sábado, 29 de novembro de 2025

O AFRICANO E O POETA - Narcisa Amália


           Ao Dr. Celso Magalhães


                                              Les esclaves... est-ce qu'ils ont des dieux?

                                              Est-ce qu'ils ont des fils, eux qui n'ont point d'aieux?

                                                                                                           Lamartine


No canto tristonho

Do pobre cativo

Que elevo furtivo,

Da lua ao clarão;

Na lágrima ardente

Que escalda-me o rosto,

De imenso desgosto

Silente expressão;


Quem pensa? — p poeta

Que os carmes sentidos

Concerta aos gemidos

De seu coração.


— Deixei bem criança

Meu pátrio valado,

Meu ninho embalado

da Líbia no ardor:

Mas esta saudade

Que em meu túmido ansdio

Lacera-me o seio

Sulcado de dor,


Quem sente? — o poeta

Que o elísio descerrrqa;

Que vive na terra

De místico amor!


— Roubaram-me feros

A férvidos braços;

Em rígidos laços

Sulquei vasto mar;

Mas este quexume

Do triste mendigo,

Sem pai, sem abrigo,

Quem quer escutar?...


— Quem quer? — o poeta

Que os térreos mistérios

Aos paços sidérios

Deseja elevar.


— Mais tarde entre as brenhas

Reguei mil searas

Co'as bagas amaras

Do pronto revel;

Das matas caíram

Cem troncos, mil galhos;

Mas esses trabalhos

Do braço novel,


Quem vê? — o poeta

Que expira em harpejos

Aos lúgubres beijos

Da fome cruel!


— Depois o castigo

Cruento, maldito,

Caiu no proscrito

Que o simum crestou;

Coberto de chagas,

Sem lar, sem amigos,

Só tendo inimigos...

Quem há como eu sou?!...


— Quem há?... o poeta

Que a chama divina

Que o orbe ilumina

Na fronte encerrou!


— Meu Deus! ao prec ito

Sem crenças na vida,

Sem pátria queridam

Só resta tombar!

Mas... quem uma prece

No campo do escravo

Que outrora foi bravo

Triste há de rezar?!...


— Quem há-de?... o poeta

Que a lousa obscura

Uma lágrima pura

Vai sempre orvalhar!?