A explosão no mercado norte-americano de revistas populares contendo ficção de vários gêneros na virada do século XIX para o XX trouxe para o grande público, autores, tramas e temáticas revolucionárias e que no século XXI são tratadas com naturalidade. Quem não conhece aventuras que começam em tavernas sujas como em "A Torre do Elefante" de Robert E Howard de março de 1933 ou as narrativas cósmicas de monstros colossais de "O Chamado de Cthulhu" de H.P. Lovecraft de fevereiro de 1928?
Periodicamente, as revistas pulp tinham a missão de trazer enredos variados e simples. Leves e de fácil leitura, foram a porta de entrada para vários autores. Lá era possível misturar culturas, lugares e períodos históricos dentro e fora do nosso planeta o quanto quisessem. Podiam criar raças esquecidas, planetas indescritíveis, misturar raças e civilizações com magia e ciência avançada (coisas que podem ser encontradas no melhor da "Saga Barsoom" Edgar Rice Burroughs e no volume "Além da Imaginação e do Tempo" de Clark Ashton Smith). Uma das escritoras trazidas por essas revistas foi Clare Winger Harris.
Nascida em 18 de janeiro de 1891, em Freeport, Illinois, foi uma das poucas escritoras a publicar na primeira geração de revistas pulp americanas, como também foi a primeira mulher a publicar com seu próprio nome. Filha do escritor de ficção científica Frank Stover Winger e neta de D. C. Stover, inventor e fundador da Stover Manufacturing and Engine Company, era fã da obra de Júlio Verne e H.G. Wells. Sua primeira história de ficção científica, "A Runaway World", saiu na edição de julho de 1926 da Weird Tales. O conto narra como nossa terra, um minúsculo elétron infinitesimal no vasto cosmos, é submetida a um terrível experimento químico.
Em junho do ano seguinte ficou em terceiro lugar em um concurso organizado por Hugo Gernsback, então editor de Amazing Stories com "The Fate of the Poseidonia", uma space opera ambiental em que o abastecimento de água da Terra é roubado por marcianos oportunistas. A narrativa acabou garantindo seu lugar como uma das principais vozes da ficção científica da época. Por ser uma mulher, acabou pegando Gernsback de surpresa já que foi a primeira a publicar histórias de ficção científica com seu próprio nome.
A coleção de contos "Away From the Here and Now" aqui traduzida pela Editora Cyberus como "Longe do Aqui e do Agora" escrita para os pulps de FC entre 1926 e 1930 e publicada em 1947 rendeu a Harris um dos primeiros prêmios de ficção científica, concedido a ela pela Sociedade de Ficção Científica de Los Angeles. O volume reúne onze contos nos principais tropos de ficção científica da autora: ciborgues, cientistas loucos, viagem tempo, space opera, evolução acelerada e mundos alienígenas.
Sua história "The Ape Cycle" na edição de maio de 1930 da Science Wonder Quarterly é geralmente considerada a última escrita pelos fãs da autora já que, de repente, aos 39 anos, Clare se aposentou, parando para se concentrar em criar seus filhos. A narrativa, que traz as sementes do que seria a obra de Peirre Boule, conta uma distopia que é criada quando macacos são treinados para serem servos da humanidade e descobrem que sua servidão é inaceitável.
A autora morreu em 26 de outubro de 1968, em Pasadena, gravando seu nome definitivamente na FC mundial. Se estivesse viva, esse ano completaria 130 anos. Sendo um artefato icônico de sua época, a obra de Clare Winger Harris é um convite para olhar a literatura com uma mente aberta e observar a complexidade mais completa que a ficção científica e seus escritores podem oferecer.