a fome devastavam a Terra e seus habitantes.

Foi quando Oxum resolveu intervir. Transformada em um belíssimo pavão ela se prontificou a ir até Olodumaré. Um tremor de gargalhadas sacudiu a Terra. Como aquela criatura pretendia voar até o inalcançável? Justamente aquela mimada, vaidosa e fútil ave! "Vais acabar te machucando, gracinha", riam os Orixás.

Mas como nada tinham a perder, aceitaram. E lá se foi Oxum-pavão seguindo em direção ao sol, voando ás alturas do Orum em busca do Palácio do Senhor. Voando mais alto e mais alto, a ave perdia as forças, mas não desanimava de sua inquebrantável determinação.

O sol foi enegrecendo suas penas, muitas se queimaram. As penas da cabeça ficaram ressequidas e quebradiças; o pavão tinha queimadura pelo corpo todo, seu estado era miserável. Mas lá ia Oxum voando em direção ao sol.

Quase morta, chegou ás portas do palácio de Olodumaré. Olodumaré se compadeceu da pobre criatura. Acolheu-a, deu-lhe água e a alimentou. Por que fizera tão impossível jornada perguntou ao pavão, que de pavão perdera toda a graça e beleza. agora era uma ave feia, careca e de penas queimadas á qual, quando ela voltou, chamaram de abutre.

Fizera o sacrifício pelas suas crianças, a humanidade, ela explicou ao Ser Supremo. Olodumaré, penalizado com a pobre ave, deu -lhe a chuva para que ela a devolvesse a Terra. E nomeou o abutre mensageiro seu, pois só ele vence a inalcançável distância em que está Olodumaré.

O abutre então voltou a Terra trazendo a chuva. Oxum-abutre trouxe a chuva de volta e com ela a fertilidade do solo e os alimentos. E graças a Oxum a humanidade não pereceu.

domingo, 31 de agosto de 2025

TROIA X ILÍADA: Como Hollywood cria consenso e MUDA obras históricas pra conduzir SUA OPINIÃO - Patrick Silva

Análise e Divisão do Texto

O texto, que trata das diferenças entre o filme Troia e a obra original, a Ilíada de Homero, pode ser dividido em parágrafos temáticos para facilitar a leitura e a compreensão partindo do vídeo de mesmo nome do canal Patrick Silva em lógica própria.

Apresentação e Tema Central

Não é de hoje que filmes que retratam algum período histórico ou se inspiram em alguma obra literária mudam algo ou tudo da fonte

 inspiradora, deixando às vezes só o nome mesmo. Um grande exemplo disso é o filme Troia.

Não é surpresa para ninguém que o roteiro do filme modificou bastante a história que o inspirou, e estamos falando da Ilíada de Homero. Porém, hoje eu vou mostrar para vocês que essas modificações são muito mais sérias do que vocês podem imaginar. E não apenas isso, essas modificações bebem muito da Revolução Francesa e de movimentos progressistas modernos como o feminismo, por exemplo. Mais do que isso, quero mostrar para vocês, usando o filme Troia como exemplo máximo, como a cultura moderna nos influencia a pensar de determinadas formas, criando consenso por meio de influência no imaginário de todos, ou pelo menos quase todos. E hoje em dia, até o fim do vídeo, você vai entender do que eu estou falando.

A importância de Homero e da Ilíada para o Ocidente

The Procession of the Trojan Horse in Troy by Giovanni Domenico Tiepolo  (1727–1804)

A primeira coisa que temos que entender é o que representava e ainda representa Homero e a obra Ilíada para todo o ocidente. Homero foi um poeta grego que nasceu em aproximadamente 928 a.C., mas de cara eu já tenho que fazer uma ponderação: acho que "poeta" não resume bem o que foi Homero. Podemos considerá-lo meio que um fundador de uma cultura, consequentemente um dos maiores influenciadores da civilização ocidental.

Para vocês terem uma ideia de quem foi Homero, Dante Alighieri, outro poeta (para muitos o maior poeta de todos os tempos), autor da Divina Comédia (que também para muitos é a maior obra de todos os tempos), ao encontrar Homero no Limbo, um dos níveis do inferno, diz o seguinte: “Com a espada na mão, olha o decano, é Homero, o poeta soberano”.

Otto Maria Carpeaux, um crítico literário, em sua obra majestosa A História da Literatura Ocidental (CARPEAUX, Otto Maria. 3. ed. -- Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2008. 4 v. [Edições do Senado Federal; v. 107-A], p. 46), diz o seguinte: “Nenhum autor clássico alcançou jamais fama tão indiscutida. Tornou-se um sinônimo de poeta. Essa glória é em grande parte o resultado de inúmeros esforços malogrados de imitá-lo. Será difícil enumerar as epopeias modernas que se escreveram para rivalizar com Homero, e o fracasso manifesto de todos os imitadores fortaleceu unanimemente a opinião: Homero é o maior dos poetas”.

Os gregos antigos consentiram, mas por outros motivos, porque nunca, senão nas últimas fases da decadência literária, um poeta grego pensou em imitar Homero. As epopeias homéricas eram consideradas como cânone fixo, ao qual não era lícito acrescentar outras epopeias de origem mais moderna. A Ilíada e a Odisseia eram usadas nas escolas gregas como livros didáticos, não da maneira como nós outros fazemos, ler aos meninos algumas grandes obras de poesia para educar o gosto literário, mas sim da maneira como se aprende de cor um catecismo.

