Embora se atribua a escritora Gertrude Barrows Bennett a criação do subgênero Dark Fantasy nas revistas pulp dos anos 1920, estudiosos chamam a atenção para o conto A Máscara da Morte Rubra (1842) de Edgard Allan Poe como o primeiro a mesclar a fantasia com horror. A Dark Fantasy normalmente se caracteriza por histórias medievais (mas, nem sempre) que tenham como pano de fundo o horror e uma sensação de decadência e luta pela sobrevivência em meio a perigos de todos os tipos. Certamente um fato incontestável é a dificuldade de delimitar as fronteiras que separam a fantasia do horror e as que as une. Os demônios de Peter V. Brett, as batalhas violentas de Gary Whitta, o fascinante mundo pós-apocalíptico de Mark Lawrence e os incríveis cavaleiros de dinossauros de Victor Milán nos dão um mapa das temáticas pertencentes a esse gênero. Outro escritor que se aventurou nessa temática foi Arthur Llewellyn Jones.
Galês nascido em 1863, Caerleon, Reino Unido, Arthur Machen é mais lembrado pelos estudiosos pela novela O Grande Deus Pã (1894), produto boêmio das décadas de 1870 e 1880 de Londres, com seus melhores trabalhos sendo produzidos no final da Era Vitoriana que tem conexões no mínimo interessantes com autores contemporâneos. Stephen King no livro Revival (2014) diz que essa obra o assombrou a vida toda. Guillermo del Toro e seu O Labirinto do Fauno (2006) tem muitas "coincidências" narrativas: ambas são todas sobre garotas que estão em contato com estranhos outros mundos e veem esses mundos como fascinantes e arrebatadores, mas o público normalmente capta as imagens ocultas perturbadoras do presente. Machen e sua obra resistiram nas periferias do conhecimento literário, sendo o tipo de escritor cujo nome a maioria das pessoas não sabem ao certo como pronunciar (para os curiosos, é "makken").
Suas narrativas raramente foram publicadas no Brasil, vítimas do desinteresse de editoras. Estamos tratando, basicamente, de um autor que ficou em algum lugar no limiar, na transição de estilos entre M.R. James e H.P. Lovecraft. Os leitores modernos apreciam particularmente a maneira como ele apresenta o queria ser denominado de psicogeografia — os efeitos do ambiente geográfico sobre as emoções e os comportamentos sociais da sociedade civil e dos indivíduos de forma organizada ou não — de Londres e suas dobras ocultas, adiantando muitas das temáticas trabalhadas por Neil Gaiman e outros. Seu detetive sobrenatural, Dyson, atravessa a cidade como um cavaleiro medieval consagrado enfrentando assombrações por onde vai.
Sua obra é uma coisa incrível, embora o terror que seus primeiros escritos possam não ter sentido depois de um século após a composição, já que nossa sociedade está acostumada com a violência social decorrente do atual choque de civilizações e o mau gosto. Como em O médico e o monstro (1886) do autor escocês e seu contemporâneo Robert Louis Stevenson, o Pã de Machen não ameaça a sociedade vitoriana moralista, mas sim emana de seu coração sombrio e perverso. Mesmo quando confrontados com perigos sobrenaturais, os protagonistas de Machen não sentem a necessidade de feitiços protetores ou explicações racionais: eles apenas querem testemunhar as belezas sombrias da vida (por mais horríveis que sejam). Uma das figuras mais importantes da Idade de Ouro da ficção weird, e seus romances e contos influenciaram fortemente o tripé da Weird Tales: H.P. Lovecraft, Robert E. Howard e Clark Ashton Smith. Todos os três permanecem imensamente populares entre os leitores. Muito de seu trabalho foi difícil de obter, permanecendo enterrado em revistas e jornais obscuros de um século atrás ou publicado em caras edições limitadas.
Ninguém merece ser recuperado e lido mais do que Arthur Machen. Ele nunca recebeu uma publicação completa adequada de seus contos no século passado, e muitos de seus melhores trabalhos estão há muito tempo esgotados. No Brasil, uma forte onda de publicações foram reunidas nas primeiras décadas deste século, mas sem apresentar alguma diversidade temática. A Editora Clock Tower trouxe um grande compilado de contos com O Mestre do Oculto (2017), a Editora Iluminuras publicou O terror (2000), a Pyro Books trouxe O Povo Branco e O Selo Negro (2020), a Penalux e Corvus publicaram respectivamente, O Grande deus Pã (um em 2016 e outro 2020). Então faça: vá e compre mais esse volume e propague as palavras desse maravilhoso autor.