Em 1961, Michael Moorcock (responsável por Elric) propôs um desafio para ser criado um nome que abarcasse as histórias e preservar a memória e o trabalho do autor Robert E. Howard, que na época, se encaixavam simplesmente como ''Fantasia''. O escritor Fritz Leiber (autor da obra Lankhmar) sugeriu o termo ''Espada e Feitiçaria''. O criador de Conan foi importante para o desenvolvimento do subgênero, trazendo novas dimensões com mundos bem construídos, personagens fortes e tramas envolvendo civilizações antigas e erguendo-se como um pináculo sobre tais alicerces literários.
Robert E. Howard escreveu histórias de todos os estilos imaginados, mas suas criações mais famosas são as de Espada e Feitiçaria. Howard criou personagens fantásticos e populares: rei Kull, o puritano Solomon Kane, e o rei picto Bran Mak Morn, a espadachim Dark Agnes de la Fere e a guerreira Sonya de Rogatino. O maior de todos foi, sem dúvida, o bárbaro Conan, que vivia suas aventuras na Era Hiboriana, que se trata da Terra, mas em um passado pré-cataclísmico do qual a história atual não guarda lembranças. Mesmo sendo importante, Howard não foi um dos pioneiros do gênero, com suas as origens indo para muito além.
No início no século XX, o escritor inglês Lord Dunsany criou um mundo fantástico chamado Pegana, com geografia, história, religião e mitologia próprias. Ou seja, uma construção de mundo ou “worldbuilding”, com a primeira narrativa sendo "A Fortaleza Invencível: Exceto para Sacnoth". A criação de mundos imaginários é algo que está presente na literatura e mistura-se com mitologias, lendas e projeção do futuro. "Barsoom" veio pelas mãos do autor Edgar Rice Burroughs não trazia magia em seus escritos, porém a atmosfera de ciência avançada preenchia a lacuna, criando a ramificação da ramificação: "Espada e Planeta".
A essência dessas histórias eram simples, violentas, cheias de ação, vertiginosas, transgressoras, politicamente incorretas, socialmente irreparáveis e provocadoras. Na virada do século XIX para o XX, houve uma explosão no mercado norte-americano de revistas populares contendo ficção de vários gêneros. Parecidos como uma espécie de periódico, as revistas pulp, ou ''de polpa'', tinham esse nome por sua matéria-prima barata: a polpa de madeira. As histórias traziam enredos dos mais variados e simples de faroeste, mistério, aventura, romance, terror, fantasia e ficção científica. H.P. Lovecraft, Clark Ashton Smith, Jack Vance, C.L. Moore, Leigh Brackett, L. Sprague de Camp, Roger Zelazny e Poul Anderson são apenas alguns dos nomes que se aventuraram por essas páginas, abrindo caminhos para Gardner Dozois, Robin Hobb, Ken Liu, Kate Elliott, Elizabeth Bear, Karl Edward Wagner e Lavie Tidhar.
O já citado Michael Moorcock produziu seus contos e romances imensamente populares sobre Elric de Melniboné, se destacando como o Anti-Conan por ser rei, albino, fraco e drogado, a antítese total do personagem howardiano. Imitações evidentes de Conan, como Brak, o Bárbaro, de John Jakes, foram criadas e pastiches foram produzidos e licenciados. Cele Goldsmith, editora da revista Fantastic, arrancou o também já citado Fritz Leiber da aposentadoria para voltar a escrever novos contos de Fafhrd e Gray Mouser.
Então, nos anos 60, veio Tolkien.
Sua trilogia ''O Senhor dos Anéis'' sofre de dois erros de análise: costuma ser citada como a única criadora do gênero fantástico moderno, e muitas vezes sua qualidade narrativa é superestimada. A influência de Tolkien percorre todos os escritores de fantasia posteriores, em um grau maior ou menor. Costuma ser esquecido que a famosa edição não licenciada de "A Sociedade do Anel'' da Ace traz em sua capa uma ilustração de Jack Gaughn, que mostrava um mago empertigado no alto de uma montanha, brandindo uma espada e um cajado. Deixando claro que Don Wollheim, dono da Ace e também criador do nome "Espada e Planeta", achava que aquele era um livro de Espada e Feitiçaria. Sua apresentação assinada explicita isso ao promover o volume de Tolkien como ''um livro de Espada e Feitiçaria que qualquer um pode ler com encanto e prazer''.