Para os antigos, Homero não era uma obra literária, leitura obrigatória dos estudantes e objeto de discussão crítica entre os homens de letras na antiguidade. Também, assim como nos tempos modernos, Homero era indiscutido. Não mais como uma epopeia, e sim como a Bíblia. Era um código. Versos de Homero serviam para apoiar opiniões literárias, teses filosóficas, sentimentos religiosos, sentenças de tribunais, moções políticas. Versos de Homero citaram-se nos discursos dos advogados e estadistas como argumentos irrefutáveis. Homero, isso significava tradição no sentido em que a igreja romana emprega a palavra como norma de interpretação da doutrina e da vida.

A importância de Homero para toda a cultura grega não pode ser descrita. É como se tentássemos descrever a importância do sol para o pôr do sol. Não é que ele é importante, ele é a base de tudo o que vemos ali naquele cenário.

Os poemas de Homero são tão bem elaborados, com tamanha complexidade, seja por causa do tamanho somado à harmonia, seja por causa das personalidades complexas (pelo menos para a época) e opostas de seus personagens, que não são poucos em nenhum dos poemas, que durante muito tempo houve um questionamento enorme se aqueles poemas formam mesmo uma só obra e se tinham sido escritos pela mesma pessoa. O maior contestador de todos foi Friedrich August Wolf. Ele apontou determinadas contradições entre Ilíada e Odisseia, principalmente por causa do estilo. Alguns concordam com ele, outros apoiam a unidade da obra de Homero. Esse problema não está completamente resolvido até hoje.

Mas quando foram encontradas as ruínas da cidade de Troia na Ásia menor, e quando indícios de uma civilização pré-helênica surgiram em Micenas e Creta, a ideia de uma unidade da obra de Homero ganhou muita força, e para a maioria dos estudiosos, essa é a versão que prevalece.

Werner Jaeger, um historiador que possui várias obras sobre a cultura grega antiga, ressalta em seu livro Paidéia como as obras de Homero foram importantes exemplos pedagógicos de virtude, heroísmo e sabedoria para todos os gregos. Ele fez uma análise de Homero como educador. E para isso ele invoca Platão.

Conta Platão que era opinião geral no seu tempo ter sido Homero o educador de toda a Grécia. Desde então, a sua influência estendeu-se muito além das fronteiras da Hélade. Nem a apaixonada crítica filosófica de Platão conseguiu abalar o seu domínio quando buscou limitar o influxo e o valor pedagógico de toda a poesia. Verner nos mostra como Platão, mesmo com críticas enormes à poesia de Homero e suas consequências para a formação dos gregos, reconheceu que o "poeta soberano" foi educador de todo um povo, sendo sua influência até difícil de mensurar. Influência essa que para Platão ora era boa, mas em maior parte era ruim.

E uma curiosidade: Homero escreveu essas obras de tanta relevância e, pelo que se sabe, morreu aos 30 anos de idade.

Por essa pequena amostra, já deu para entender e perceber o peso que Homero teve e como uma simples modificação em sua obra faria uma enorme diferença no significado dela, na mensagem a ser transmitida. E aqui entramos no filme Troia.

O Filme: Troia

Cavalo de Troia usado no filme Troia - Próximo ao Hotel Akol - Çanakkale

O filme foi dirigido por Wolfgang Petersen, roteirizado por David Benioff, com um elenco estrelado contando com Brad Pitt, Eric Bana, Orlando Bloom, Diane Kruger, Brian Cox, Sean Bean, entre outros. Contou com um orçamento exorbitante para a época, que teve uma bilheteria razoável, pagando os custos do filme, mas sem grandes lucros. No IMDb, a nota dele é 7,3 e no Rotten Tomatoes, a crítica foi bem dividida.

Muitos críticos reclamaram das adaptações feitas na história original, afirmando em muitos casos que as motivações dos personagens e o desenrolar da história não foram convincentes. E nesse ponto, temos a primeira grande diferença da obra de Homero para o filme: no poema, o papel dos deuses gregos não é somente importante, ele é providencial. Em vários momentos, a trama anda por causa das ações diretas dos deuses gregos. E quando isso foi transposto para o roteiro do filme, essas ações não eram compatíveis com as motivações dos personagens.

Para exemplificar, vamos por partes. O filme começa com uma cena de batalha. Basicamente, existe ali uma trama para nos mostrar a personalidade e as habilidades de Aquiles, e já para trabalhar a desavença que existe entre ele e Agamenon. Só que essa cena não existe no livro. O livro, na verdade, começa muito mais para a frente, no cerco que os gregos fizeram em Troia, que a essa altura já durava mais de nove anos.

No filme, após esta batalha que apresenta Aquiles e sua habilidade de luta, já corta para uma comemoração de acordo de paz entre Troia e Esparta, onde Páris acaba se envolvendo com Helena. Helena abandona Troia e Menelau, seu marido, para fugir com Páris. Isto, no filme. No livro, Helena não abandona apenas o seu marido, ela também tem uma filha. Ela abandona sua família para fugir com Páris.

E aqui começamos a perceber um posicionamento nítido que o roteirista e diretor têm com relação à antiguidade: eles amenizam o erro de Helena, não só removendo a filha da história, mas colocando Menelau como um homem muito mais velho e com, digamos, um capital estético nada atrativo. O que é completamente contraditório à história do poema. No início do poema, naquela cena da batalha à frente das muralhas, que no filme está mais para frente, na frente de Troia, Príamo olha para o exército grego e descreve vários guerreiros que chamam sua atenção. Ao descrever Ulisses ou Odisseu, ressaltando suas qualidades físicas, eles o comparam a Menelau, considerando-os muito parecidos, sendo um de pé mais imponente e o outro quando sentado o superando.

Agora vejam a descrição que Príamo faz de Agamenon, o rei da Grécia e irmão de Menelau:

Vem revelar-me quem seja aquele homem de aspecto imponente;

como se chama esse Acaio tão belo e de tal corpulência?

Outros heróis é evidente mais altos do que ele percebo;

mas os meus olhos jamais admiraram tão belo conspecto

nem majestade tão grande; assemelha-se é facto a um monarca.

