quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Antes de Tolkien havia a mitologia de William Blake - Via TolkienBrasil


by Eduardo Stark

Os mitos e as lendas sempre exerceram sobre a humanidade um grande fascínio. Seja pelo mistério que buscavam desvendar através de suas histórias de Deuses ou por grandes momentos vividos por heróis vitoriosos. Ambos parecem se entrelaçar na pretensão de revelar sentimentos por meio de suas narrativas.

A criatividade humana parece não ter encontrado limites para tentar explicar seu espaço e vida. Mas é difícil precisar quando a primeira pessoa decidiu contar uma história que viria a se tornar uma mitologia, pois elas estavam enraizadas nas diversas culturas que preservaram essas histórias por meio oral.

Contudo, alguns escritores decidiram criar sua própria mitologia, em que não tivesse o mesmo processo cultural e vínculo histórico com um povo. A esse tipo de atividade literária é dado o nome de “mitopoeia”.

O termo Mitopoeia, derivado do Inglês “Mythopoeia”, vem do grego μυθοποιία (criador de mito). Inicialmente a palavra se referia a criação de mitos na antiguidade, mas foi adotada por Tolkien como título de um poema escrito em 1931 e publicado no livro “Árvore e Folha”.O poema de Tolkien popularizou a palavra mythopoeia com o sentido de um novo gênero literário dedicado a criação mitos.

No livro The Oxford Dictionary of Literary Terms (O Dicionário Oxford de Termos Literários), de Chris Baldick, apresenta um conceito preciso da palavra:

Mitopoeia (mitopoese) A criação de mitos, ou coletivamente no folclore e na religião de uma cultura dada (geralmente pré-alfabetizada), ou individualmente por um escritor que elabora um sistema pessoal de princípios espirituais como nos escritos de William Blake. O termo é frequentemente usado em um sentido solto para descrever qualquer tipo de escrita que se baseie em mitos mais antigos ou se assemelhe a mitos em matéria ou alcance imaginativo. Adjetivo: mitopéico ou mitopoético.[1]

Com o passar do tempo a Mitopoeia é encarada como um gênero narrativo na literatura moderna e em filmes, em que uma mitologia ficcional ou artificial é criada pelo escritor. Estando agora comparável aos gêneros como Drama, Épico, Erótico, Nonsense, Lírico, Romance, Satira, Tragédia e Tragicomédia.

A ideia central da Mitopoeia é desenvolver uma mitologia que seja baseada, ou que tenha os mesmos princípios daquelas que já existem. È uma simulação de como seria uma mitologia, na mente de um autor (ou autores) com premissas daquelas histórias existentes, em geral utilizando derivações e arquétipos.

Comentando sobre seu legendarium e seu processo de criação, Tolkien afirma que a construção de uma nova mitologia exige a observação de “motivos ou elementos antigos e difundidos”, que atualmente são chamados de arquétipos:

“Essas histórias são “novas”, não são derivadas diretamente de outros mitos e lendas, mas devem possuir inevitavelmente uma ampla medida de motivos ou elementos antigos e difundidos; afinal, acredito que as lendas e mitos são compostos mormente da “verdade”, e sem dúvida aspectos presentes nela só podem ser recebidos nesse modo; e há muito tempo certas verdades e modos dessa espécie foram descobertos e devem reaparecer sempre. (Carta 131, para 1951)

É importante destacar que a Mitopoeia não tem como objetivo a criação de uma nova religião. Os Deuses ou Deus que estão em suas histórias não são desenvolvidos para ser objeto de culto. Pois é uma atividade literária e não religiosa. Nesse sentido, em carta, Tolkien expressa que se trata de uma “invenção imaginativa” como se lê a seguir:

Permita-me dizer que tudo isso é “mítico” e não qualquer tipo de nova religião ou visão. Pelo que sei é meramente uma invenção imaginativa, para expressar, do único modo que sei, algumas de minhas (turvas) apreensões do mundo. (Carta 181)

Da mesma forma, não é possível considerar uma Mitopoeia, aquela narrativa que tenha como finalidade adequar ideias filosóficas ou mostrar alguma verdade através de uma mitologia artificial.