Em outras palavras, graças às revistas pulp da década de 30, os Estados Unidos tinha um público segmentado de literatura fantástica que muito antecede Tolkien. O público anglófono norte-americano estava faminto como um orc (ou orque, dependendo de sua edição) esperando para ser alimentado. A trilogia ''O Senhor dos Anéis'' já tinham sido lançada em caras edições de capa dura na Grã-Bretanha, mas as edições em brochura da Ace — e a licenciada da Ballantine Books — tornaram os livros acessíveis em edições que milhões de outros podiam comprar, povoando o imaginário de toda uma época.
O efeito Tolkien foi massivo o suficiente para que esse subgênero, que sempre foi alimentado por contos, desse lugar a romances cada vez mais longos que se desdobraram em cada vez mais continuações, passando a ser vistos, em grande medida, como um subgênero próprio, ''Fantasia Épica'' (embora alguns digam que a distinção de um do outro é justamente a duração). Seja como for, à medida que livros considerados de ''Fantasia Épica'' começavam a ganhar mais destaque, as pessoas passavam a falar menos sobre ''Espada e Feitiçaria'', agonizando, mas não morrendo. A título de exemplo, Robert Jordan produziu uma longa sequência de romances de Conan ao longo dos anos 1980 antes de se voltar para sua série de fantasia épica em vários volumes que recentemente foi adaptada pela Amazon Prime, ''A Roda do Tempo''. Se Elric é o Anti-Conan, Moorcock é por sua excelência um anti-Tolkien (embora alguns de seus personagens sejam conectados com o trágico, existindo uma unidade temática entre Elric de Melniboné e Túrin Turambar, guardados devidamente no guarda-chuva de Kullervo do Kalevala). George R. R. Martin é comparado a Tolkien constantemente, sendo considerado por muitos uma versão americana e contemporânea do autor com seu épico político de Espada e Feitiçaria em "As Crônicas de Gelo e Fogo", que tornou o gênero fantasia algo maior do que jamais foi. Publicado em 1996, a saga que ainda está em andamento influenciaram novos escritores mostrando a eles um tipo de fantasia áspera, com personagens tão moralmente dúbios que é impossível diferenciar os bons dos maus.
Em Martin podemos ver como ele lida com a tradição, com os escritores que o antecederam. Como um verdadeiro herdeiro de J.R.R. Tolkien e Robert E. Howard, faz em sua principal obra homenagens claras a ambos. Como não olhar a trajetória e aparência de Robert Baratheon e não lembrar de Conan, ou ver o drama de Samwell Tarly e não rememorar Samwise Gamgee com suas jornadas e vínculos com o personagem principal da história? O autor adiciona camadas que não eram encontradas em seus anteriores, nos entregando um livro de confrontos e intrigas monárquicas, mostrando o quanto a humanidade é precária e que nem sempre a melhor pessoa é a que chega mais longe no jogo do poder.
Nos últimos anos do século XX e nos primeiros do século XXI surgiram escritores como Patrick Rothfuss, Brandon Sanderson, Steven Erikson, Garth Nix, Kate Elliott, Ken Liu, Rich Larson, Carrie Vaughn, Robin Hobb, Karl Edward Wagner, Lavie Tidhar e Daniel Abraham. No Brasil, o gênero foi organizado de maneira mais moderna por nomes como Duda Falcão, Cesar Alcázar, Jean Gabriel Álamo, Robilam C. Júnior e Alfredo Alvarenga. A editora Pipoca e Nanquim trouxe pesadamente a obra de Robert E. Howard, iniciando com a trilogia Conan com tradução de Alexandre Callari, a Évora traduziu e trouxe Moorcock com a trilogia Elric de Melniboné. Por muitos anos a LeYa foi a casa do fantástico, sendo esse mercado ocupado pela Arqueiro, Editorial Record e Suma das Letras.
Depois desse passeio sobre o gênero e seus principais autores, organizadores e editoras, espero que gostem do presente volume. Aos escritores, afiem seus teclados e escrevam seus contos. Aos leitores confio minha esperança que o presente livro se revele tão fascinante e inspirador que faça nascer um novo fã desse gênero já tão consagrado por nomes tão gigantescos.