E Helena responde:

Sinto por ti caro sogro respeito e vergonha a um só tempo.

Bem melhor fora se a Morte terrível me houvesse levado

antes de haver consentido em seguir o teu filho deixando

o lar e o esposo minha única filha e as gentis companheiras.

Mas não devia assim ser; essa a causa de todo o meu choro.

Ora te vou responder a respeito do que perguntaste.

Esse é Agamémnon rei poderoso de Atreu descendente

tão grande rei chefe de homens quão forte e notável guerreiro.

Foi meu cunhado se o foi algum dia com minha cegueira!

Agora fica a dúvida: por que modificaram tanto a aparência dos reis e amenizaram tanto os erros de Helena?

A Influência de Ideologias Modernas na Representação dos Personagens

Bom, é aqui que entrelaçamos nessa conversa o feminismo e a Revolução Francesa. Para não estender demais, porque só esse tema com certeza dá uma série de vídeos, a Revolução Francesa, em resumo, concentrou quase todo o seu esforço em destruir a imagem de um bom monarca. A ideia antiga de um monarca virtuoso que todos consideram digno do trono e por isso mesmo ele governa de forma única, foi bombardeada nessa época. Vários reis foram condenados à morte, e desde então, um grande espectro da nossa sociedade considera a Revolução Francesa uma das melhores coisas que já aconteceram na história da humanidade.

Trabalhar culturalmente um rei sendo uma figura preguiçosa, exploradora, tirana, desumana, se tornou praticamente normal. Pensa comigo: com qual frequência você vê filmes que representam reis como uma figura positiva? Qual foi a última vez que você viu um Aragorn na tela? Isso é muito raro. O que mais nós vemos são reis sempre sendo tratados com características extremamente negativas. Não estou dizendo que eles não existiram. Tivemos sim muitos reis péssimos, verdadeiros tiranos ao longo da história, mas a verdade é que o reinado dos tiranos normalmente era muito curto.

Pensa comigo novamente: se a maioria da população odiasse um rei, o que acontece com os tiranos? Havia muita dificuldade para chegar até ele? Claro que não. O poder bélico de um rei, principalmente na antiguidade, era de espadas e escudos, uma guarda real de algumas dezenas de homens, no máximo centenas. Isso não chega nem perto da diferença de armamento que um cidadão comum tem acesso e um governante tem acesso nos dias de hoje. Mesmo em países que as armas são vendidas com muita facilidade, o governo possui armas nucleares, possui tanques, mísseis, todo o aparato militar pronto para obedecer e conter qualquer revolta popular mais rápido do que ela poderia crescer. E eu nem vou falar do caso do Brasil, onde ter uma arma é uma jornada quase que impossível ou inviável financeiramente. O poder do estado de repressão hoje é infinitamente maior do que esses reis tinham na antiguidade. E sem contar o poder de fiscalizar e punir alguém por meio de tecnologia, meios repressivos que nem os maiores tiranos da história sonhariam em ter.

Então, como foi possível na nossa história ter a monarquia como a forma de governo mais comum durante mais tempo? Como o monarca fazia para que as pessoas obedecessem? O que fazia com que um rei pudesse governar? É que a maioria da população o considerava o mais apto para o cargo. Monarcas na maioria das vezes eram elevados a esse cargo pela própria população ou mesmo treinados em suas famílias para desenvolver as virtudes necessárias para tamanha responsabilidade na sociedade. E quando dava errado, já sabemos o fim. Nero, por exemplo, teve um reinado de 12 anos, morreu aos 30 anos de idade. Júlio César tinha discordância dos seus adversários políticos e foi assassinado com pouco mais de cinco anos de governo. Calígula, outro imperador romano considerado mais cruel de todos, não passou dos 30 anos.

E veja bem, não estou dizendo que não houve tiranos que conseguiram ficar por mais tempo no comando, mas percebam que nos últimos séculos, justamente por causa do avanço bélico e tecnológico, os tiranos conseguiram passar muito mais tempo em seus postos, se protegendo de forma muito mais eficiente e atingindo uma quantidade muito maior de pessoas com a sua crueldade. E também não estou aqui fazendo nenhum tipo de apologia à monarquia. Eu não faço apologia de sistema de governo nenhum. Todos têm lados bons e lados ruins.

Para vocês terem uma ideia de como era ter um trono nessa época da Grécia antiga, em seu outro livro, Odisseia, Homero descreve a jornada heróica que Odisseu, ou Ulisses, rei de Ítaca, fez para voltar para casa. Mas ao chegar em Ítaca, como já havia 20 anos de sua partida, já haviam vários pretendentes a marido de sua esposa, Penélope. E não bastou somente chegar e dar uma ordem para todo mundo ir embora. Se fizesse isso, eles o matariam. Odisseu teve que planejar cuidadosamente escondido e ainda exterminar todos. As coisas não funcionavam como o filme tenta mostrar. Reis não são obedecidos automaticamente e servilmente no cenário da Hélade. Ou o rei conquista o trono sendo merecedor dele, ou o tiram de lá. Agora, para Menelau e Agamenon do filme, quantos homens precisam para tirar os dois de seus tronos? Chega a ser uma piada. Isso é só olhar.

E temos um segundo ponto de análise: por que amenizar tanto o erro de Helena? Por que criar esse cenário em que nós quase concordamos com ela ao trair, enganar o marido e fugir com um amante? Aí entra um problema da nossa cultura moderna. Da mesma forma como temos dificuldade em ver homens sendo representados com virtudes, líderes e solucionadores de problemas, é muito difícil ver uma mulher como vilã.