Nesse sentido, a obra de Ferécides de Siro (600 a.c a 550 a.c), não poderia ser considera uma Mitopoeia propriamente, pois tinha pretensões filosóficas, visando esclarecer ideias relativas aos elementos e a origem do mundo. Aristóteles o considerava como um teólogo que misturava filosofia e mitologia. Ferécides transformou o panteão Grego em três grandes elementos que sempre existiram Zas (Zeus), Chronos (Tempo) e Cthonie (Terra). Porém, apenas reminiscências dessa obra são encontradas e não há precisão nas informações, o que dificulta saber qual a intenção do autor e como foi escrito seu livro. De todo modo, Ferécides pode ser considerado o precursor mais antigo dessa ideia de cosmogonias inventadas.

Outras tentativas de criação de mitos não parecem ter sido comuns na história da humanidade. Talvez chegassem a existir, mas foram completamente perdidos em bibliotecas esquecidas ou queimadas. Provavelmente a mentalidade religiosa muito enraizada na cultura ocidental implicou em evitar escritas que pudesse “brincar” com os Deuses ou Deus.

Assim, observado a impossibilidade de encontrar uma mitopoeia em tempos remotos, o primeiro nome relacionado a Mitopoeia que pode ser mencionado é William Blake, porém, tal como Ferécides de Siro, sua mitologia está mais relacionada com a propagação de suas ideias religiosas ou filosóficas do que com o sentido literário de se criar mitos, porém melhor documentada do que o escritor da antiguidade.

 

O poeta William Blake e sua mitologia

Na história muitos passam despercebidos em seu próprio tempo e somente muitos anos depois é que são reconhecidos por suas realizações. Esse é o caso de William Blake (28 de novembro de 1757 – 12 de agosto de 1827), que foi um poeta inglês e pintor, foi ignorado em seu tempo, exceto por suas ilustrações e alguns de seus poemas. Atualmente ele foi reconhecido como um dos expoentes das artes visuais e poesia da era Romantica.

Blake foi um revolucionário. Apoiou movimentos que estavam em ascensão como a Revolução Francesa. Suas ideias estavam intimamente ligadas com os pensamentos iluministas, porém sem perder seu vínculo religioso de origem protestante inglesa.

Contudo, ele se distancia do cristianismo quando escreve os aforismos “All Religions Are One” (Todas as Religiões São Uma) e “There Is No Natural Religion” (Não Existe Religião Natural). Nesse conjunto de enunciados Blake rejeita a ideia de uma religião individualizada a uma cultura e considera isso uma imposição autoritária, pois não há diferença entre as religiões e nenhuma delas surgiu naturalmente. Segundo ele, existiu apenas uma única religião no mundo, tal como uma única língua, mas que com o passar do tempo elas foram se distanciando em características, porém sua essência permanecia a mesma.



Com o objetivo de comunicar sua mensagem revolucionária, Blake criou seu próprio sistema de mitologia. Através de deuses como personagens, significados e simbolismos complexos esboçam as relações no contexto de profecia. Ele incorporou figuras bíblicas em suas poesias, porém os alterou para dar a ideia de uma universalidade.

