segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

Entre vimeiros e lagos: sobre Algernon Blackwood (Edição Ex-Machina e Clock Tower)

Fábio Fernandes nos lembra que antes da ficção científica surgir como gênero literário assumido, ela já presente bem antes da fantasia moderna se consolidar com J.R.R. Tolkien e seus seguidores. A Weird Fiction (termo sem tradução exata para o português, mas que aproxima em nossa língua como “ficção do estranho” ou “ficção do bizarro”) já mexia com a imaginação dos leitores desde o século XIX. Pavimentaram o gênero nomes como Sheridan Le Fanu (creditado não só por ser precursor do gênero como criador do termo), William Hope Hodgson, Arthur Machen, Lord Dunsany, H.P. Lovecraft (seu principal propagador), Clark Ashton Smith, Robert E Howard e o autor mais esquecido, porém com uma das obras mais comentadas, Algernon Henry Blackwood.

Inglês nascido em 1869, Algernon Blackwood foi jornalista e narrador de TV, sendo um dos mais prolíficos escritores de histórias de fantasmas na história do gênero. Geralmente, o autor é lembrado como um escritor de histórias de fantasmas eduardianas (pertencentes a Era Eduardiana), que, por meio de seu detetive sobrenatural John Silence, fornece uma ligação entre Dyson de Arthur Machen e Carnacki de Hope Hodgson. No geral, como lembra Oscar Nestarez, suas histórias são mais comentadas do que lidas. Suas narrativas raramente — ou nunca — foram publicadas no Brasil, vítimas do desinteresse de editoras, mas que são incensadas por gente de alta patente: como o próprio Oscar e também Howard Philips Lovecraft. O que dizer de Os Salgueiros, que nos mostra uma ruptura, desfamiliarização e angústia sem incluir nenhuma menção ao sobrenatural?


Blackwood é tristemente obscuro, sendo, sem dúvida, a figura central na literatura sobrenatural britânica do início do século XX, mesmo tendo alcançado fama apenas em seus últimos anos como contador de contos de fantasmas no rádio e na televisão britânicos.

Perceba, Vernon Lee (o apelido de Violet Paget), Arthur Machen e M.R. James produziram seus melhores trabalhos no final da Era Vitoriana. Hauntings de Vernon Lee, coletânea destacada por seu perturbador "Amour Dure" (presente na coletânea de Contos fantásticos do século XIX escolhidos por Italo Calvino), surgiu em 1890. As principais obras de Machen, como The Great God Pan (1894), foram produtos boêmios das décadas de 1870 e 1880 de Londres. Ghost Stories of an Antiquary de M.R. James, mesmo publicado em 1904, era a reunião de narrativas lidas em Cambridge durante a época do Natal ao longo da década anterior. Já os primeiros textos de Blackwood começaram a aparecer em revistas no início dos anos 1900, lançando um escritor que teria em seu portfólio duzentos contos e uma dúzia de romances publicados ao longo de mais de quatro décadas. Suas histórias transitam no limiar entre o sobrenatural e psicológico, lidando às vezes com as formas da natureza que esmagam a humanidade, entregando o melhor dos dois mundos. Não posso deixar de me perguntar se a razão de Algernon Blackwood não ter o tipo de reconhecimento como os outros hoje é devido à diferença nas raízes do medo.


Elegante e envolvente, ele naturalmente mergulha os sentidos, tanto dos personagens e dos leitores, em um clima desorientador. Fantasmas e forças naturais brotam como fonte de horror em narrativas distintas, elucidando visões e sensações propiciadas pela essência dos seres em um plano espiritual mais elevado, usando muitas vezes os versos de Percy Shelley como pano de fundo. No Brasil, sua publicação foi esparsa, sendo raramente reunida. Seu conto Velhas Feitiçarias apareceu na antologia produzida no meio dos anos 40: "Os Mais Belos Contos Alucinantes" da Editora Vecchi, ao lado de Ratos na Parede de Lovecraft, A volta do Feiticeiro de Clark Ashton Smith e O Sortilégio dos Russos de M.R. James; outro conto seu, A Estranha Morte de Morton, de 1910, veio a ser publicado em "Herdeiros de Drácula" de 2016, também ao lado M.R. James e Vernon Lee. Uma seleção foi realizada e traduzida pela escritora Heloísa Seixas em 2001 pela Editora Record chamada A Casa do Passado. Mais recentemente, em 2019, uma edição bilíngue de Os Salgueiros saiu pela Editora Empíreo com tradução de Stefano Danin e Anna Civolani e, também em 2019, uma edição independente, A Casa Vazia (2019) da Editora Clube de Autores que não precisa de comentários (e para alguns, nem merece ser lembrada!).

Se esse volume chegou em você, mergulhe com calma na cadência narrativa unheimlich e deixe o espírito melancólico do estranhamento te guiar.

Algumas notinhas de Instagram:

Para H.P. Lovecraft, o texto Os Salgueiros de Algernon Blackwood é “a melhor weird story que já lera” (conforme ele afirmou em carta para o também escritor Vincent Starrett). O autor lida com um tipo bem específico de horror: o pavor do desconhecido, daquilo que não pode ser compreendido, quantificado ou ponderado racionalmente. É sem dúvida um tema recorrente entre Lovecraft e os autores do Mythos. Em Blackwood, o leitor nunca sabe exatamente o que são as criaturas, jamais sabe o que deseja os monstros, e as narrativas simplesmente tem muitas lacunas deixadas incompletas, muitos mistérios em aberto.


Os escritos de Blackwood inspirariam e influenciariam inúmeros autores - H.P. Lovecraft, Clark Ashton Smith, William Hope Hodgson e George Allan England para citar alguns. Entre os autores, um jovem estudante inglês de 15 anos quando Os Salgueiros foi publicado: J.R.R. Tolkien. Tolkien citaria Blackwood como a fonte de sua frase icônica "the Crack of Doom" (Fendas da Perdição). Mais do que isso, porém, os temas de Blackwood de natureza malévola são encontrados em todos os escritos de Tolkien. O Velho Salgueiro-homem e seus "labirintos astutos" na Floresta Velha, Monte Caradhras, TrevaMata, Fangorn, os Ents... a lista continua. Por comparação, o Wendigo de Blackwood captura, corrompe e imita suas vítimas para horror de seus companheiros, os Nazgûl de Tolkien também capturam outros e os transformam em espectros como eles.


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