O filme trabalha uma ideia que hoje ela é quase unânime: que as mulheres de algum tempo atrás quase sempre se casavam obrigadas, com homens repulsivos, muito mais velhos que elas, e viviam infelizes por incapacidade de escolher. Claro, isso existia. Agora, observa o que temos hoje: mulheres possuem tanta liberdade de poder trabalhar e conquistar sua liberdade financeira quanto a liberdade para escolher seus cônjuges. No entanto, a cada ano que passa, batemos recorde de divórcio, quase sempre iniciado por mulheres. "Mas, Patrick, elas estão fazendo isso justamente para não precisarem mais ficar em um casamento forçado, dependendo do marido para buscarem a felicidade". Então, nós temos que concordar que não está dando certo. Na mesma proporção em que cresce o número de divórcio, cresce o número de mulheres com ansiedade e depressão.

E aqui mais uma adendo: eu não estou dizendo que o divórcio é a causa da ansiedade e da depressão, estou apenas constatando um fato: nunca houve tanto divórcio e as mulheres nunca tiveram tanta liberdade de escolha, e nós nunca tivemos tanto caso de depressão e ansiedade entre mulheres.

O que mais temos na história do cinema são filmes famosíssimos que abordam esse tema do casamento forçado. E eu acho que o assunto é muito mais complexo do que isso.

Voltando ao filme, há trechos e diálogos explícitos de como ela era infeliz em Esparta, de como ela passou a ter vida somente com Páris: “Antes de você vir a Esparta, eu era um fantasma. Eu andava, comia e nadava no mar, mas era só um fantasma. Esparta nunca foi a minha casa. Meus pais me mandaram para lá quando eu tinha 16 anos para me casar com Menelau, mas nunca foi minha casa”. E o livro trata de forma bem diferente. Veja esse trecho do canto três:

Na alma as palavras da deusa infundiram-lhe doce saudade

do seu primeiro marido dos pais e da pátria grandiosa.

Ei-la que o rosto recobre com o nítido véu apressada

e a derramar ternas lágrimas sai do aposento luxuoso

Helena no poema sente saudade do marido, reconhecendo isso várias vezes. A questão é que no livro a ida dela pra Troia é tratada como uma mescla entre sequestro e sedução de Páris, mas auxiliado por Afrodite, deusa do amor, da beleza e do desejo.

A Ausência dos Deuses e a Deturpação da Visão Antiga

E aqui nós entramos num dos maiores motivos da dificuldade de adaptação da obra: tanto o roteirista como o diretor queriam remover todo esse peso que a religiosidade grega tinha no poema. Várias vezes os deuses interferem diretamente nos acontecimentos, e eles tiveram que fazer adaptações nas motivações, tentando fazer com que as coisas fizessem sentido, mas nem sempre eles conseguiram. Páris, por exemplo, na luta contra Menelau, ele não foge, ele é resgatado por Afrodite, que o leva direto pro seu quarto em segurança. Outro exemplo é na luta entre Heitor e Aquiles. Heitor estava fugindo de Aquiles no livro, correndo ao redor da cidade. A deusa Atena disfarçada engana Heitor e diz que vai ajudá-lo a enfrentar Aquiles. Só assim ele aceita o desafio, tendo o mesmo desfecho do filme. Essa luta, aliás, é bem mais épica e marcante no filme do que no livro. Nós temos aqui que concordar, né?

A verdade é que eles não só removeram a parte religiosa da Ilíada, eles a ridicularizaram. Sempre que os troianos precisavam tomar decisões, quando as decisões não eram pautadas por sinais recebidos dos deuses, eles tomavam as decisões erradas. Outra coisa bem marcante é que eles ridicularizavam a velhice, tratando os sacerdotes como antiquados e supersticiosos. É claro que essa não é a visão de Homero. Na verdade, essa não é a visão de nenhum dos grandes nomes da Grécia. Tanto Platão como Aristóteles tratavam a juventude normalmente ligada com imprudência e impulsividade, e ligavam sempre a maturidade e idade avançada como sabedoria e prudência, salvas exceções, e eu sei que elas existem, é bem difícil discordar de Platão e Aristóteles para quase tudo.

Outra mudança brusca de perspectiva do livro e filme foi a motivação de Agamenon para a guerra. O filme ressalta todo o tempo que Páris ter levado Helena com ele foi apenas um pretexto. É colocada com muita frequência a visão de que o que provocou a guerra foi a ambição de Agamenon. Para vocês terem uma ideia de como isso difere do filme, o acordo feito entre Menelau e Páris para o duelo (a disputa de Helena) encerraria de fato a guerra. E isso não é inexplicável. No livro, o cerco de Troia já durava mais de nove anos. Já haviam tido reuniões entre os gregos e o próprio Agamenon já tinha proposto voltar para casa e desistir de dominar Troia. Ao se propor o duelo, os dois concordaram com isso e afirmaram que isso encerraria de fato a contenda ali mesmo. Mas a interferência de Afrodite, salvando Páris, desemboca numa batalha que dura dias e resulta na morte de vários personagens importantes como Pátroclo, Heitor e Aquiles.

Outras Mudanças de Personagens e Enredo

E por falar em Pátroclo, está aí um personagem completamente diferente entre as duas obras. Ele, que era amigo de Aquiles e não primo como diz o filme, no filme é quase um adolescente iniciante ainda nas batalhas. No livro, ele é um exímio guerreiro, faz um estrago no exército troiano e só é vencido por Heitor porque Apolo intervém e ajuda a superar Pátroclo.

Heitor foi outro personagem bastante modificado no filme. Se tornou praticamente perfeito moralmente e intelectualmente. No livro, Ele é bem mais sanguinário, impiedoso e muito menos honrado. Além disso, ele é muito mais revoltado com o irmão por tudo o que ele causou ali naquela guerra. E por falar nele, esse é o personagem que praticamente não mudou tanto no livro quanto no filme: que foi o Páris. Ele é igualmente inconsequente e frouxo no filme e no livro.