Influenciado pelos escritos de John Milton, em especial o livro “Paraíso Perdido” e ideias de Emanuel Swedenborg e Jakob Böhme, Blake começou uma série de poesias que revelassem uma nova mitologia em que fundisse aspectos bíblicos com o paganismo dos druidas. Essa série ficou conhecida como “Os livros das profecias” e foram publicados nessa ordem:

·Tiriel (c. 1789)

·The Book of Thel (c. 1789)

·America a Prophecy (1793)

·Europe a Prophecy (1794)

·Visions of the Daughters of Albion (1793)

·The Book of Urizen (1794)

·The Book of Ahania (1795)

·The Book of Los (1795)

·The Song of Los (1795)

·Vala, or The Four Zoas (begun 1797, unfinished; abandoned c. 1804)

·Milton a Poem (1804–1810)

·Jerusalem The Emanation of the Giant Albion (1804–1820)

Na mitologia de Blake há uma mistura da religião judaico-cristã com seus conceitos filosóficos. Aparecem figuras como Jesus Cristo, Adão, Eva, Abraão, Satã, Noé, bem como da mitologia grega como Albion e poseidon. Por se tratar de uma mitologia expressada em poesias e imagens ela se torna complexa e muito abstrata para ser entendida com profunda objetividade. Muito o que foi escrito por Blake está associado com as suas próprias crenças e visão de mundo, sendo expressões de sua realidade e, portanto, mais uma religião pessoal do que uma mitologia propriamente.

William Blake também era um ilustrador e suas poesias mitológicas eram acompanhadas de figuras inusitadas. Uma das mais conhecidas é a “The Great Red Dragon and the Woman Clothed in Sun”.


As obras de Blake tiveram influência na cultura popular ocidental sobretudo depois de sua redescoberta por Aleister Crowley, um conhecido ocultista inglês. Seus seguidores passaram a usar as obras de Blake como referências em obras literárias, musicas e poesias.

Após a morte de Crowley em 1947, surgiu uma nova onda de músicas populares entre 1950 e 1960 e Blake passou a ser considerado um ícone da chamada “contracultura”. Ele era comumente estudado entre os hippies, idealistas da “Nova Era” e ocultistas.

Nessa época o cantor Bob Dylan é considerado um admirador das obras de William Blake e trabalhou junto com Allen Ginsberg na gravação de alguns dos poemas. É nesse período também que bandas de rock como Black Sabbath e posteriormente Iron Maiden, U2 e os cantores Bruce Dickson e Marilion Manson demonstram terem sido influenciados.

A partir de então suas influências se ampliaram pelo mundo afora em diversas mídias. Nas histórias em quadrinhos, Alan Moore apresenta conhecer a obra de Blake quando faz referencias em V de Vingança, Watchmen e Do Inferno. Além disso, nos filmes Manhunter (1986) e Red Dragon (2002), pode ser visto a imagem de Blake “The Great Red Dragon and the Woman Clothed in Sun”.

William Blake é reconhecido como um santo pela Ecclesia Gnostica Catholica (E.G.C.), ou também chamada Igreja Católica Gnóstica. Essa entidade é um braço eclesiástico da Ordo Templi Orientis (O.T.O.), uma organização de fraternidade iniciática internacional devotada a divulgar a Lei de Thelema. Thelema é um sistema religioso e mistico desenvolvido por Aleister Crowley e baseado em seu escrito “O Livro da Lei”. A palavra católica denota a universalidade da doutrina não tem relação com o cristianismo ou a Igreja Católica Romana. A principal função da Ecclesia Gnostica Catholica é realizar publicamente ou de forma privada a Missa Gnóstica (Liber XV), um ritual escrito por Crowley em 1913. Os santos da Ecclesia Gnostica Catholica são aqueles que estabeleceram princípios adotados na Thelema. Crowley fez uma lista com todos os nomes e publicou em seus ensaios, porém inicialmente William Blake não fazia parte da lista. Ele só foi adicionado posteriormente pelo Patriarca Hymenaeus Beta no final de 1997, baseado em um ensaio escrito por Crowley entitulado “William Blake”, que foi publicado no periódico Oriflamme 2, Ordo Templi Orientis, 1998.





J.R.R. Tolkien e sua opinião sobre William Blake

Cerca de setenta e cinco anos após a morte de William Blake nasceu J.R.R. Tolkien. Por serem ambos escritores que criaram mitologias, a primeira impressão que se poderia ter é uma comparação das duas obras visando encontrar em Tolkien alguma influência de Blake como predecessor.