A Ilíada se encerra com os funerais de Heitor e Pátroclo. O que acontece a partir daí não está no livro. Todo o desfecho da história são relatos diretos ou deduções presentes na Odisseia e não na Ilíada. E muitas coisas no desfecho são diferentes também: Menelau não morre, ele deseja tanto a sua esposa e a amava tanto que eles voltam para casa e vivem juntos quando Odisseu e seu filho passam lá durante a Odisseia, mais um indício da diferença de personalidade de Menelau do livro e do filme. Agamenon morre sim, mas não por Briseida como é no filme, e sim por uma conspiração entre sua esposa e seu amante. Isso acontece quando ele está voltando pra casa.

A queda de Troia realmente acontece, mas não é narrada em nenhum livro. Outro fato que não é narrado em nenhum livro é como Aquiles morreu. Ele apenas aparece no Hades, o mundo dos mortos, quando Odisseu desce lá buscando o caminho de casa.

Outra coisa que eu queria ressaltar é a diferença que existe entre a versão que foi para o cinema e a versão do diretor. Nitidamente, a versão do diretor é bem mais sanguinária, vários cortes das batalhas foram tirados, mas na versão do diretor eles estão explícitos. É com certeza muito mais sangue, muito mais matança. Esta questão que eu disse também sobre eles ridicularizarem a fé dos gregos e também tratar a maturidade como uma superstição e uma coisa meio de idiotas, praticamente, é bem mais saltada na versão do diretor do que a versão que foi para o cinema.

No geral, alguns detalhes foram modificados da versão do cinema para a versão do diretor e vice-versa, mas eu acho que ambas são interessantes. Eu particularmente gosto desse filme. Parece estranho falar isso aqui agora, mas eu gosto. Eu acho que tem muito a ver com o carisma do Brad Pitt, porque é um ator que eu gosto muito. Eu gosto de quase todos os filmes que ele fez, e quase todos os personagens ele combinou muito. Com o personagem do Aquiles, que é um semideus nos livros, apesar de ele já ter dito que não gostou muito de ter feito o filme, mas eu gostei. Sei que o filme tem problemas, mas até que me agrada.

Outra coisa que fica muito clara é que o Aquiles ali é tratado como um protagonista. Isso é muito comum em filmes, porque é mais fácil conduzir um filme tendo um personagem principal e desenvolvendo suas características, seus dilemas e sua transformação. No livro, não existe basicamente um personagem principal como é o caso da Odisseia. A Ilíada tem vários personagens, e praticamente nenhum é aprofundado mais do que o outro. Cada um tem o seu momento ali de aparecer. E para falar a verdade, Aquiles aparece muito pouco. Por ele ser um filho de uma deusa, ele tem habilidades muito diferentes dos outros, então eu creio que se colocasse Aquiles nas batalhas desde o início do livro, a coisa meio que perderia a graça, porque quando ele entra é um negócio meio absurdo mesmo. Então tratar o filme com uma ênfase nele é totalmente compreensível, ainda mais quando você tem um ator do calibre do Brad Pitt, do carisma que ele tem, né? Isso com toda a certeza arrasta o filme e arrasta o público também para assistir. Vocês veem que o próprio banner do filme tem sim uma ênfase muito grande no elenco, mas ainda mais em Aquiles, que é o Brad Pitt, na verdade.

Conclusão: A Formação do Imaginário e a Importância da Cultura

Bom, fica bem claro que mudanças foram feitas na obra original e é totalmente normal que isso aconteça. O que eu questiono aqui é por que as mudanças levam à representação dos tempos antigos sempre com a recorrência de um padrão? Algumas visões são tão comuns nos filmes de hoje, principalmente com relação a reis, deuses, feminilidade, masculinidade, que já são quase um consenso. E aí fica a pergunta: por que achamos que esse tipo de visão, como os reis serem todos tiranos, deuses ou deuses serem sempre superstições, mulheres nunca terem tido direito de escolha alguma, são tão comuns que já falamos como se isso fosse fato inquestionável?

E é aí que voltamos à importância da formação do imaginário e ainda mais à importância de ver os vários lados da história para buscar a verdade. Quando buscamos o conhecimento, mesmo se virmos uma sentença que faça sentido, nós não vamos julgar aquilo verdadeiro se não estiver no nosso campo de possibilidades que já imaginamos ser possíveis. Em outras palavras, a verdade pode estar diante de nossos olhos, se nós não acharmos aquilo crível, palpável, vamos ignorar, porque a nossa imaginação não consegue abarcar esse pensamento como viável, como palpável.

A imaginação nos é importante para absolutamente tudo. Em cada decisão, nós usamos o que já vimos, ouvimos e sentimos como base para o que pode ou não ser real, o que pode ou não ser uma possibilidade. São Tomás de Aquino já dizia que todas as regras morais, como por exemplo os 10 mandamentos, são universais, mas as situações humanas são individuais e particulares. Isso quer dizer que várias das situações que nós vivemos em nossas vidas não têm uma regra moral específica, nem mesmo para aquelas que tenham nos 10 mandamentos ou qualquer outra regra moral.

"Tirar a vida de alguém é errado em quase todas as culturas." Mas e quando esse alguém entra na sua casa, não escuta seus alertas, prosseguindo na invasão e ameaçando a sua vida e de sua família? Tirar uma vida continua sendo errado? "Mentira é uma coisa desprezível." Mas e quando alguém se esconde na sua casa morrendo de medo, implorando para que você o ajude a fugir, e na sequência aparece alguém armado perguntando onde aquela pessoa está? Mentir continua sendo uma coisa desprezível?