Justamente em uma das primeiras resenhas feitas para o primeiro livro A Sociedade do Anel, que foi publicada no jornal Time and Tide com o título ‘The Gods Return to Earth” em 14 de agosto de 1954, Lewis expressa certa comparação de O Senhor dos Anéis com o livro Canções da Inocência (Songs of Innocence) de William Blake:

Este livro é como um raio de um céu claro: tão fortemente diferente, tão imprevisível em nossa época quanto o Canções da Inocência foi na dele. É inadequado dizer que nele o romance heroico, lindo, eloquente e sem pesar, de repente voltou em um período quase patológico em seu anti-romantismo. Para nós, que vivemos nesse período estranho, o retorno (e o alívio dele) sem dúvida é uma coisa importante. Mas na história do Romance em si, uma história que remonta à Odisseia e além, não ocorre um retorno, mas um avanço ou revolução: a conquista do novo território.[2]

Então, para os primeiros leitores de O Senhor dos Anéis que buscavam mais informações sobre a obra de Tolkien começaram a fazer as primeiras analises comparativas da obra de William Blake, e o posicionando como um predecessor e até influenciador.

Isso também é acentuado pelo fato de C.S. Lewis ter escrito a resenha acima. Ele era um amigo próximo de Tolkien e teve acesso aos seus escritos antes de serem publicados. Além disso, Lewis também escreveu suas histórias com um mundo imaginário e uma mitologia própria.

De fato, a vida de Tolkien era quase que completamente desconhecida por seus leitores. As poucas impressões que existem estavam no prefácio da primeira e segunda edições de O Senhor dos Anéis. Aliado a isso, raramente Tolkien concedia entrevistas e não se envolvia em grandes mídias ou buscava o sucesso, preferindo ficar distante de seus leitores e apenas os respondia por carta.

Com o surgimento da “contracultura” entre os anos de 1950 e 1960, muitos desses jovens passaram a ler O Senhor dos Anéis e o sucesso foi quase que explosivo com o lançamento das edições paperback nos Estados Unidos em 1965.

Assim, diversos leitores realizavam interpretações do Senhor dos Anéis a luz de suas ideias revolucionárias. Alguns acreditavam inclusive que o autor seria um defensor das mesmas ideias. Foi dentro desse questionamento que Tolkien chegou a receber duas cartas de leitores perguntando se existia alguma relação de O Senhor dos Anéis com as obras mitológicas de William Blake.

A primeira vista a relação parece ter sentido, uma vez que Blake é um precursor na ideia de criação de mitologias e várias palavras usadas por ele em seus poemas parecem ter relação com as obras de Tolkien. Como exemplo: Orc, Vala, Tiriel, Thiriel, Albion, Luvah. Além do fato de C.S. Lewis ter feito a referência na primeira resenha. Somando esses pontos muitos acabavam concluindo pela influência de Blake na obra de Tolkien.

Sigrid Hanson Fowler foi um desses milhares de admiradores que morava nos Estados Unidos. Ele estudava a obra de Tolkien com muita determinação. Na década de 60 Fowler era um estudante universitário e chegou a defender sua tese em 1966 com título “Speech Patterns in J.R.R. Tolkien’s The Lord of the Rings” (Padrões de fala em O Senhor dos Anéis de J.R.R. Tolkien), com cerca de 278 páginas. Posteriormente Fowler se tornou professor de literatura e língua Inglesa na Universidade Augusta.

Em suas pesquisas, Fowler se questionou sobre a possível influência que Tolkien poderia ter absorvido de William Blake. Foi então que enviou carta para o próprio autor, enfatizando a relação dos nomes da mitologia de Blake e sua presença na obra de Tolkien.