Nesses dilemas morais, como podemos fazer para converter as regras ou leis morais gerais em decisões tomadas nas nossas situações do dia a dia? São Tomás de Aquino também nos deu a resposta: imaginação. É usando a imaginação que conseguimos pensar em soluções possíveis, convertendo o que é geral ao aplicável na nossa circunstância do momento. Mas isso não é tão simples como parece. É preciso enriquecer a imaginação com o máximo de situações possíveis para que, quando algum dilema moral se apresentar a você, a sua gama de possibilidades seja tão vasta que alguma opção já vista por você se encaixe, ou pelo menos se aproxime, e você consiga resolver.

E como podemos fazer para ampliar nosso imaginário? “Nada está na nossa imaginação que não tenha passado antes pelos sentidos.” Essa frase foi dita por Aristóteles. Ele acreditava que todos os conhecimentos que temos começam pelos sentidos e depois são formulados como pensamentos para serem utilizados quando julgarmos necessário. Ou seja, tudo que você assiste, ouve, presencia, lê, vê, começa a fazer parte do seu repertório de situações possíveis. Dessa forma, quanto mais acesso à cultura você tem, maior será seu imaginário.

Mas então, qualquer cultura vale para aumentar o imaginário? Sim. "Qualquer cultura tem o mesmo valor?" Não. Qualquer pessoa é capaz de perceber que uma tribo que realiza sacrifícios humanos tem valor moral mais baixo do que a nossa sociedade de hoje. Qualquer pessoa consegue perceber que existe uma diferença de qualidade entre uma escultura de Michelangelo e uma obra de arte moderna. Qualquer pessoa percebe que há uma diferença sim entre a Quinta Sinfonia de Beethoven e o hit "Caneta Azul".

O que eu quero dizer com isso: não tem problema ver filmes ruins ou medíocres, mas veja os clássicos renomados do cinema. Não tem problema ouvir as músicas de hoje, mas pelo menos para conhecer, ouça música clássica. Não tem problema ler os livros mais vendidos do último ano, mas não deixe de ler clássicos como Ilíada, Odisseia, Divina Comédia, Crime e Castigo, Rei Lear, Guerra e Paz, A República, As Confissões, e por aí vai.

Se você não fizer isto, filmes como Troia, historicamente e sociologicamente tendenciosos, serão a única base de fonte histórica que você terá. Existe um lado, mas por que não ver o outro lado? Leiam Ilíada e Odisseia. Vale muito a pena. Até hoje.

Para ver mais: TROIA X ILÍADA: Hollywood - Patrick Silva

sábado, 19 de julho de 2025

Curacanga - via Museu Histórico e Artístico-MA (@museuhistoricoeartistico)



A Cumacanga ou Curacanga é uma lenda do folclore paraense e maranhense, cuja história faz menção a uma mulher amaldiçoada por se envolver com um padre ou que talvez seja a sétima filha de uma família do mesmo pai e mesma mãe.

Alguns relatos dizem que nas noites de sexta-feira de lua cheia ou à meia noite de uma sexta-feira qualquer a cabeça da mulher desprende-se do seu corpo e sai flutuando ardendo em chamas, assustando a todos que a encontram pela frente e ao primeiro cantar do galo, sua cabeça retorna ao seu corpo.

Como modo de evitar que sua sétima filha seja amaldiçoada, o correto é tornar a sexta filha a madrinha da sétima e para descobrir a portadora da maldição, basta oferecer-lhe uma agulha virgem no momento em que se encontrar com a Curacanga, quando ela voltar em sua forma humana no outro dia, ela virá buscar a agulha.

Folcloristas acreditam que a lenda da Cumacanga surgiu com base no avistamento de fogo-fátuos que é um fenômeno natural decorrente da queima de gases como fosfina e metano provenientes de cadáveres em decomposição que surge no corpo de animais pela floresta e se manifesta nas superfícies com a queima desses gases de alta inflamação.

quarta-feira, 16 de julho de 2025

A Temida Guarda Negra da Redentora - via brazil_imperial


Criada após a Lei Áurea, a Guarda Negra da Redentora era um grupo político de militantes monarquistas, formado em sua maioria por negros livres dos centros urbanos, capoeiras, jornalistas, policiais e profissionais liberais, que combatiam violentamente o crescente Movimento Republicano nas Cidades do então Império do Brasil, sob a liderança do chefe capoeira Clarindo de Almeida, e o jornalista José do Patrocínio.

Segundo o Historiador Michael R. Trochim, a Guarda era uma espécie de "Maçonaria Negra" com código de juramento e reuniões secretas, tinha o apoio velado de importantes líderes póliticos do Partido Conservador, como o Conselheiro João Alfredo Correia de Oliveira.

Líderes Republicanos como Rui Barbosa, Silva Jardim, e Rangel Pestana, que foram agredidos por militantes da Guarda Negra nas ruas, acusavam os monarquistas e o Estado Imperial de estimularem uma "Guerra Racial" no Brasil

O Jornal "A Cidade do Rio" e a própria figura de José Patrocínio, passaram a ser identificados pela opinião pública como defensores violentos de uma monarquia em crise.

A Guarda Negra iniciou um verdadeiro culto à princesa Isabel, o chamado isabelismo e se reuniram em torno do Partido Conservador por sua gratidão a Princesa Isabel e o gabinete João Alfredo. Os estatutos da Guarda Negra ordenavam que os negros só trabalhassem em fazendas cujos proprietários não fossem hostis a Isabel e apoiassem o terceiro reinado.

Patrocínio passou a liderar a barreira de proteção à Regente, aparando todas as ofensas e ameaças contra ela.

Patrocínio, que antes condenava a Monarquia como o sustentáculo do Regime Escravocrata, passou a apoiar publicamente a Princesa Isabel, após a assinatura da Lei Áurea em Maio de 1888. Prometeu lealdade e solidariedade a redentora dos escravos como o seguinte juramento de seu grupo militante, a Guarda Negra: " Pelo sangue de minhas veias, pela felicidade dos meus filhos, pela honra de minha mãe e a pureza de minhas irmãs, e, sobretudo, por este Cristo, que tem séculos, juro defender o trono"



sábado, 5 de julho de 2025

Agar - Delminda Silveira de Sousa

Agar e Ismael no deserto (Hagar and Ishmael in the Wilderness) Francesco Cozza (painter)

Sobre o pálido azul do Oriente desdobrava a aurora o seu manto de púrpura e ouro; brilhante véu de luz escondera as estrelas do firmamento.

Além, além, pela solidão do deserto, caminhava Agar, — a escrava sem lar, sem amor.

Dormia-lhe Ismael nos braços e de seus ombros delicados pendia-lhe uma cabaça com água e um alforje com pão.

Seus olhos tristes dirigiam-se ao Céu resplandecente, enquanto dos lábios vermelhos como a silvestre flor que vem de desabrochar, voavam-lhe suavíssimas preces envoltas nos suspiros da Natureza.

“Oh! Deus! — exclama — não pereça Ismael, meu filho caro, por meu seio, de cansado, negar-lhe o doce alimento. Antes que o sol desapareça nesta soledade, dá que meus olhos avistem os verdores de um oásis em que possam repousar meus fastigados membros, e onde minha boca sequiosa encontre o veio de alguma cristalina fonte.”

E ela estendia a vista pela imensidade cujas areias brilhavam aos raios do sol ardente, como poeira de diamantes.

Ismael acorda.

“Mãe, água!” — debilmente balbucia com voz suave e meiga como o balido da ovelha terna.

Agar olha derredor...

Só o areal, que fulgia como uma poeira de diamantes!

Deixando o filhinho sobre o chão abrasador, ela afastou-se febril, em lágrimas, murmurando:

“Ao menos não o verei morrer!”

“Agar, Agar!” — uma voz suavíssima, do alto, disse.

E um anjo formoso, em alvíssima nuvem brilhante, tocava-lhe o ombro, como se a despertasse.

Agar fitava-o, pasma.

— Toma água dessa fonte, bebe, e dá de beber a teu filho. Deus é convosco; caminha; Ismael será o chefe de uma poderosa nação.”

E a visão desapareceu.

Como um espelho de cristal, uma fonte d’água puríssima e fresca se estendia ali, no areal do deserto inclemente.

Agar tomou seu filho e, naquela maravilhosa fonte, com ele, desalterou o peito enfebrecido.

Ismael veio a ser o pai de um grande povo.

sábado, 28 de junho de 2025

The Tale Of The Ronin And The Bride - Blue Eye Samurai (S01E05) - via tvtropes

"No one man can defeat an army, but one creature can. How does such a creature come to be?" — Tayū

The episode opens with a puppet stage performance (in what appears to be a variation of Bunraku puppet theater), before what seems to be a high ranking and important audience. The narrator of the show says that no one man can defeat an army, but a creature can, and proposes to tell the audience how such a creature can come to be. The narrator then begins a story where in ancient times the master of a Rōnin was slaughtered by a rival clan whose crest was the phoenix, and how it caused "a storm to rise in his soul" as he swore vengeance. As the narrator says this, we get quick flash cuts between the ronin in the show and Mizu, who is facing down the Thousand Claws. As she looks at the Claws and Madam Kaji's murdered assistant, a hateful glare comes to Mizu's face.

Mizu cuts down the first few members of the Claws, causing some of the others to give each other nervous looks. That buys Mizu and the others time to retreat into the brothel and barricade the formidable door. Madam Kaji, Akemi, and the other girls retreat to a basement, Mizu sends Ringo to look after them and gives him a knife to use to defend himself and protect them. The girls shut themselves inside a room, with Ringo standing outside as a last line of defense. After a few moments, Akemi joins him, holding a tiny dagger, and declares the Claws will have to get through them both.

Upstairs, Mizu thinks about her childhood, remembering some tender moments with her mother, her mother's increasingly harsh admonishments against being seen, and forcefully shaving Mizu's head and telling her that she must always appear to be a boy, since the "bad men" are looking for a blue eyed girl. She then remembers her home burning down, the apparent death of her mother in the fire, and swearing to get revenge by killing the white men.

Her reverie is broken when the Claws finally manage to break down the door and enter the room. With most of the interior in darkness, they go to one of the few places with any light, and Mizu promptly ambushes them from the darkness, easily cutting them down without them even seeing her. After some time passes, a second small group comes inside, and Mizu manages to kill several more with the same tactic, but the leader of this bunch manages to fight back effectively, parrying her blade, grabbing ahold of Mizu, pinning her against the wall, and then stabbing her in the side with his claws.

The narrator from the puppet show tells of the ronin's vow to kill everyone who wears the phoenix crest and destroy their entire clan forever, but notes that the ronin would find the demon's path of revenge to be a difficult one. Mizu's flashbacks show her own difficulties in her early attempts to try to find the white men, as she is stabbed in the side by a group of opium dealers she tried to question. Badly wounded, Mizu staggered away from their hideout, weakly searching for help. Meanwhile in the performance, the ronin's violent quest for revenge has early success, but takes a toll on both the ronin's health and mind. The ronin becomes sick, and it seems likely he will die of disease without fulfilling his vow. Both the ronin and Mizu find unexpected salvation; Mizu comes across a group of prostitutes on a bridge and realizes one of them is her mother, who is surprised to see Mizu. After Mizu collapses, she takes Mizu to her home and treats her there. Meanwhile, the ailing ronin crosses paths with a woman who takes pity on him and brings him to her home and tends to him, allowing him to rest and recover.