Em 29 de dezembro de 1968, Tolkien respondeu a carta de Sigrid Hanson Fowler. Nessa oportundiade Tolkien apontou que em seu antigo diário está anotado em 21 de Fevereiro de 1919 que teve contato pela primeira vez com os livros da profecia de Blake. (ver. HAMMOND, Chronology, p.737). Na carta Tolkien explica que:

“[Em 21 de fevereiro de 1919] estava lendo parte dos livros da profecia de Blake, que eu não tinha visto antes, e descobri para meu espanto várias semelhanças na nomenclatura (embora não necessariamente em função), por exemplo: Tiriel, Vala, Orc. Qualquer que seja a explicação dessas semelhanças elas são poucas: a maioria dos nomes inventados de Blake são tão estranhos quanto a sua “mitologia” – talvez, elas não são “proféticas” por parte de Blake, nem por qualquer imitação da minha parte: sua mente (na medida em que tentei entendê-la) e arte ou concepção de arte, não me atraem. Os nomes inventados são susceptíveis de mostrar oportunas semelhanças entre escritores familiarizados com a nomenclatura grega, latina e especialmente hebraica. Na minha obra, Orc não é uma “invenção”, mas um empréstimo do Inglês Antigo orc “demônio”. Isto é suposto ser derivado do Latin Orcus, que Blake sem dúvida conhecia. E também se supõe não estar relacionado com orc o nome de um animal marítimo. Mas eu recentemente investiguei orc e achei um tema complexo. [Arquivo Tolkien-George Allen & Unwin, HarperCollins] (HAMMOND, The Lord of the rings companion… p.25) [3]

Nessa carta fica demonstrado que Tolkien não gostava da mitologia de William Blake e que achava estranha a forma como foi desenvolvida. As semelhanças ocorreram, portanto, pelo fato de ambos os escritores terem utilizado palavras com derivações de línguas antigas que eram familiarizados. Embora a fonte fosse a mesma, os seus significados dentro das duas mitologias são muito diferentes entre si.

Contudo, é interessante observar que Tolkien teve contato com a obra de Blake quando estava começando a desenvolver o seu legendarium. Quando ainda estava escrevendo seus primeiro poemas relacionados a Earendel, cerca de seis meses após ter escrito “A Viagem de Earendel, a estrela vespertina”, seu amigo pessoal C.B.Smith havia lido seus poemas e feito duras criticas, tendo recomendado que lesse os poemas de William Blake como exemplo de clareza e simplicidade.

?3 de abril de 1915 Smith escreve para Tolkien. Ele está indisposto e doente do coração, mas encontra consolo nas cartas de Tolkien e seus comentários sobre o assento de Newdigate de Smith. Ele agora enviou os poemas de Tolkien para Gilson, exceto as coisas de “Earendel”. Ele acha que o verso de Tolkien “é muito propenso a ser complicado e confuso e ser ainda mais difícil de distinguir”; The Mermaid’s Flute (A Flauta de Mermaid) é bastante ruim a este respeito (Tolkien Papers, Bodleian Library, Oxford). Ele gostaria que Tolkien tornasse seu verso mais lúcido sem perder a luxúria, e sugere que leia as liricas curtas de William Blake como um exemplo de clareza e simplicidade. (HAMMOND, Chronology, p. 62) [4]

Se Tolkien seguiu o conselho de seu amigo é algo que precisa ser analisado com bastante cuidado. Já que não há nenhum sinal de que Tolkien tenha buscado alguma influência de Blake e suas afirmações posteriores demonstram que ele não gostava.

Cerca de vinte dias depois de ter recebido a carta de Smith com as criticas e a recomendação de leitura das poesias de Blake, Tolkien escreveu um poema chamado Goblin Feet (Pés de Goblin), que décadas mais tarde se arrependeu de ter escrito[5]. O poema foi publicado no periódico “Oxford Poetry” em 1 de dezembro de 1915, pela editora Blackwell e editado por G.D.H. C. (Gerald H. Crow) e T.W. E. (T.W. Earp). Nesse mesmo periódico havia também um poema de Aldous Huxley chamada “Home-Sickness… From the Town”.