Mizu breaks free of the Claw who wounded her and overcomes him, then staggers deeper into the brothel, alternating between fighting the Claws and retreating long enough to grab a quick rest. A pair of the Claws find the basement, and boast to Akemi and Ringo that the samurai is cornered upstairs. Ringo and Akemi manage to defend themselves and Akemi, fearing that Mizu cannot defeat the Claws alone, goes upstairs to see if she can help. Mizu continues racking up a formidable body count with the Claws, but the same one who wounded Mizu earlier manages to catch her by surprise, starts strangling her, and seems to be on the edge of killing Mizu when Akemi stabs him in the back. Hearing the sound of more Claws approaching, Akemi desperately tries to wake an unconscious Mizu.

In Mizu's past, she recovers from her wound but the money she had is soon taken by her mother to feed the older woman's opium addiction. Her mother claims to have a solution to their problems; a marriage to a disgraced samurai and horse tamer/trainer living in the mountains, who needs a wife to aid him around his house. Mizu is very opposed to the idea, but is emotionally blackmailed into accepting. Mizu meets and marries Mikio, and as time passes, the two slowly begin warming to each other, and despite some rough spots, it turns into genuine affection and eventually love.

In the performance the ronin initially intends to leave the woman after recovering his health, but the woman tries to convince him to stay, and the two fall in love, causing the ronin to set his vow of vengeance aside.

Mizu wakes up just in time to save Akemi from several of the Claws, then distracts the rest into chasing after her while Akemi flees back into the basement. Mizu draws them outside, but there are still more members of the Claws there, and they gang up on her. Unless she can find a way to change the tide of the fight (and quickly), things are looking grim for Mizu as the Claws attempt to finish her off.

In her past, Mizu opens up to Mikio. He seems intrigued when she says that the main thing she did during her childhood and adolescence was study swordsmanship as part of her quest for revenge, and asks her to have a sparring bout with him. Mizu becomes very... enthusiastic during the fight and insists on escalating things, unsheathing her sword, then mocking Mikio when he shows reluctance to do the same. Eventually she begins to trounce him, and the fight ends when (after a period of dodging all his strikes) she throws him to the ground, shoves a blade against his neck, and then forcefully kisses him. Mikio, however, does not react to this well, pushing her away and saying that Mizu really is a monster.

In the puppet theater, the ronin has been living happily with the woman and their child, but he learns a startling fact about his bride; that she is a member of the same clan with the phoenix crest that he swore to destroy. The bride pleads with him, saying that she exiled herself from her father's evil clan, and tries to win over the ronin, but a fit of rage comes over the samurai. Before the eyes of his horrified wife, he draws his sword and kills their child, then kills her as well. Rage and hatred takes over the wife's spirit, causing her to rise from death as an onryō, and she promptly slaughters him, before causing natural disasters to ravage the world around them due to her fury not being satisfied by just the ronin's death.

Mizu plans to make amends with Mikio, but learns from her mother (who is smoking opium again), that Mikio has left to deliver the horses he has tamed to his lord... including a particularly impressive specimen named Kai that Mizu helped Mikio tame and which Mikio had said would be Mizu's horse, rather than giving her to the lord. While Mikio is away, a group of armed men ride up, looking for Mizu, and reference the bounty on her. Mikio comes riding by on his horse, raising Mizu's hopes that he will aid her in fight off the attackers, but instead he rides away, leaving her to her fate. Heartbroken and enraged, Mizu lashes out at the men who came to kill her with all of her characteristic fury and skill, tearing them with apart with Mikio's naginata.

Shortly after Mizu finishes off her attackers, Mikio comes back, claiming that he had a moment of cowardice but decided to return and help Mizu. Mizu doesn't believe him, accusing him of having told the men where to find her. Mikio instead tries to put the blame on Mizu's mother, pointing out how she's been smoking opium again lately, and says that she got the money from informing on Mizu. The older woman claims that she had simply been prostituting herself again on the bridge. Mikio and Mizu's mother fight until he stabs her with a knife in his anger. He tries approaching Mizu again, but she cuts him short by killing him with a throwing dagger. With her heart poisoned by the terrible pain of betrayal and heartbreak, Mizu decides to resume her quest for vengeance against the white men.

In the present, Mizu breaks free of the Claws, then in between fighting them off, she takes off the weights on her arms and legs, connecting them to each other and her sword to turn it into a makeshift naginata. The Claws, who were already at a disadvantage thanks to the longer reach of Mizu's sword, have absolutely no chance to touch her now thanks to the added reach of her blade. She kills the remaining Claws until they're down to a few survivors who flee in terror. She then grabs boss Hamata and brings him to Madam Kaji so Kaji and her girls can get their own revenge on him.

An exhausted Mizu can barely keep from collapsing when the sound of approaching horses can be heard. It turns out that the horsemen are samurai in service to Lord Daichi (Akemi's father) who have come to find Akemi bring her home. Akemi tries to defy them, asking Mizu to fight on her behalf, but Mizu refuses and allows the samurai to take Akemi. Ringo is aghast at Mizu for not helping Akemi and tells Mizu off, complete with taking off the bell Mizu tied around him when he became her apprentice. Mizu, for her part, simply begins to slowly limp away, moving on to the next stage of her attempt to reach Fowler.

At the puppet performance, the narrator concludes the show, and it is revealed that the performance was done for the shogun and his guests. The shogun then asks Akemi what she thinks of the entertainment in Edo. Akemi replies that there is one thing in the show that she believes was inaccurate: She says she met an onryō once, and searched the creature's eyes for any sign of love, mercy, or goodness, and found none. As Akemi speaks, we get a close up of her face, showing her teeth have been blackened, indicating that her engagement to the shogun's younger son has gone forward.