Aldous Huxley e William Blake

Aldous Leonard Huxley (1894-1963) foi um escritor britânico, que ficou conhecido por seu romance Brave New World (Admirável Mundo Novo) em 1932, que narra um futuro ficcional onde as pessoas são pré-condicionadas biologicamente e psicologicamente a viverem em harmonia com as leis e regras sociais, dentro de uma sociedade organizada por castas e funções na sociedade.

Huxley teve influências de William Blake, chegando a citar em suas obras trechos de suas poesias. No livro The Doors of Perception (As Portas da Percepção), publicado em 1954, Huxley deu o nome do livro em referencia a um poema de Blake chamado “The Marriage of Heaven and Hell (O Casamento do Céu e Inferno). Nesse livro o autor defende o uso de drogas psicotrópicas, em especial a mescalina, como chave para libertação da mente criativa. A critica da época foi variada, mas chama a atenção a boa recepção do poeta Edwin Muir que afirmou ser “O experimento do Sr.Huxley é extraordinário e é lindamente descrito” [6] E no mesmo ano Edwin Muir se referindo ao Senhor dos Anéis disse “No entanto, pode-se ver que A Sociedade do Anel é um livro extraordinário,” [7]

Huxley ficou conhecido entre os apoiadores da contracultura. A banda “The Doors”[8] adotou o nome com base na obra psicodélica de Huxley, em especial a referência a citação de William Blake “Se as portas da percepção estivessem abertas, o homem poderia ver as coisas como elas realmente são: infinitas”[9].

Banda The Doors

Os Beatles, que também eram fãs de J.R.R. Tolkien, colocaram o rosto de Aldous Huxley, ao lado de Aleister Crowly, entre dezenas de grandes personalidades para a capa do álbum Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, com músicas que trazem a ideia de alteração da percepção.

Ao lerem os livros de Huxley, os hippies e apoiadores da contracultura tinham a impressão que pelo fato de ser um escritor britânico, com vínculos em Oxford, fosse da mesma turma de Tolkien e C.S. Lewis e que por sua vez seriam influenciados pelos escritores daquele país. Tendo um diferencial por coisas fantásticas e diferentes da realidade. Muitos pensavam que eram como se fossem herdeiros literários de histórias como Alice no País das Maravilhas.

Charles Williams, que era amigo pessoal de C.S. Lewis, e também de Tolkien, por ser membro dos Inklings também teve contato com as obras de William Blake e até mesmo com escritos de Aleister Crowley, a quem Tolkien não apreciava nem um pouco.

Esse contato de Aldous Huxley, G.B. Smith, C.S. Lewis, Charles Williams e J.R.R. Tolkien no início do século XX, demonstra que a atmosfera intelectual inglesa, sobretudo em Oxford, estava sendo influenciada pelas ideias da modernidade, com reflexos da ascenção de Aleister Crowley, que enfatizou as obras de William Blake naquele periodo.

Apesar disso, Tolkien não parece estar na mesma linha de ideias modernas que os citados. O autor de O Hobbit era um católico tradicional, e não assimilava facilmente ideias de sua época. Nem mesmo as mudanças que a Igreja Católica Romana passava com o Concílio Vaticano II, foram bem vistas por Tolkien. Talvez por isso não se sentisse a vontade com o grande sucesso que O Senhor dos Anéis teve repentinamente entre os jovens que estavam inspirados pelas ideias que surgiam na época.


BIBLIOGRAFIA:

APIRYON, Helena and Tau. The Gnostic Mass: Annotations and Commentary (footnote). Ordo Templi Orientis, 2004. Disponível em: https://hermetic.com/sabazius/gmnotes#Blake. Acessado em: 18 de Junho de 2017.

BALDICK, Chris. The Oxford Dictionary of Literary Terms, Oxford University Press, Oxford, 2008.

BLAKE, William. Songs of Innocence and Songs of Experience. Guildford: A.C.Curtis, Londres, 1901.

Hammond Wayne G. SCULL, Christina, J.R.R. Tolkien Companion and Guide, Reader’s Guide, HarperCollins, Londres, 2006.

______________________________, J.R.R. Tolkien Companion and Guide, Chronology, HarperCollins, Londres, 2006.

______________________________, The Lord of the Rings: A Reader’s Companion, HarperCollins, Londres, 2005.

LEWIS. C.S.’The Gods Return to Earth”, Time and Tide, Londres, 14 de agosto de 1954.

TOLKIEN, J.R.R. The History of Middle Earth I,The Book of Lost Tales Part One, ed. Christopher Tolkien, HarperCollins, Londres, 2002

 

NOTAS:

[1] Mythopoeia [mith-oh-pee-a] (mythopoesis) [mith-o-poh-ees-is] The making of myths, either collectively in the folklore and religion of a given (usually pre-literate) culture, or indivisually by a writer who elaborates a personal system of spiritual principles as in the writings of William Blake. The term is often used in a loose sense to describe any kind of writing that either draws upon older myths or resembles myths in subject-matter or imaginative scope. Adjective: mythopoeic or mythopoetic.
[2] This book is like lightning from a clear sky: as sharply different, as unpredictable in our age as Songs of Innocence were in theirs. To say that in it heroic romance, gorgeous, eloquent, and unashamed, has suddenly returned at a period almost pathological in its anti-romanticism, is inadequate. To us, who live in that odd period, the return – and the sheer relief of it – is doubtless the important thing. But in the history of Romance itself – a history which stretches back to the Odyssey and beyond – it makes not a return but an advance or revolution: the conquest of new territory.
[3] I had never seen before, and discovered to my astonishment several similarities ol nomenclature (though not necessarily in function) e.g. Tiriel, Vala, Orc. Whatever explanation of these similarities – few: most of Blake’s invented names are as alien to me as his ‘mythology’ – may be, they are not ‘prophetic’ on Blake’s part, nor due to any imitation on my part: his mind (as far as I have attempted to understand it) and art or conception of Art, have no attraction for me at all. Invented names are likely to show chance similarities between writers familiar with Greek, Latin, and especially Hebrew nomenclature. In my work Orc is not an ‘invention’ but a borrowing from Old English orc ‘demon’. This is supposed to be derived from Latin Orcus, which Blake no doubt knew. And is also supposed to be unconnected with orc the name of a maritime animal. But I recently investigated orc, and find the matter complex. [Tolkien-George Allen & Unwin archive, HarperCollins] (HAMMOND, The Lord of the rings companion… p.25)
[4] ?3 April 1915 Smith writes to Tolkien. He is unwell and sick at heart, but finds consolation in Tolkien’s letters and his comments on Smith’s Newdi­gate Prize entry. He has now forwarded to Gilson Tolkien’s poems, except the ‘”Earendel” things’. He thinks that Tolkien’s verse ‘is very apt to get too compli­cated and twisted and to be most damned difficult to make out’; The Mermaid’s Flute is rather bad in this respect (Tolkien Papers, Bodleian Library, Oxford). He would like Tolkien to make his verse more lucid without losing its luxuri­ance, and suggests that he read shorter lyrics by William Blake as an example of the clear and simple. (HAMMOND, Chronology, p. 62)
[5] “I wish the unhappy little thing, representing all that I came (so soon after) to fervently dislike, could be buried for ever”.
[6] “Mr. Huxley’s experiment is extraordinary, and is beautifully described”
[7] “However one may look at it The Fellowship of the Ring is an extraordinary book,” Observer, 22 de Agosto de 1954.
[8] http://www.doorshistory.com/doors1965.html
[9] “If the doors of perception were cleansed man could see things as they truly are, infinite”